No caos da saída do exército americano após a tomada de Cabul pelo Talibã, em agosto, milhares de armas americanas e equipamentos militares foram apreendidos pelos rebeldes.
Agora, com o Talibã no poder, comerciantes que compraram armas e acessórios americanos de ex-soldados do governo e combatentes as vendem livremente em suas lojas, dizem os comerciantes da província de Kandahar, no sul do país.
Três entrevistados, que preferiram não se identificar, disseram que dezenas de afegãos montaram lojas de armamento no sul do país e estão vendendo pistolas, rifles, granadas, binóculos e óculos de visão noturna americanos. O equipamento veio originalmente das forças de segurança do Afeganistão treinadas pelos EUA, em um programa que custou aos contribuintes americanos mais de US$ 38 bilhões em duas décadas de guerra.
Durante a insurreição, os Talibã procuraram avidamente armas e equipamentos americanos. Agora, muito desse armamento está sendo vendido aos empresários afegãos porque a demanda do Talibã diminuiu com o fim do combate, segundo os vendedores. Os comerciantes disseram que muitos desses vendedores de armas traficaram equipamento para o Paquistão, onde a demanda por armas americanas é alta.
A perda de US$ 10 milhões em armamento americano é mais uma consequência custosa da fracassada missão americana de 20 anos no Afeganistão, encerrada no dia 15 de agosto após o Talibã esmagar um exército afegão construído, treinado e financiado pelos Estados Unidos.
Ao longo dos anos, os EUA proveram vários tipos de armas e veículos ao exército afegão, incluindo carabinas M4, foguetes, aviões de ataque A-29, além de munições para espingardas e metralhadoras, segundo um relatório recente do governo americano. Para os dois anos fiscais anteriores terminados em junho, o montante gasto com os militares afegãos somou US$ 2,6 bilhões. O Pentágono reconheceu nesta segunda-feira, 4, que um grande número de armas fornecidas pelos americanos permaneceu no Afeganistão.
"Desde 2005, os militares norte-americanos têm fornecido às forças de defesa e segurança nacionais afegãs milhares de armas, desde pistolas a metralhadoras médias", disse o Major Rob Lodewick, porta-voz do Departamento de Defesa, em um comunicado ao The Times.
Após o colapso do governo afegão em agosto, Lodewick disse que "reconhecemos que um grande número destas armas está provavelmente agora nas mãos do Talibã".
Em depoimento ao Congresso na semana passada, o Secretário da Defesa dos EUA, Lloyd J. Austin, afirmou que o armamento mais sofisticado que as tropas americanas usavam no Afeganistão foi removido quando as últimas forças partiram no fim de agosto. O armamento avançado fornecido às forças de segurança afegãs, tais como helicópteros e aviões, foi desativado antes da partida dos americanos, disseram as autoridades do Pentágono.
Mas os Talibã negaram que qualquer uma dessas armas estivesse no mercado.
Em uma entrevista ao The New York Times, um porta-voz do Talibã, Bilal Karimi, disse que as armas não estavam à venda. "Nego totalmente; os nossos combatentes não podem ser assim tão descuidados", disse ele. "Nem uma única pessoa pode vender uma bala no mercado ou contrabandeá-la".
Ele acrescentou que as armas americanas anteriormente capturadas durante a guerra "estão todas listadas, verificadas e salvas e seguras sob o Emirado Islâmico".
Outras fontes Talibã, contudo, confirmaram que várias armas americanas estão sendo comercializadas. Algumas delas foram apreendidas pelos Talibã durante negociações de rendição com soldados e policiais do governo destituído. Outras vezes, uniformes, armas e equipamentos foram simplesmente abandonados por soldados e policiais que desertavam o país.
Alguns soldados e policiais venderam as suas armas e munições antes de negociarem as suas rendições. Os comerciantes de armas pagam cerca de US$ 1.200 por uma única Beretta M9 de serviço norte-americano, disseram os entrevistados - muito mais do que o salário mensal de um soldado, enquanto muitos agentes não eram pagos ou reabastecidos com munições, comida ou água.
As carabinas americanas M4 são vendidas por cerca de US$ 4 mil, disseram os comerciantes, especialmente se equipadas com mira laser ou lança-granadas por baixo do cano.
Em contraste, uma espingarda Kalashnikov está sendo vendida por cerca de US$ 900, disseram os negociantes, e um lança-granadas de fabricação russa por cerca de US$1.100. Pistolas que as forças da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) forneceram aos agentes da polícia afegã são vendidas por cerca de US$ 350. Quase todas as transações são feitas em rúpias paquistanesas e em dinheiro, disseram os vendedores.
Um comerciante de armas, Esmatullah, disse ter aberto uma loja na província de Kandahar há cerca de oito meses, após os Talibã terem tomado o controle da área. Antes disso, ele conta que trabalhava como comerciante itinerante de armas, visitando bases governamentais para comprar equipamentos de soldados e policiais desesperados por dinheiro e fartos de um governo que, acreditavam, os havia abandonado.
"Costumávamos trabalhar como uma equipe móvel", disse. "Nos encontrávamos com muitos soldados e oficiais do governo para comprar armas. Depois disso, levávamos essas armas aos Talibã e as vendíamos para eles ou para qualquer pessoa que nos desse um bom preço".
Separadamente, os Talibãs permitiram que seus soldados vendessem algumas das armas pequenas que apreenderam quando as bases se renderam ou foram invadidas, segundo os comerciantes. O resto das armas confiscadas foi entregue aos comandantes Talibã.
Hoje, os comerciantes dizem que os seus clientes são empresários afegãos e cidadãos comuns. Estes afegãos compram as cobiçadas armas americanas para revendê-las no Paquistão, para autodefesa ou para resolver rixas pessoais de longa data.
"As armas de fabricação americana são muito procuradas, pois funcionam muito bem e as pessoas sabem como utilizá-las", disse um segundo comerciante de armas em Kandahar, que falou sob condição de anonimato, porque temia que os Talibã fechassem a sua loja.
O comerciante disse que já vendeu dezenas de pistolas, rifles e munições americanas desde que abriu sua loja há cerca de três meses. Um terceiro vendedor de armas em Kandahar, que pediu para não ser identificado porque o Talibã o alertou para não falar com jornalistas, disse que vendeu tanto armas como artilharia antiaérea para o grupo.
Agora, ele disse que vende M4s e metralhadoras calibre .50 de fabricação americana, bem como armas fabricadas por outros países, incluindo lançadores de foguetes e rifles de assalto Kalashnikov.
"A primeira escolha é pelas americanas, mesmo que sejam um pouco mais caras do que as russas", o comerciante disse. "Armas leves como pistolas tem grande procura, já que são mais fáceis de carregar e transportar".
Mullah Basir Akhund, um ex-comandante Talibã que vive em Kandahar, disse que ajudou militares a negociarem a rendição das forças de segurança na província. O Talibã frequentemente mandava anciãos da vila ou pessoas confiáveis para forjar esses acordos. O colapso das bases do governo deixou a área inundada de armas de fabricação americana, disse Akhund.
"Há muitas lojas de contrabandistas de armas em Kandahar atualmente”, contou. “Essas pessoas sempre estiveram lá para comprar armas, principalmente durante esse tipo de período de transição, onde é fácil fazê-lo".
Ele disse que recentemente apresentou um traficante de armas paquistanês a um vendedor de armas em Kandahar e que o contrabandista afirmou que estava procurando pistolas, rifles, óculos de visão noturna, munição e outros equipamentos militares fornecidos pelos EUA.
Akhund disse que o revendedor paquistanês vende carros em um showroom no Paquistão. Mas o negócio mais lucrativo do comerciante, segundo ele, se concentra na venda de armas feitas nos Estados Unidos e compradas no Afeganistão.
Ver todos os comentários | 0 |