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Ditadura reprime e silencia a última onda de protestos em Cuba

Dissidentes cubanos relataram casos de tortura em repressão aos protestos de julho contra o governo.

Quando os cubanos tomaram as ruas em julho, na maior manifestação contra o regime comunista em décadas, Michel Parra se juntou à multidão inflamada. “Pela primeira vez na vida eu marchei”, afirmou o rapaz de 20 anos, que trabalha em um hospital.

Mas o entusiasmo se transformou em medo quando homens à paisana arrancaram Parra e sua irmã do protesto em Matanzas.


Arrastado para a sede dos serviços de segurança de Cuba, ele foi levado para uma sala de interrogatório. “Eles gritavam, diziam que atirariam em mim e na minha família”, afirmou. “Implorei para que parassem, mas eles continuavam me chamando de gusano” – que significa “verme”, termo com qual o governo e seus apoiadores apelidam os anticomunistas. “Eles me deram um tapa que me derrubou no chão”, afirmou Parra. “Começaram a chutar meu corpo inteiro. Não paravam.”

Cem dias após as manifestações, a dimensão da repressão é evidente. Operações das forças de segurança resultaram em mais de mil detidos. Atualmente, cerca de 500 cubanos continuam atrás das grades ou enredados em obscuros processos judiciais, de acordo com a Cubalex, ONG que monitora as detenções.

Em muitos casos, os detidos foram submetidos a torturas e humilhações, de acordo com um relatório da Human Rights Watch. O texto fornece o relato mais detalhado até agora sobre a repressão à dissidência.

Vários relatos foram confirmados pelo Washington Post em entrevistas com cubanos detidos e parentes dos que continuam encarcerados. Dos 130 prisioneiros cujos casos foram investigados, 48 sofreram abusos físicos. Esse tipo de tratamento ocorreu principalmente nas horas iniciais da detenção. Depois, muitos foram deixados definhando dentro de celas lotadas, em péssimas condições sanitárias e mal alimentados. Pouco se sabe a respeito de outras centenas de pessoas que continuam na cadeia.

Um novo protesto em 15 de novembro, convocado por artistas e dissidentes, apoiado pelos cubanos no exílio, foi banido pelo Estado. Ativistas e observadores alertam que prisões e abusos poderiam fazer os manifestantes ficarem em casa no mês que vem.

No dia 15 de novembro, o governo planeja reabrir a ilha para o turismo, depois de meses de restrições da pandemia. Outra erupção de protestos representaria um enorme revés de relações públicas para o governo e sua busca desesperada pelos dólares do turismo.

“A repressão é um esforço para inculcar o medo nas pessoas e garantir que isso não aconteça de novo”, afirmou Juan Pappier, pesquisador da Human Rights Watch. “As pessoas que protestaram por estarem cansadas da falta de liberdade, de esperar horas na fila para conseguir pão ou leite, achavam que não tinham nada a perder. Mas o governo mostrou que sim, elas têm algo a perder, que elas podem acabar detidas e viver em condições ainda piores na cadeia.”

Autoridades cubanas negam que tenham maltratado manifestantes. A chancelaria afirma que a maioria dos processos relacionados aos protestos é de violações da “ordem pública”. Em agosto, o presidente Miguel Díaz-Canel admitiu que “situações complexas” podem levar a “algum excesso”. “Mas ninguém está desaparecido ou foi torturado, lhes digo responsavelmente”, afirmou. “Todas as famílias foram informadas a respeito da localização de seus parentes.”

Abusos

Aliados do governo dizem que a força aplicada contra os manifestantes foi menos mortífera do que a acionada em protestos na Colômbia, onde 29 pessoas morreram este ano, e no Chile, que registrou 31 mortos em 2019. Em Cuba, apenas uma morte foi confirmada durante os protestos: Diubis Laurencio Tejeda, cantor de 36 anos. A ONG Observatório Cubano de Direitos Humanos afirmou que ele foi baleado nas costas por um policial.

“Podem ter pesado a mão em alguns casos, mas isso está sendo exagerado”, afirmou Carlos Alzugaray, ex-diplomata cubano. “A polícia recebeu instruções para não usar armas. Não estamos falando de Chile ou Colômbia, onde a polícia realmente mata as pessoas.”

Alguns manifestantes detidos, porém, relataram abusos quando estavam sob custódia. O jornalista Orelvys Cabrera afirmou que foi forçado a se despir na frente de militares após ser detido por cobrir as manifestações. Ele relatou que foi obrigado a escutar contos gloriosos do regime. Depois, foi colocado em uma pequena cela com outros sete presos. “Dormi 33 dias no chão. Eles nos davam arroz com terra para comer, sopa de gordura. De manhã, apenas uma fatia de pão.”

Os detidos resistiam cantando Patria y Vida, canção indicada ao Grammy que virou hino da dissidência. Mas Cabrera, que pagou fiança de US$ 40 e foi para a prisão domiciliar, afirmou que eles também foram acometidos de desilusão. “Chorávamos muito, porque tínhamos esperança de que depois daquele dia finalmente seríamos livres”, afirmou.

Michael Valladares, operário da construção civil de Mayabeque, afirmou que sua mulher, María Cristina Garrido, de 39 anos, foi presa com a irmã na manhã seguinte aos protestos. Testemunhas lhe contaram que elas apanharam dos policiais na prisão. Dezoito dias depois, ele conseguiu visitar a mulher. Ela relatou que foi jogada em uma “cela de punição”, com fezes no chão, depois de se recusar a gritar “Viva Fidel!”. “Ela contou que toda vez que se recusava, uma soldada batia nela com tanta força que ela urinava”, disse Valladares.

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