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Igreja espera 'ruídos' com governo Bolsonaro até Sínodo da Amazônia

No sábado, 31, o presidente Jair Bolsonaro admitiu que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitora a preparação do Sínodo dos bispos.

A expectativa da cúpula da Igreja Católica envolvida na preparação do Sínodo da Amazônia é de que o desentendimento com o governo brasileiro e segmentos conservadores do clero, que desconfiam dos objetivos do Vaticano, não vai cessar até a realização do encontro de bispos convocado pelo papa Francisco, em outubro. Relator do Sínodo, o cardeal d. Cláudio Hummesrefere-se aos atritos como "ruídos" e diz, sem nominar, que existem "grandes interesses econômicos e políticos em jogo".

"Esses ruídos vão continuar. Faz parte porque tem muitos interesses ali. E também tem gente de boa-fé que acha que é por aí, às vezes é falta de conhecimento", disse ao Estado, durante a última reunião dos bispos da delegação brasileira em Belém.


No sábado, 31, o presidente Jair Bolsonaro admitiu que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitora a preparação do Sínodo dos bispos, como o Estado havia revelado em fevereiro, e afirmou que o encontro do papa “tem muita influência política”. Ele esquivou-se de comentar as atividades dos bispos, com o argumento de que não quer "arrumar confusão com os católicos". Bolsonaro tem um histórico de declarações contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em campanha eleitoral de 2018, apoiado por lideranças evangélicas, o presidente afirmou que a CNBB é "a parte podre da Igreja Católica" .

O cardeal lembra que, mesmo depois de contatos iniciais que aparentavam aceitação por parte do governo, "houve novas incursões sobre a questão da soberania nacional". O governo acha que trechos dos documentos elaborados para o Sínodo e falas de líderes católicos dão margem ao questionamento da soberania brasileira na floresta e têm viés de esquerda. O clero nega. A Igreja diz que considera a "soberania brasileira sagrada", mas deseja chamar o mundo a ajudar a preservação Amazônia e denuncia desrespeitos a povos originários e à devastação ambiental, colocando-se em defesa da demarcação de reservas e contra o avanço da mineração e do extrativismo, o que se choca com políticas do governo Bolsonaro.

D. Cláudio Hummes pondera, no entanto, que o Palácio do Planalto não teria condições de interferir na realização do Sínodo em si: "Não há como fazer, é um assunto da Igreja para a Igreja".

Tentativas de entendimento

A percepção de desconfiança permanece apesar de tentativas de entendimento empreendidos entre as partes desde o início do ano, por meio dos militares, no País, e da diplomacia, na Santa Sé. A Igreja diz que sempre esteve aberta ao diálogo, solicitado pelo governo Bolsonaro, embora não abra espaço para participação de representantes do presidente no Sínodo. A diplomacia ainda busca espaços de interlocução. Já houve pelo menos dois momentos de contato.

Em março, o d. Cláudio Hummes encontrou-se com integrantes das Forças Armadas, em Manaus (AM). Havia enviados do Comando do Exército e do Gabinete de Segurança Institucional. Eles conversaram por ocasião de um seminário a respeito do sínodo, para o qual o general de Exército César Augusto Nardi de Souza, comandante do Comando Militar da Amazônia, foi convidado a falar em nome dos militares.

Nardi afirmou que as Forças Armadas têm "profunda identificação" com os povos amazônicos e "compreendem muito bem os problemas da região" por causa da capilaridade e do apoio prestado a comunidades isoladas - são 12 mil militares espalhados na faixa de fronteira da Amazônia Legal. O comandante destacou que a Encíclica do Meio Ambiente, Laudado Si, registra "a preocupação de não atentar contra as soberanias nacionais" e falou da importância de os Estados trabalharem em conjunto com a sociedade".

Outro com voz foi o arcebispo ordinário militar do Brasil, d. Fernando José Monteiro Guimarães. "O Exército Brasileiro não é um inimigo", disse d. Fernando. O religioso aproveitou para defender o monitoramento realizado pela Abin. Segundo ele, a inteligência do governo não queria controlar a Igreja, mas tinha o dever de se manifestar por causa da dimensão política do Sínodo. "A Amazônia é uma realidade de Estado, que engloba política pública, segurança nacional, unidade de território, que é um assunto de Estado. A preocupação ou o interesse por esses temas tocava também ao Exército e ao governo brasileiro, porque são assuntos que, de uma maneira ou de outra, terão repercussão não só nacional, internacional. Nós queremos participar."

Em junho, a Santa Sé reuniu os núncios apostólicos que a representam nos nove países amazônicos com embaixadores dessas nações acreditados no Vaticano. O encarregado de negócios da embaixada brasileira, Marcelo Ramalho, afirmou que o governo Bolsonaro “respeita” o encontro como parte da “liberdade religiosa” e entende que o evento “não é político”. Apesar disso, Ramalho disse que o País sempre tem interesse em participar de discussões sobre a Amazônia por ter extensa fatia da floresta - um assento no Sínodo foi rechaçado pela Igreja Católica. O diplomata falou ainda sobre a “importância para o governo brasileiro do reconhecimento de princípios como a soberania na Amazônia”.

O novo embaixador do Brasil junto à Santa Sé, Henrique da Silveira Sardinha Pinto, assumiu o posto em agosto. Experiente em Estados religiosos, Sardinha apontou problemas nos cadernos preparatórios do Sínodo, elaborados pelos religiosos. Segundo ele, os primeiros documentos continham “ideias e conceitos” que causaram preocupação. O Itamaraty, no entanto, espera que o documento final do Sínodo, por tradição do Vaticano, não cite nominalmente governos e políticas públicas.

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