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Universidades da Europa, Canadá e EUA usam Enem na seleção de alunos

Prova brasileira já começa a substituir prova desses países em algumas instituições, incluindo Toronto, Temple e a prestigiada NYU.

Primeiro, a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abriu portas de universidades em todo o Brasil. Nos últimos cinco anos, virou passaporte para instituições portuguesas – hoje são 47 que adotam a prova como critério de ingresso. Agora, o exame cruzou ainda mais fronteiras: universidades dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Irlanda e Escócia têm usado a nota do teste como parte do processo seletivo ou atalho para cursos e até bolsas.

Além de sinal de prestígio do Enem, isso faz parte de um movimento crescente de instituições fora do País, que apostam em formatos flexíveis de ingresso para atrair alunos de vários países e propiciar mais diversidade nos câmpus. Segundo especialistas, a chance de usar a nota da prova do país de origem permite avaliar o aluno em seu próprio contexto acadêmico e amplia o leque de opções.


Para o estudante brasileiro, a experiência em uma boa escola estrangeira envolve qualidade de ensino, contato com docentes e colegas de várias partes do mundo e oportunidades de carreira. Para o Brasil, o trânsito de mais alunos – daqui para fora e vice-versa – cria um ambiente universitário internacional e ajuda a fortalecer conexões, dentro e fora da academia.

Como cada país tem sistema de ensino próprio, e cada instituição é autônoma para definir regras, não há modelo único sobre como usar o Enem. Para quem deseja concorrer a uma vaga nos Estados Unidos ou no Canadá, prestar os exames padronizados – como ACT e SAT, espécie de ‘Enems’ americanos – costuma ser o padrão.

Em alguns casos, contudo, o Enem já substitui essas provas. É assim nas universidades de Toronto e nas americanas de Northeastern, a Temple e até a de Nova York (NYU) – 29.ª melhor instituição de ensino superior do mundo no ranking da revista Times Higher Education.

Mas, diferentemente do Brasil, no exterior é comum que o processo seletivo envolva ainda entrevistas, análise de histórico escolar e cartas de apresentação. Em geral, os comitês de seleção aceitam o Enem como complemento ao portfólio que o candidato deve enviar.

Marina Schor, de 22 anos, conta que seu foco estava no exterior desde o início do ensino médio, mas precisou apresentar boa nota no Enem para ser aceita em Biologia Animal Aplicada na Universidade da Columbia Britânica, Canadá. “Passei três anos me preparando para sair do país, fiz atividades extracurriculares, artísticas, trabalho voluntário, prestei o SAT – e não estudei com foco no Enem.” A surpresa foi que a universidade pediu que apresentasse a nota do exame brasileiro.

“Como me candidatei em várias (faculdades), talvez não tenha prestado atenção direito nas exigências, mas fizeram questão de ver minha nota no Enem, mesmo com o SAT”, diz a jovem. “Ainda bem que meu colégio me preparou bem e eu tinha um bom resultado.”

Muitos sotaques

“Estudantes internacionais trazem diversidade de opiniões e perspectivas à universidade, o que beneficia a todos. Ao trazer estrangeiros para nosso campus, de certo modo o mundo vem para cá”, diz Jacqueline McCaffertty, diretora do Centro para Língua e Cultura Americana da Universidade Temple, na Pensilvânia.

A exigência de nota varia. Na Temple, que passou a aceitar o Enem para o ano letivo que começa em setembro de 2020, o ideal é que o candidato tenha desempenho acima de 600 pontos (a escala vai de zero a mil). “(Usar a prova do país de origem) permite que o aluno inicie o processo de admissão com o melhor de si”, diz Jacqueline, que relata ter boa experiência com estudantes do Brasil.

Após uma sequência de quedas, motivada pela crise econômica e pelo fim do Ciência sem Fronteiras, programa federal de bolsas de intercâmbio, o número de brasileiros nos Estados Unidos voltou a crescer. No ano letivo 2018-2019, havia lá 16.059 matrículas brasileiras, segundo o relatório Open Doors, da rede Education USA, afiliada ao Departamento de Estado americano. O número foi 9,8% mais alto que no ano anterior.

Para Leonardo Trench, da consultoria Gradeup, está em curso um movimento de diversificação na forma de escolher os melhores candidatos. “As universidades olham para outras habilidades e competências.”

Instituições do Reino Unido também passaram a considerar o Enem. Nas universidades Kingston, Glasgow, Birkbeck e Bristol, boas notas no exame abrem as portas para participar dos Foundations Programmes. São projetos de estudo de um ano específico para alunos internacionais, espécie de pré-graduação para quem não cumpriu todos os requisitos do currículo britânico de ensino médio. Nessa fase, o aluno aperfeiçoa o inglês, tem aulas de Redação, metodologia de pesquisa e estudo dirigido.

Na Kingston, em Londres, é cobrado aproveitamento de, no mínimo, 55% no Enem. Já outras instituições, como a Cork College, na Irlanda, aceitam o Enem como critério para ingresso dos que já tenham feito ao menos um ano de graduação reconhecida no país de origem. É possível entrar direto com a nota do Enem, segundo consultores, mas isso só costuma ocorrer se houver notas muito altas.

Mas, com ou sem Enem, o inglês é o principal desafio. “Ainda é a grande barreira para brasileiros. Por isso, quem quer estudar fora precisa se planejar com bastante antecedência”, explica Juliana Kagami, coordenadora do Prep Estudar Fora, projeto que ajuda gratuitamente alunos que tentam vaga no exterior.

Portugal atrai 13 mil brasileiros

A consistência no formato e na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que teve 5,5 milhões de inscritos este ano, ajuda no reconhecimento do teste no exterior. A prova é o principal meio de acesso ao ensino superior público e privado do País. Contribui ainda o êxito do acordo do Ministério da Educação (MEC) com 47 instituições portuguesas, incluindo a tradicional Universidade de Coimbra, para usar a prova como critério de ingresso.

Diferentemente de Portugal, universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido não têm convênio formal com o MEC. O Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do MEC, disse ao Estado que há negociações com escolas da Espanha, mas não deu detalhes.

“Há entendimento das universidades estrangeiras do nosso sistema de ensino e avaliação. Tudo se iniciou por Portugal, pelo laço histórico. Com o tempo, outros passam a prestar atenção”, diz Leonardo Trench, da consultoria Gradeup. Com a admissão facilitada, o total de universitários brasileiros em Portugal explode. Em 2012 havia 3,2 mil e, no 1.º semestre deste ano, mais de 13 mil. Cursos mais em conta para a classe média, a experiência internacional e o pessimismo com o cenário político-econômico do Brasil pesam na escolha.

Para Matheus Tomoto, da Universidade do Intercâmbio, especializada em ajudar brasileiros a estudar fora, há mitos sobre o preço dessa opção. “Quanto custa a faculdade particular de Medicina no Brasil? Em muitos casos, a Europa é mais barata. O aluno deve pesquisar custos do estudo, hospedagem, alimentação.”

'Me ajudou a conseguir a vaga e a bolsa'

Rafael Carlos Alves Lima, de 22 anos, aluno de Economia na Faculdade de Dartmouth (EUA)

"Minha ideia era estudar Economia, mas pensava em fazer faculdade em São Paulo mesmo. Após uma experiência internacional no ensino médio, aos 16 anos decidi que tentaria fazer faculdade fora. Nesse período aprendi como funcionava o sistema de ensino americano, conheci professores e lugares incríveis e ainda fiquei sabendo que várias instituições oferecem bolsas. Como venho de família bem humilde, precisaria de uma.

Eu me candidatei em 10 instituições americanas; fui chamado em 9. Escolhi a Dartmouth (universidade no Estado de New Hampshire), que faz parte da Ivy League (grupo de oito instituições de ensino superior de elite dos EUA), onde comecei a estudar em setembro de 2016. Para passar pelos processos seletivos, tirei um ano sabático depois do ensino médio, para me dedicar só a eles.

Em nenhuma das instituições o Enem era obrigatório, ou eliminava a necessidade de outra prova. Mas o comitê de seleção da Dartmouth me perguntou se eu tinha feito outro teste padronizado além do SAT (o “Enem americano”) e depois pediu para ver como fui. Como tive bom desempenho, enviei meus resultados.

Minha nota na redação foi 980 (em mil), e mostrei o gráfico do Inep (órgão que faz o Enem), que me colocava entre os 0,3% melhores do País. Foi algo que impressionou bastante e me ajudou a ter a vaga e a bolsa. Por isso, sempre aconselho quem foi bem no Enem a enviar a nota, ainda que não seja pedido ou obrigatório.

E a ideia de estudar fora traz uma aura de glamour, encanta. Mas no dia a dia tem muito estresse, os alunos são competitivos. Não à toa o renome que as instituições têm: são de fato exigentes."

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