Quando desembarcou no Brasil, no início do ano, Hulk vivia uma situação curiosa: respeitado no exterior, onde foi multicampeão, chegava ao Atlético Mineiro para tentar provar seu valor no país natal, onde era mais lembrado pela fatídica Copa do Mundo de 2014. Conseguiu.
Craque da conquista alvinegra no Brasileirão, após 50 anos de jejum, e do próprio campeonato - foi eleito o melhor jogador da competição pela CBF -, o atacante do Galo, aos 35 anos, foi muito além das Alterosas, conquistando a todos com seu talento e postura. É aclamado até mesmo por torcidas rivais.
Essa reafirmação pode ser notada nessa entrevista exclusiva ao Estadão. Durante a conversa, ele fala, também, da trajetória vitoriosa, da decisão da Copa do Brasil contra o Athletico-PR, do momento em que foi conquistado pela torcida do Galo, de como deixou para trás as polêmicas com Cuca e do sonho de, quem sabe, voltar à seleção brasileira.
Você ganhou notoriedade no exterior, tornou-se ídolo em clubes de expressão, mas aqui tinha uma imagem não tão favorável por causa da Copa de 2014. Quando surgiu a chance de retorno ao Brasil, pensou que teria dificuldade para quebrar aquela associação do torcedor?
Saí muito novo e fui construindo a carreira fora, com mais destaque nos quatro anos no Porto, que foram maravilhosos. Saí muito valorizado, com a torcida pedindo para eu não sair. Foi uma transferência boa para os dois lados, sendo uma das maiores até hoje em Portugal. E é diferente daqui, até porque saí muito novo, praticamente não joguei aqui e teve a questão de 2014, que entendo que foi pesada. Desde o início, sabia que ia ter aquela desconfiança, até pela minha idade. Mas sempre fui um cara bastante empenhado. Precisava apenas de ganhar condição física e me adaptar ao futebol brasileiro para mostrar meu valor. Trabalhei muito e, graças a Deus, consegui conquistar esse respeito de todos.
Seu início não foi dos melhores, certo? Teve a polêmica com o Cuca, que queria te escalar centralizado. Como foi esse momento?
Posso até falar publicamente, pois já conversamos e deixamos isso para trás. O Cuca não conhecia todas as minhas características. Depois, a gente foi se conhecendo e um entendendo o outro. Nossas conversas fluíram e o resultado começou a vir no campo. Eu até falo que a função não era novidade para mim, pois joguei na China e até no Zenit, mas precisava entender melhor a proposta. Tanto que este ano joguei centralizado, de segundo atacante e até mesmo aberto.
Você chega em uma torcida carente de títulos, que vivia um jejum no principal torneio do País. Como isso chegava no vestiário? Era uma motivação?
Dia a dia tínhamos conhecimento do quanto eles (torcedores) foram prejudicados, do quanto sofreram. Isso chegou na gente. Queríamos ganhar por eles. Mereciam demais. No jogo contra o Bragantino (no último domingo), foi de arrepiar as fotos dos torcedores levando imagens dos parentes e amigos que não puderam dividir aquele momento com eles. Mexeu muito conosco.
Em qual momento a torcida do Galo te conquistou?
Eu sempre acompanhei a torcida através das redes. Sabia do amor deles pelo time e pelos ídolos. Vi isso trabalhando com o Réver e o Victor. Sempre tinha esse carinho, mas faltava o contato. E naquele jogo contra o River (pelas oitavas da Libertadores) eu senti pela primeira vez. Era uma sintonia incrível. Me emocionei com aquele calor, vi que era de verdade. Uma coisa é você ver; outra, sentir. E também quando liberou 100% do público, a sensação foi única.
Você criou uma identidade com a torcida que pouco se vê. Já é tratado como um dos grandes ídolos da história do time. Como isso mexe com sua cabeça?
Comemorar com a torcida é o mínimo. Você recebe todo o apoio durante o jogo. Na hora do momento máximo, que é o gol, o mínimo que posso fazer é direcionar a eles sua alegria. Em relação a entrar para a história, o que busco é com meus companheiros ficar marcado pelos títulos. E todos ali foram fundamentais. Todos viviam a mesma dor da torcida e estavam na expectativa pelo Brasileiro. Agora, queremos terminar o ano com a Copa do Brasil e ganhar a Tríplice Coroa.
Hoje, você é aclamado por todas as torcidas, que te veem como uma figura empática, independentemente do time. Como é esse carinho de torcidas que não são do Galo?
Quem me conhece, sabe como sou. Se estou por baixo ou por cima, não vou mudar meu tratamento com ninguém: trato todos, sem exceção, com muito respeito. Quero respeitar todas as torcidas. Esses dias mesmo falei do Cruzeiro, que desejo que cresça novamente. É nosso maior rival, quero ganhar dele sempre, mas não vou postar gracinha, não vou provocar. Não preciso disso. Não quero polêmica. Dou meu melhor pelo Atlético e sempre será assim. Faltar respeito com jogador, adversário ou árbitro, isso você não verá de mim.
Qual foi o momento em que tiveram a certeza do título? Quando viu que ninguém tirava mais?
Certeza a gente só tem quando bate a pontuação, mas te falo que, mesmo com derrota, vi que dava para ser campeão já contra o Fortaleza, na primeira rodada. A gente sabia que tinha um time muito bom, que precisava apenas acertar. Se você tirar aquele jogo, a gente sempre foi muito competitivo. Mas teve um momento delicado, na semana em que fomos eliminados da Libertadores, em casa pelo Palmeiras e encaramos um forte Inter já no sábado.
Aquele foi o momento mais delicado?
Claro que impactou. Estávamos em uma semifinal de Libertadores contra o Palmeiras, invictos. E quando saímos, ficamos frustrados. Sabíamos que tínhamos tudo para passar. Mesmo enfrentando um time forte, que era o atual campeão, a gente dominou os dois jogos, sendo superiores. Porém, o Palmeiras é muito forte também e inteligente, sabendo explorar a oportunidade. Foi por detalhes. Aí você chega no vestiário e claro que dói um pouco, mas ali já combinamos que tínhamos de nos manter focados já para pegar o Inter. Era sentir um dia e reerguer. Contra o Inter, eles dominaram o primeiro tempo. Tivemos sorte de não ter saído atrás no marcador. Fomos para o vestiário e colocamos a casa em ordem. Tanto que, no segundo tempo, não demos chances para eles. Saímos muito fortes daquele jogo.
Esse equilíbrio mental foi o diferencial do time?
Sem dúvida. Se você mantiver os pés no chão, a humildade, não deixar o ego falar mais alto e trabalhar duro, vai dar resultado. A equipe manteve isso. Te falo que nossos jogadores são muito profissionais.
A seleção ainda mexe com sua cabeça?
Todos os jogadores que atuam em alto nível sonham em estar defendendo a seleção. Porém, sempre friso que tenho que continuar bem no Atlético. Vamos fazer de tudo para ganhar essa Copa do Brasil e, depois, repor as energias. Quero voltar igual ou melhor ano que vem. Não pela seleção, pelo Galo. Mas, se tiver a oportunidade, claro que quero mostrar meu valor ao Tite.
Falando da Copa do Brasil, qual é sua projeção para o jogo? Vai ter mais dificuldades pelo gramado sintético da Arena da Baixada?
Sabemos que o Athletico é um grande adversário. Merece total atenção. É o atual campeão da Sul-Americana e vem mostrando que é muito forte em mata-mata, com jogadores experientes. Digo que temos que fazer um grande jogo no domingo, em casa, se Deus quiser saindo com um resultado positivo, já que lá eles são muito fortes. Ainda mais com uma grama artificial, que muda totalmente o estilo de jogo. O campo é mais duro e desgasta mais. Não vai ser fácil, mas estamos preparados.
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