Spartak Kiurdjiev, 16, estava contando vantagem para amigos em frente a uma escola, na quarta-feira 20 de abril, dizendo que não se esconde mais durante bombardeios, quando uma rajada intensa de foguetes caiu perto dele, que correu para dentro da escola. “Vamos!”, ele gritou para seus dois amigos, e os três correram para se proteger.
Os moradores de Avdiivka, na região do Donbas, no leste da Ucrânia, estão há anos vivendo à sombra da luta contra separatistas apoiados pela Rússia. Mas o perigo que enfrentam agora, com as forças russas se concentrando nos arredores da cidade numa fase nova e potencialmente mais letal da guerra, pode ser muito mais devastador.
Avdiivka já deixou de ser simplesmente uma cidade na linha de frente do conflito com os separatistas, absorvendo periódicas saraivadas de disparos numa guerra que fervilha há oito anos. Agora a cidade é um empecilho significativo às metas militares de Moscou, situada, como está, bem no meio do caminho das forças russas que querem avançar para conquistar o controle do leste do país.
O contingente de combatentes ucranianos endurecidos da cidade está escondido num extenso sistema de trincheiras ao estilo da 1.ª Guerra, e será difícil desalojá-lo sem uso de fogo maciço.
A capacidade de Avdiivka e de outras cidades como ela no Donbas repelirem as forças russas vai determinar se Moscou vai poder conquistar uma vitória mais limitada, depois de ser redondamente derrotada no norte da Ucrânia. Mas o Kremlin está determinado a arrancar o território oriental do controle ucraniano, e os habitantes de Avdiikva e de toda a extensão da linha de contato com o território separatista já começaram a sentir o gosto do que os militares russos têm reservado para eles.
Os bombardeios de artilharia se intensificaram recentemente em Avdiivka, sendo reforçados esta semana por ataques aéreos que destruíram um supermercado e loja de artigos esportivos bem no centro da cidade, segundo autoridades locais. Dezenas de pessoas ficaram feridas, e alguns civis morrem todas as semanas.
Já se veem sinais de que o confronto com as forças russas está tendo um custo mais alto. O único cirurgião do hospital local, Mikhail Orlov, contou que os ferimentos que vem tendo que tratar nas últimas semanas são mais graves do que qualquer coisa que ele tem visto desde que o conflito separatista começou, em 2014. Orlov mostrou um fragmento metálico de 30 cm de um foguete que disse ter tirado das costas de uma mulher no mês passado. Ela sobreviveu.
“Os ferimentos são muito mais profundos, com traumatismos que envolvem grandes pedaços de massa muscular arrancados”, contou o médico.
A vida na cidade está miserável. Não há aquecimento nem água corrente, e a eletricidade é irregular, na melhor das hipóteses. Até 2.000 pessoas foram viver nos 60 abrigos antibomba da cidade, e muitas mais já fugiram, contou Vitali Barabach, diretor da administração militar de Avdiivka. Mas, segundo ele, as forças russas ainda não abriram caminho na posição defensiva ucraniana.
“As forças russas não estão conseguindo passar pelas linhas de frente, então estão começando a simplesmente destruir a cidade”, disse.
Ele comparou o bombardeio de Avdiivka aos dias iniciais do ataque a Mariupol, a cidade portuária ucraniana que as forças russas converteram em ruínas queimadas.
Leste ucraniano
A história é semelhante em todo o leste do país. Esta semana o chanceler russo anunciou que as forças de artilharia e foguetes de seu país atingiram centenas de alvos militares, na investida inicial desta fase da guerra do presidente Vladimir Putin contra a Ucrânia, que está prestes a ingressar no terceiro mês. Desde Kharkiv, no norte do país, até Mariupol, no sul, as forças russas estão posicionadas ao longo de um front que se estende por quase 500 km, preparando-se para tentar tomar um território, o Donbas, cuja superfície é mais ou menos igual à do Estado americano de New Hampshire.
Na quarta, Avdiivka era uma cidade florida, com tulipas, macieiras e cerejeiras cor-de-rosa em flor em quase todos os quintais, embora restem poucas pessoas para apreciá-las. Dos 30 mil habitantes que a cidade tinha antes da guerra, hoje há apenas 6.000, disseram autoridades, e o estrondo periódico de artilharia e foguetes ao longo do dia manteve a maioria das pessoas escondidas em abrigos subterrâneos.
O hospital central da cidade foi reformado recentemente, mas estava sem eletricidade e com água potável disponível apenas numa cisterna azul grande no saguão. O hospital está funcionando com uma equipe reduzida de 40 profissionais. O diretor médico e o cirurgião, Orlov, estão vivendo no próprio hospital há mais de um mês.
“Se eu for para casa, talvez não consiga retornar”, explicou Orlov. “Posso ser baleado no caminho.”
Seu colega, o diretor médico Vitali Sitnik, disse que haveria muito mais feridos se os moradores não tivessem adotado o hábito de passar boa parte do tempo nos abrigos subterrâneos.
Valentina Mutieva, 72, passou boa parte do último mês num porão úmido iluminado por uma única vela, acompanhada por dez outras pessoas, incluindo sua filha e dois netos. Os jovens frequentemente voltam para a superfície, onde boa parte da comida é preparada num fogão a lenha no pátio. Mas Mutieva disse que passa a maior parte do tempo no subsolo.
“É só você subir por cinco minutos que eles começam a jogar bombas”, explicou. “À noite, ficam jogando bombas.”
Ela disse que sente falta do conforto de sua casa, mas o que a preocupa realmente é o efeito que a guerra está tendo sobre as crianças da cidade. Apontou para um de seus netos, Sacha, um garoto loiro e esbelto de 15 anos, dizendo que ele está profundamente marcado pelos combates que vêm sendo travados por boa parte de sua vida.
“Por causa desta guerra ele começou a andar por aí à noite e falar sozinho”, disse Mutieva entre lágrimas. “Crianças dos subterrâneos. É tão brutal.”
Em outra parte da cidade, uma explosão de foguete que sacudiu as paredes de um subsolo que abriga cerca de 30 pessoas não chegou a assustar uma menina de 6 anos chamada Varvara que estava sentada a uma mesinha, desenhando.
Quando terminou, mostrou a um repórter seu desenho de um extraterrestre verde com um olho preto oco que, segundo ela, destina-se a enxergar o futuro. Varvara anunciou alegremente que o alienígena lhe disse que o repórter viveria para sempre. “E a guerra, quando vai terminar?”, perguntaram à menina. “Isso ele não consegue ver”, disse.
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