Alvo de críticas em torno do aumento do preço dos combustíveis, a Petrobras tem registrado um índice efetivo de pagamento de tributos sobre o lucro bem menor do que seria esperado pelas alíquotas tributárias vigentes no Brasil.
De 2008 a 2021, segundo números do seu balanço, a estatal lucrou R$ 403 bilhões e recolheu efetivamente aos cofres da Receita Federal cerca de R$ 62,7 bilhões de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Lucro Líquido (CSLL).
O valor é equivalente a 15,6% do lucro obtido no período, índice mais de duas vezes menor do que a alíquota conjunta dos dois impostos cobrada pela Receita Federal, de 34%.
Mesmo quando se inclui na conta os pagamentos de imposto incidente nos juros sobre capital próprio, que corresponde a um tipo especial de dividendo distribuído aos acionistas, o volume total não passa de R$ 74 bilhões ou 18,4% do lucro com as deduções permitidas na legislação.
Os cálculos foram feitos pela economista Júlia Braga da Universidade Federal Fluminense (UFF). A pesquisadora defende uma tributação maior da CSLL e diz que é muito bem-vinda a cobrança do Imposto de Exportação (IE) sobre as vendas de petróleo para o mercado externo.
Receita extra
A baixa tributação da Petrobras, num momento em que o seus lucros tiveram forte aumento com alta do preço do petróleo, ganhou os holofotes depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acenou com uma medida para dobrar a tributação da Petrobras em resposta ao anúncio pela companhia do reajuste do preço do diesel e da gasolina. Além da alta da CSLL, um projeto para taxar as exportações está entre as propostas em discussão pelos líderes para bancar um subsídio ao diesel, como antecipou o Estadão.
“É uma baixa tributação inclusive na comparação internacional com países que são grandes exportadores”, diz Julia Braga. Segundo ela, o Brasil é um dos países em que o setor de petróleo menos contribui para arrecadação total dada o seu tamanho e a carga tributária que os outros setores pagam.
A pedido do Estadão, a pesquisadora da UFF calculou que dobrar a CSLL, dos atuais 9% para 18%, garantiria uma receita extra ao governo de R$ 13 bilhões.
A taxação com o IE com uma alíquota de 9% levaria a uma arrecadação adicional de R$ 20 bilhões. Já uma alíquota de 20% renderia R$ 44 bilhões de receita. Os cálculos foram feitos com o preço médio do barril do petróleo em 2022 de US$ 110.
“Vejo mais vantagens no IE porque, com a série de deduções permitidas, a alíquota efetiva da CSLL cairia pela metade”, afirma. Na sua avaliação, o IE é menos suscetível a planejamento tributário e também pode cumprir o papel de estimular as empresas a investirem no refino doméstico do petróleo.
Carga tributária menor
O fato de a carga tributária efetiva ser inferior àquela teoricamente aplicável sobre o lucro não é novidade no Brasil. Estimativas do ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Rodrigo Orair, indicam que em média a alíquota efetiva das grandes empresas brasileiras, que pagam imposto com base no lucro real, se situa em torno de 27%.
Mas o caso da Petrobras passou a chamar a atenção dos especialistas há mais de uma década, depois das novas descobertas do pré-sal, quando verificaram que a diferença entre o valor contábil de imposto declarado em balanço e o valor efetivo recolhido aos cofres federais aumentou significativamente.
Na ocasião, a suspeita dos auditores da Receita Federal recaiu sobre o modo como a empresa estava deduzindo os investimentos nas novas plataformas de petróleo.
Enquanto no balanço contábil esses investimentos eram deduzidos do lucro apenas na proporção de seu desgaste (ou depreciação, na linguagem econômico-contábil), na apuração do lucro para fins de recolhimento efetivo de imposto a despesa era deduzida de uma só vez.
O curioso é que essa forma de deduzir o investimento estava previsto em um decreto-lei de 1966 e beneficiava apenas a Petrobras, já que havia sido concebido quando a estatal detinha o monopólio da exploração de petróleo.
A Receita tentou barrar a dedução, mas perdeu no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em 2017, levando o governo Temer a revogar o decreto-lei e, em seu lugar, criar um mecanismo igualmente vantajoso de dedução acelerada para todas as empresas do setor.
Mesmo depois disso, porém, a distância entre imposto contabilizado e imposto pago permaneceu grande. Em 2021, por exemplo, quando o lucro da Petrobras antes da apuração do imposto chegou a R$ 151 bilhões, o IRPJ/CSLL corrente (posterior a diferimentos) contabilizado em balanço foi de R$ 22,7 bilhões e o pago, apenas R$ 11,6 bilhões.
De acordo com a assessoria da Petrobras, as diferenças entre o imposto contábil e os valores pagos se devem a diversos fatores, entre eles, as compensações de prejuízos anteriores e a dedução de incentivos fiscais, como lucro da Exploração, Inovação Tecnológica, Programa de Alimentação do Trabalhador e incentivos à cultura e ao desporto.
Há também o chamado diferimento, que é a transferência do pagamento para anos seguintes que impactarão o cálculo desses tributos no futuro, quando essas receitas e despesas forem realizadas para fins fiscais, segundo a empresa.
Em resposta à reportagem, a Petrobras diz que, pelo quinto ano consecutivo, está entre as dez empresas com as demonstrações financeiras mais transparentes do Brasil.
Gordura
Para os especialistas, independentemente da legalidade dos procedimentos adotados pela empresa, é grande e permanente essa lacuna entre o que o IRPJ deveria gerar de receita e o que as empresas efetivamente pagam.
“Com o petróleo acima de US$ 100 a rentabilidade líquida média dos investimentos do setor petrolífero supera 30% ao ano. Existe uma enorme gordura para ser tributada”, avalia o economista Sergio Gobetti.
Para o advogado Luiz Bichara, da Bichara Advogados, a saída para tributar mais empresas que têm lucros extraordinários deveria ser simples: alíquotas progressivas. “A própria Constituição, em seu artigo 145, prevê que sempre que possível os impostos serão progressivos. Basta, portanto, alíquotas progressivas conforme o lucro”, afirma Bichara.
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