O choque de alta nas cotações de commodities nos últimos meses, com a guerra na Ucrânia encontrando um cenário já pressionado por efeitos prolongados da crise causada pela covid-19, deve servir de impulso para o crescimento econômico do Brasil neste ano, por causa das exportações e seus efeitos financeiros, mas o vento poderá mudar em 2023, primeiro ano do próximo governo. Diversos economistas consideram em seus cenários de médio prazo uma perda de fôlego no próximo ano.
O “Commodity Markets Outlook”, relatório divulgado pelo Banco Mundial, projeta alívios nas cotações das matérias-primas, em 2023 e 2024, embora destaque que o choque de alta de preços causado pela guerra na Ucrânia é o maior desde as duas crises do petróleo nos anos 1970. Nas projeções do Banco Mundial, as “commodities energéticas” deverão experimentar uma queda média de cotações de 12,4% em 2023 e de 11,9% em 2024. Já as “commodities não energéticas” deverão ter um recuo médio de preços de 8,8% no próximo ano e de 3,2% em 2024.
Na mesma linha, relatório do Bradesco divulgado na semana passada desenha um quadro de preços de commodities pressionados no curto prazo, mas com um alívio esperado no médio prazo. Nas contas dos economistas Thiago Angelis e Myriã Bast, que assinam o relatório, os preços globais das matérias-primas medidos pelo índice CRB estão em média 35% acima dos valores indicados pelos fundamentos da economia global, como oferta e demanda.
Recentes revisões de cenário citaram a moderação nas cotações de commodities a partir de 2023. No mês passado, o Itaú revisou a projeção de crescimento econômico no Brasil em 2022 para 1,0%, ante a ligeira alta de 0,2% estimada anteriormente, mas baixou a estimativa de 2023 para apenas 0,2%, ante 0,5% anteriormente, “considerando os juros mais elevados e a expectativa de alguma queda de preços de commodities”.
A MB Associados fez movimento semelhante. Elevou a projeção de crescimento econômico deste ano de zero para 0,5%, mas cortou a estimativa de 2023 para também 0,5%, ante o 1,2% projetado anteriormente. A perda de força esperada nas cotações de commodities é um dos elementos que levou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a reduzir a projeção para o próximo ano.
“Tem dois elementos centrais, um doméstico e um externo, para justificar esse crescimento fraco no ano que vem, abaixo de 1%. O externo é um crescimento mais fraco, uma economia americana talvez em recessão. Isso por si só já jogaria preço de ‘commodity’ mais para baixo, especialmente petróleo e commodities metálicas”, afirmou Vale. “Aqui dentro, a gente tem um cenário de juros”, acresceu o economista, ao citar o segundo elemento central.
Mais otimista, o mais recente boletim de projeções macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado no fim de março, estima crescimento econômico de 1,1% em 2022, seguido de um avanço de 1,7% em 2023. O cenário considera a normalização dos preços de commodities após a resolução do conflito na Ucrânia, a manutenção da sustentabilidade da dívida pública nacional e a melhora da pandemia de covid-19, explicou Francisco Luna, diretor adjunto de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.
“O cenário de 2022, de curto prazo, considera que a guerra da Ucrânia tenha efeito (de alta) sobre preços de commodities. Em 2023, a gente considera como cenário de referência que a guerra vá acabar e vá voltar à normalidade. Nossa projeção considera commodities com preços normais”, explicou Luna.
Para o diretor do Ipea, o arrefecimento esperado nos preços das commodities deixa de alavancar segmentos produtores e exportadores, mas, por outro lado, permitiria que a inflação convirja para a meta perseguida pelo Banco Central (BC) em 2023, abrindo espaço, assim, para reduções na taxa básica de juros. O Ipea espera que a Selic permaneça em 12,75% até o fim de 2022, e, a partir de 2023, seja reduzida até fechar o ano em torno de 9%.
Seguindo esse raciocínio, Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), vê um saldo positivo, no médio prazo, com uma mudança no cenário para as cotações de commodities. No curto prazo, a correção para baixo nas cotações é desfavorável para a atividade econômica, mas, depois, pode favorecer o crescimento se vier acompanhada de alívio na política monetária.
“Quando consideramos que a reversão (na alta das cotações de matérias-primas) alivia a política monetária aqui dentro, olhando num horizonte mais distante, se a política monetária não for tão apertada ou começar a ser aliviada, isso tende a ajudar a atividade, embora não imediatamente”, afirmou.
O economista ressaltou que, no momento, o crescimento econômico do País já enfrenta restrições por causa da política monetária, pois o Banco Central começou a subir os juros por aqui antes dos demais países, e fez isso de forma rápida. Por isso, o efeito deflacionário do alívio nas cotações das commodities tende a ser mais importante do que sua retirada de impulso para a atividade econômica.
Além da perda de impulso por causa da acomodação nas cotações de commodities e dos reflexos na política monetária nacional, Vale, da MB Associados, destaca um terceiro elemento, o cenário político diante das eleições gerais de outubro. As adversidades passam tanto pelas incertezas sobre como será a eventual da transição, diante de ameaças de não reconhecimento de resultados das urnas, quanto pelo quadro do primeiro ano do próximo mandato, que determinará “que tipo de reformas eventualmente esse próximo presidente vai conseguir ou poder fazer”.
“A questão é que estamos mantendo um padrão de crescimento medíocre, que mal consegue repor o crescimento populacional. Essa é a grande questão. No governo Bolsonaro, se pegarmos os quatro anos, teremos queda de PIB per capita. Não vai conseguir cobrir nem o crescimento da população nesse período. Na verdade, está virando de fato uma ‘estagflação’”, disse Vale.
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