Um terço do ganho obtido pelas empresas do Simples e que declaram pelo lucro presumido – um regime simplificado muito usado por profissionais liberais, como médicos, advogados, economistas e contadores – não é tributado nem na pessoa jurídica nem na pessoa física pela Receita. O total não recolhido equivale a cerca de R$ 200 bilhões em valores atuais.
Os dados foram compilados por Rodrigo Orair, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e especialista no tema, para alertar sobre dispositivo que consta na proposta de reforma do Imposto de Renda – que está prevista para ser votada hoje pela Câmara – que pode aumentar a perda de arrecadação.
A reforma do IR encaminhada pelo governo ao Congresso, em junho, pretendia impor uma taxação de 20% sobre os dividendos pagos por essas empresas aos acionistas quando superassem R$ 240 mil anuais (ou R$ 20 mil por mês). No entanto, o relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), com apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, cedeu às pressões de várias entidades de profissionais liberais e isentou as companhias enquadradas no Simples e as empresas do lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 milhões de pagar o novo imposto.
Além disso, o parecer apresentado pelo relator também reduz a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) paga pelas empresas de lucro real e de lucro presumido. Ou seja, empresas do lucro presumido seriam duplamente beneficiadas.
A distribuição dos dividendos pagos pelas empresas aos seus acionistas como remuneração ao capital investido é isenta no Brasil há 25 anos. O retorno da cobrança é o tema mais polêmico do projeto e, para afastar as resistências políticas, o relator acabou ampliando a isenção prevista no projeto inicial enviado pelo governo.
“Estamos diante de um caso clássico de dupla não tributação dos lucros”, afirma Orair. O economista explica que o volume de lucros isentos corresponde à diferença entre o lucro efetivo das empresas e aquele considerado para base de cálculo dos impostos, geralmente um porcentual fixo sobre o faturamento. No caso do setor de serviços, por exemplo, presume-se (daí o nome lucro presumido) que 32% do faturamento é lucro, quando na realidade é muito comum que 50% a 80% do que a empresa arrecada se transforme em dividendos para sócios.
Outros países
Em economias mais desenvolvidas, segundo Orair, os profissionais liberais podem desfrutar de regimes simplificados, mas não estão isentos de pagar imposto sobre a renda que recebem das empresas. Alguns países, como a Noruega, oferecem uma isenção parcial, proporcional ao quinhão de capital de cada sócio na empresa. Para uma companhia que tem um valor de R$ 10 milhões, por exemplo, essa isenção pode chegar a R$ 400 mil anuais. Mas para empresas de profissionais liberais, cujo capital é simbólico, a isenção é insignificante.
“Não há nenhum sentido econômico isentar de imposto os lucros recebidos por sócios de pequenas empresas, ainda mais quando esses lucros não traduzem o retorno de investimentos em capital fixo, mas simplesmente uma renda por serviços realizados”, afirma Orair.
Segundo ele, as micro e pequenas empresas que se utilizam das vantagens dos regimes simplificados de impostos no Brasil acumulam um lucro de aproximadamente R$ 470 bilhões anuais, ou 40% do lucro das companhias brasileiras, mas respondem por apenas 24% da receita do IR. Se aprovado o substitutivo com redução do IRPJ e com a isenção de dividendos para os sócios dessas empresas, essa distorção será agravada, diz Orair. As simulações foram feitas com base em declarações de IRPJ de 2013, última vez em que a Receita abriu os dados do IRPJ.
Do lucro de R$ 360 bilhões que essas empresas obtiveram em 2013, R$ 120 bilhões não foram atingidos pela cobrança do IRPJ e da CSLL, enquanto entre as maiores companhias do lucro real essa taxa de evasão (ou seja, a parcela que não é tributada) é de apenas 2% – ou 16% considerando o Juros sobre Capital Próprio (JCP), que são despesas com a remuneração aos sócios abatidas do cálculo do imposto empresarial.
Sabino, porém, defendeu a isenção e as mudanças no projeto para, segundo ele, beneficiar 1,1 milhão de empresas, sendo 940,5 mil optantes do lucro presumido. ”Elas terão redução de 29,4% de tributos e seus sócios terão isenção de lucros e dividendos recebidos”, afirmou ele sobre as que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
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