A inflação atingiu patamares que não se viam desde 2015, e passou a marca dos 10% (mais exatamente 10,73%, pelo IPCA-15 de novembro). Para quem viveu a época da hiperinflação, nas décadas de 80 e 90, isso não pode nem parecer muito. Mas não é um número trivial. A inflação alta desorganiza toda a economia. Para combatê-la, é necessário subir os juros, o que prejudica a atividade econômica.
O descontrole inflacionário tem efeitos em todos os setores, mas atinge principalmente o bolso das pessoas. Isso porque há um descompasso entre a correção dos preços e da renda. No mês passado, por exemplo, 70% dos acordos salariais fechados tiveram reajustes abaixo da inflação, aponta o Boletim Salariômetro, da Fipe.
Economistas especializados em inflação ressaltam que a situação atual ainda está longe do descontrole e da perda de referência de preços que ocorreu no período de hiperinflação. “A inflação hoje está mais persistente do que galopante”, diz o coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), André Braz.
Para Marcelo Moreira, coordenador do IPC da Fipe, a perda de referência seria o primeiro sinal de hiperinflação, o que não é o caso atual. “Hoje o consumidor tem referência de preços”, diz. “O que ele não tem é renda para suportá-los.” Veja abaixo exemplos de como a inflação alta afeta o dia a dia das pessoas:
Investimentos perdem para a inflação:
Inflação em alta pode até significar maiores rendimentos nas aplicações financeiras, porque o remédio usado para conter os preços é o juro alto. No entanto, como se percebeu nos últimos meses, é difícil para quem tem dinheiro para aplicar conseguir ganhar da inflação. Os ganhos em renda fixa, em geral, repõem apenas parcialmente as perdas. E investimentos em renda variável, como ações, se tornam muito mais arriscados em uma economia desorganizada, característica dos períodos inflacionários.
Tarifas mais caras:
Cerca de metade da inflação dos últimos 12 meses ocorreu por conta da energia elétrica e dos combustíveis. Gastos com energia ou gás de cozinha podem até ser reduzidos, mas dificilmente são substituídos pelas famílias. A perspectiva é que o fim, previsto para maio, da bandeira “escassez hídrica”, dê pelo menos um alívio nessa despesa. A bandeira especial foi criada e adotada este ano, e acrescenta uma tarifa extra cobrada nas contas de luz.
Combustível nas alturas:
A alta do dólar e das cotações do petróleo no mercado internacional provocaram um choque nos combustíveis. O preço médio do litro gasolina subiu de R$ 4,409 para R$ 6,744, de novembro de 2020 a novembro deste ano, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em alguns postos do País, o valor chegou a quase R$ 8. Já o litro do óleo diesel subiu de R$ 3,515 para R$ 5,359 no mesmo período. É um aumento que afeta diretamente as famílias que dependem do carro próprio e desequilibra o orçamento. Além disso, as empresas são prejudicadas em razão do maior custo do transporte, que acaba repassado para o preço final dos produtos e serviços.
Reajustes das escolas:
Depois de muito tempo sem aumento por causa da pandemia ou com pequenas correções, as escolas preparam reajustes entre 7% e 10%, em média, para o ano que vem, segundo pesquisas do setor. Dirigentes de escolas dizem que há espaço para negociação, mas alegam pressões de custos e argumentam que fizeram investimentos pesados em tecnologia para se adaptar ao ensino a distância.
Preço salgado no supermercado:
Tidos como os grandes vilões da inflação em 2020, os alimentos da cesta básica continuam em alta. Entre janeiro e outubro, o custo da cesta subiu em todas as capitais, segundo o Dieese, com aumentos de até 20%. O impacto maior recai nas famílias de menor renda, que gastam quase a totalidade do orçamento com alimentos.
Renegociação de aluguéis:
Os aluguéis tinham tudo para uma explosão muito maior, porque o indexador usado nos contratos geralmente é o IGP-M, que acumula alta de quase 18% em 12 meses até novembro. No entanto, os reajustes ficaram em 6,17% em 12 meses até outubro, até abaixo do IPCA cheio, de 10,67% no período. Sinal de que há espaço para negociação entre inquilinos e proprietários.
Juros do financiamento imobiliário:
Com inflação sob controle e juros em trajetória de queda, a Caixa lançou, em 2019, um financiamento imobiliário atrelado ao IPCA. A linha trazia condições melhores que as de outros financiamentos tradicionais. Mas, com o IPCA na casa dos 10%, esse crédito se transformou numa grande armadilha para quem o contratou. O resultado é que as concessões de financiamentos nessa modalidade praticamente desapareceram.
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