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Economia e Negócios

Ociosidade na indústria atingiu nível recorde com a pandemia, diz FGV

Com a recuperação da produção desde maio, é esperada uma redução na ociosidade no terceiro trimestre, mas possivelmente o hiato apenas voltará aos níveis elevados do pré-pandemia.

A indústria brasileira fechou o segundo trimestre deste ano com uma ociosidade histórica. O Produto Interno Bruto (PIB) industrial encerrou o período 15,4% abaixo de sua capacidade produtiva, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast. O resultado representa o pior desempenho da série histórica do hiato do produto - diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial, ou seja, a distância entre o que foi de fato produzido e a capacidade total de produção - iniciada em 1998. A última vez em que a indústria brasileira usou toda a sua capacidade produtiva foi no último trimestre de 2013.

Com a recuperação da produção desde maio, é esperada uma redução na ociosidade do setor neste terceiro trimestre, mas possivelmente o hiato apenas voltará aos níveis elevados do pré-pandemia - entre 5% e 7% abaixo do potencial produtivo -, ainda longe de recuperar o que foi perdido na recessão anterior, que se estendeu de 2014 a 2016.


“Com certeza o terceiro trimestre vai trazer uma melhora, mas não vai voltar ao que era antes de 2014. Você tem uma capacidade para produzir, mas não está tendo demanda. Uma das razões para a inflação baixa é essa”, diz Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB da FGV e um dos autores do estudo do Ibre/FGV, ao lado das pesquisadoras Elisa Andrade e Juliana Trece.

Passado o pior momento da crise provocada pela pandemia, o empresário industrial até se mostra mesmo mais confiante do que estava antes que a covid-19 chegasse ao País. O Índice de Confiança da Indústria (ICI) apurado na prévia da sondagem de setembro teve um avanço de 7,2 pontos em relação ao resultado de agosto, para 105,9 pontos, informou nesta segunda-feira, 21, a FGV. Caso se confirme, o índice alcançará o maior patamar desde janeiro de 2013.

Houve melhora tanto nas avaliações sobre o presente quanto nas expectativas para os próximos meses. O Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) da indústria indicou um aumento de 2,7 pontos porcentuais em relação ao patamar de agosto, passando de 75,3% para 78,0% em setembro. Se confirmado, o Nuci será o mais elevado desde março de 2015.

Desemprego menor

Por ser mais formal que outros setores, a indústria não demitiu tantos trabalhadores quanto o restante da economia, o que pode ajudar nesse processo de retomada da produção pós-pandemia. No setor privado, foram perdidos 10,7 milhões de postos de trabalho no segundo trimestre em relação ao segundo trimestre do ano passado, enquanto a indústria de transformação fechou um milhão vagas.

Ou seja, enquanto a ocupação no conjunto dos setores econômicos do setor privado caiu 13,4% entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020, a indústria de transformação enxugou menos o quadro de funcionários, -11,1%, apontou um levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) também obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.

“O baque foi geral, foi ruim para todo mundo, mas a indústria amorteceu. A indústria nunca teve as portas fechadas como o comércio e alguns serviços. E o fato de a indústria ser um setor mais formalizado permite lançar mão de ferramentas como lay-off, antecipação de férias, e mesmo participação de programas de governo, como redução de jornada e financiamento para pagamento da folha salarial”, justificou Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi, que compilou no estudo microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Em meio à pandemia da covid-19, o número de ocupados no setor privado, assim como na indústria, desceu a pisos históricos, mas houve expansão na ocupação em quatro setores industriais no segundo trimestre: fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (30,7%), fabricação de produtos diversos (10,6%), fabricação de máquinas e equipamentos (1,8%) e fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (0,8%).

“Se tudo correr bem, é muito provável que em julho a indústria tenha fechado a lacuna da covid e voltado ao patamar de produção de fevereiro, no pré-pandemia. O problema é qual será o padrão de recuperação a partir daí. O choque e a incerteza continuam presentes. Fechar essa lacuna não quer dizer que a crise acabou, ela entra em nova etapa. Os efeitos negativos devem se acumular e perdurar por algum tempo. Como estamos somando problemas, para algumas empresas houve dois baques seguidos, você cria obstáculos para a manutenção de empregos, para a capacidade de realizar investimentos”, ponderou Cagnin.

Para Elisa Andrade, pesquisadora do Ibre/FGV, o cenário para a indústria brasileira como um todo não é animador, porque uma retomada com mais fôlego, a ponto de reduzir a ociosidade para patamares pré-recessão de 2014/2016, depende de uma redução no atualmente elevado nível de incertezas e recuperação de investimentos na economia.

“A indústria perdeu muito na recessão anterior. Mesmo antes da pandemia, ela teve três anos para se recuperar, mesmo assim não estava conseguindo voltar ao que era antes. Agora teve essa nova queda. Então não há muito a comemorar, mesmo que volte ao patamar de fevereiro deste ano”, avaliou Elisa. “A indústria é muito dependente de um cenário estável que atraia investimentos. É necessária mais estabilidade econômica, política e sanitária”, completou.

O industrial Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), afirma que, passado um primeiro momento de dificuldades no acesso a insumos e de adaptações ao distanciamento social na linha de produção, as indústrias de informática e eletroeletrônicos já voltaram a operar acima de 80% da capacidade instalada na Zona Franca de Manaus.

“Não houve demissões na indústria de Manaus por causa da pandemia. Os programas lançados pelo governo ajudaram as empresas a evitarem dispensas”, afirmou Périco.

Segundo o industrial, a preservação do quadro de funcionários facilitou a retomada do setor, já que o processo produtivo depende de mão de obra qualificada e treinada.

“O que nós fizemos, por conta da necessidade do distanciamento social, foi reduzir o contato entre os trabalhadores. Antes operávamos em um só turno. Por causa da pandemia, dividimos os funcionários em dois grupos e passamos a fazer dois turnos diários. Em termos de volume, já estamos operando no mesmo patamar de produção do pré-pandemia”, disse Périco, executivo da indústria de eletroeletrônicos Technicolor, em Manaus.

Dificuldade de recuperação

Por outro lado, 20 dos 24 ramos industriais analisados registraram demissões no segundo trimestre, o que pode afetar sua capacidade de recuperação pós-covid. A indústria do vestuário foi o ramo com maior perda no total de trabalhadores: -22,1% ante o segundo trimestre de 2019, respondendo por cerca de 30% da queda total da ocupação na indústria de transformação. Segundo o Iedi, o segmento foi prejudicado por ser intensivo em mão de obra, o que dificulta a adoção de medidas de distanciamento social na linha de produção.

Também chama atenção o enxugamento de funcionários nas atividades de minerais não metálicos (-21,3%), produtos de madeira (-19,8%) e fumo (-19,4%).

“Há risco de uma rodada para frente de novas demissões, que vem do risco de não haver crescimento econômico suficiente para fechar a lacuna da covid (nesses setores). As empresas sairão dessa crise endividadas. Será mais um ano sem crescimento da produtividade”, alertou Cagnin.

Para Cagnin, o desafio da indústria será recuperar, de forma sustentada, demanda suficiente para que volte a ocupar toda a sua potencialidade de geração de valor na economia. Para tanto, ele defende a manutenção do auxílio emergencial com os ajustes necessários, mas por tempo suficiente para assegurar a transição entre um momento de “choque mais adverso e um retorno do dinamismo da economia”, além do resgate pelo governo da agenda de reformas estruturais, especialmente a reforma tributária.

O hiato do PIB brasileiro como um todo foi ligeiramente menor do que o da indústria, fechando o segundo trimestre de 2020 aos 14,4%, também o pior desempenho da série, segundo a FGV. No mesmo período, o PIB dos serviços ficou 13,1% abaixo da sua capacidade produtiva, hiato também recorde.

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