O aumento dos preços no atacado no Brasil é o segundo maior do mundo, atrás apenas da alta de preços na Argentina, mostra um levantamento da economista-chefe da gestora de investimentos Armor Capital, Andrea Damico. A comparação foi feita com base nos índices de preços ao produtor (PPI, na sigla em inglês) de 82 países.
No caso brasileiro, foi considerado o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que está dentro do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getulio Vargas (FGV). No acumulado em 12 meses até setembro (que é o dado que consta no estudo), o aumento de preços chega a 26,03%. Mas a FGV (FGV) já publicou o resultado de outubro, o que levou o acumulado a 31,05%, não muito distante do resultado da Argentina no mesmo período (39,2%).
Os índices de preços no atacado captam basicamente o custo dos processos de produção - como os preços das matérias-primas e de produtos intermediários usados pelas indústrias, por exemplo. Esses custos têm subido por vários motivos, sendo um dos principais a desvalorização do real, que torna mais caros os insumos importados.
Por conta das condições atuais da economia brasileira, principalmente o desemprego em alta, tem sido difícil repassar a totalidade desse aumento de custos aos consumidores. Daí a diferença entre os indicadores: enquanto o IGP-DI acumula mais de 30% de aumento em 12 meses, o IPCA, índice oficial de inflação do País, está em 3,92% nesse mesmo período. A preocupação dos analistas é por quanto tempo será possível segurar esse repasse do atacado para o varejo, se as condições econômicas se mantiverem deterioradas por um período muito longo.
Em seu levantamento, com dados compilados pela plataforma CEIC, ligada ao grupo ISI Emerging Markets, Andrea só comparou os países que tinham dados para os meses de setembro ou outubro. Isso porque, a depender do local, esse indicador é informado com defasagem. Na União Europeia, por exemplo, o último número disponível é o de setembro. A Venezuela é, disparado, o país com maior alta de preços (258%) - mas o último dado disponível é de janeiro.
"Na comparação com os PPIs dos países do mundo, o Brasil perde para Venezuela e Argentina. O que a gente tem aqui é diferente do resto do mundo, mesmo dos emergentes. Depois do Brasil, tem a Turquia, com 18%, que subiu praticamente 5 pontos porcentuais de juros na semana passada. A maioria dos emergentes está oscilando entre zero e 5% de PPI. Não existe paralelo do nosso choque de preços do atacado no mundo emergente razoável, retirando Venezuela e Argentina."
Diante disso, a economista relata preocupação com a dinâmica inflacionária em 2021. Depois do anúncio do reajuste de planos de saúde referente a 2020 (8,14%) pela Agência Nacional de Saúde (ANS), houve revisão na projeção do IPCA do ano que vem, de 3,75% (centro da meta) para 4,0%. Ela espera que o IPCA em 12 meses atinge um pico de 5,75% em maio de 2021.
Choque do câmbio e do preço das commodities
Andrea Damico afirma que o Brasil vive hoje um choque duplo na inflação, de câmbio e de commodities, pois o aumento desses produtos no mercado internacional não se traduziu, como ocorre historicamente, em valorização do real, sobretudo por conta das preocupações fiscais no Brasil. O choque é quase triplo quando se considera também o aumento das exportações para a China neste ano.
Ainda há alta da demanda por causa do auxílio emergencial e, principalmente, na visão da economista, da poupança circunstancial de famílias de classe média, que deixaram de consumir serviços durante o período de isolamento social.
"Tenho muita preocupação com a inflação. O choque ainda não acabou. Se daqui em diante o IGP fosse zero, ainda assim o início de 2021 mostraria os preços de industriais pressionados. Mas o IGP segue elevado", diz, mencionando ainda que o preço do minério de ferro voltou a acelerar.
Ela aposta que o Banco Central deve começar a elevar a taxa Selic no segundo trimestre do ano que vem, levando os juros no fim do ano a 4,0%. A economista lembra que o BC pode usar o fiscal como álibi, já que muito dificilmente haverá algum avanço nas reformas estruturais no Congresso, mas que a questão da inflação também seria um argumento. Para ela, se a mediana do Boletim Focus - atualmente em 3,40% - chegar a 3,50% para 2021, já estaria próximo o suficiente do centro da meta para o BC retirar a prescrição futura.
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