Uma das medidas mais polêmicas da reforma da Previdência, a proposta de mudança nas regras do benefício assistencial para idosos de baixa renda deve ser alvo de negociações no Congresso Nacional, admitiu uma fonte do governo ao Estadão/Broadcast. A avaliação, porém, é de que é preciso preservar o conceito central da nova regra, que é conceder um benefício “fásico” (em fases), com valores crescentes quanto mais idoso for o beneficiário.
Na minuta da reforma revelada pelo Estadão/Broadcast, a ideia era antecipar a idade de recebimento do benefício dos atuais 65 anos para 55 anos, mas com um valor menor, de R$ 500. Aos 65 anos, o cidadão de baixa renda passaria a receber R$ 750. Já aos 70 anos, caso tivesse conseguido contribuir por ao menos 10 anos, o benefício subiria a R$ 900.
- Foto: Dida Sampaio/Estadão ConteúdoMinistro da Economia, Paulo Guedes
A divulgação da minuta despertou a resistência dos parlamentares, que fazem forte oposição à ideia de desvincular esse benefício do salário mínimo. As críticas fizeram o governo lançar mão de um arsenal de informações para tentar convencê-los de que esse modelo já é adotado no resto do mundo. Os dados coletados pela área econômica indicam que a média dos benefícios assistenciais pagos por outros países fica em torno de 45% do salário mínimo.
Segundo uma fonte, a intenção é que o modelo de benefício assistencial fásico fique no texto para depois ser negociado no Congresso. O importante é preservar o conceito, já que a medida pretende antecipar o auxílio financeiro para quem enfrenta uma situação “realmente mais dura”. A intenção da equipe é permitir que o beneficiário possa usar o dinheiro para contribuir à Previdência e, no futuro, conseguir a aposentadoria.
Transição
As regras de transição também devem ser foco de resistência no Congresso, pois mexem diretamente nos interesses de quem está hoje no mercado de trabalho e não precisa cumprir idade mínima – em geral, são trabalhadores com carteira assinada e que recebem benefícios maiores.
Uma vantagem, segundo técnicos ouvidos pela reportagem, é a decisão do governo de lançar mais de uma opção de transição para os trabalhadores, de modo que eles escolham a melhor alternativa. Isso deve ajudar a desconstruir barreiras durante a proposta, embora explicar o mecanismo de cada uma das regras seja um desafio complexo.
A proposta de transição por pontos, que adapta a regra 86/96, usada hoje no cálculo do valor do benefício, como regra de acesso à aposentadoria, é mais branda em termos de economia gerada, mas pode ser uma fórmula aliada porque já vinha sendo defendida pelas centrais sindicais. Os pontos são obtidos pela soma da idade com o tempo de contribuição – na prática, quem trabalha por mais tempo acaba tendo uma espécie de “desconto” na idade.
Capitalização
Na proposta que vai ser enviada ao Congresso deve estar a previsão de criação do sistema de capitalização (modelo pelo qual as contribuições vão para uma conta individual para bancar os benefícios no futuro). Ele terá caráter obrigatório para os que vão entrar no mercado de trabalho.
Os trabalhadores devem poder usar parte do FGTS caso queiram para complementar a contribuição, sem prejuízo de outras fontes adicionais de contribuições de empregados e do trabalhador.
A capitalização é um dos pontos polêmicos da reforma da Previdência, mas conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevista após a sua reeleição, Maia chegou a prever que a capitalização “passa fácil” na Casa.
Para conter as resistências, o governo decidiu incluir na PEC só a previsão legal para a capitalização, sem fixar prazo para que a regulamentação seja feita. A medida dá tempo para o governo trabalhar numa proposta bem azeitada. A estratégia será mostrar que o modelo de capitalização brasileiro será diferente do chileno, que passa por revisão depois que as aposentadorias ficaram menores do que a renda prevista inicialmente.
A capitalização deve ser feita em regime de contribuição definida. Isso significa que o valor da contribuição é acertado no ato da contratação do plano e o benefício que será recebido no futuro varia em função do valor das contribuições, do tempo em que foram feitas e da rentabilidade dos recursos.
Aposentado pode perder multa de 40% do FGTS
A equipe econômica quer livrar as empresas de pagar a multa de 40% sobre os depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do trabalhador quando o empregado demitido sem justa causa já estiver aposentado.
A proposta consta da minuta de reforma da Previdência revelada pelo Estadão/Broadcast e já desperta reação no Congresso Nacional. Nos bastidores, parlamentares criticam a inclusão de pontos que não estão ligados estritamente à reforma e que poderiam dificultar a votação da proposta. A avaliação de lideranças ouvidas pela reportagem é de que “penduricalhos” incluídos na proposta aumentam as resistências à reforma e tiram o foco dos debates mais importantes como o da transição.
O texto ainda passa por ajustes finais e pelo pente-fino das áreas jurídicas do governo. A promessa é de que seja protocolado nesta quarta-feira, 20, no Congresso. Também deve ser convocada uma coletiva para detalhar os pontos da reforma.
Um desses “penduricalhos” criticados pelos congressistas é justamente a questão dos 40% de multa. Hoje o funcionário da iniciativa privada que se aposenta e continua trabalhando saca o saldo do seu FGTS normalmente. Depois, se for demitido sem justa causa, a empresa precisa pagar a multa prevista.
O advogado trabalhista Fernando Abdala explica que, se passar, essa alteração pode funcionar como um incentivo para que o trabalhador ainda em atividade adie o pedido de aposentadoria, na expectativa de ao ser demitido receber os 40% sobre o FGTS. Com isso, ele continuaria contribuindo para a Previdência. “Ou o governo pode querer apenas diminuir o ônus do empregador”, afirma Abdala.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem feito diversos acenos na direção de medidas que buscam a reduzir a carga sobre as empresas. A proposta de desobrigá-las a pagar a multa na demissão de aposentados havia sido incluída no relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-RJ), relator da reforma da Previdência enviada pelo ex-presidente Michel Temer. O texto não chegou a ser votado no plenário da Câmara.
Caminho da reforma
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que o texto terá de seguir o rito tradicional de propostas que mudam a Constituição.
Veja o percurso:
Comissão de constituição e Justiça (CCJ): Discussão e aval na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que verifica se o texto respeita princípios constitucionais.
Comissão especial: Discussão por no mínimo 11 sessões em comissão especial, que analisa o teor do texto e pode fazer alterações.
Votação: Votação na comissão especial.
Câmara: Discussão e votação no plenário na Câmara: são necessários 308 votos (dos 513 deputados) em dois turnos.
CCJ do Senado: Discussão e aval na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Plenário do Senado: Discussão e votação no plenário Senado: são necessários 49 votos (dos 81 senadores) em dois turnos.
Promulgação
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