As redes sociais como conhecemos hoje podem estar perto do fim — ou quase isso. As publicações dos seus amigos continuarão lá e as suas também. Mas o modelo que consagrou o Facebook parece estar em declínio por causa do TikTok. Ou seja, no novo mundo, as plataformas focam mais em conteúdos “bombados” e menos nas suas conexões sociais.
As indicações de mudança estão por todos os lados. “O feed está deixando de ser guiado por pessoas e contas que você segue para ser guiado por conteúdo recomendado por inteligência artificial (IA), mesmo que você não siga os criadores que postaram o conteúdo”, disse Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, para investidores no mês passado.
Antes dele, Blake Chandlee, presidente global de soluções de negócio do TikTok, descreveu como enxergava o seu concorrente. “O Facebook é uma plataforma social. Eles criaram seus algoritmos baseados nas conexões sociais. Somos uma plataforma de entretenimento. A diferença é grande”, disse ele ao canal CNBC.
É uma distância que Zuckerberg pretende encurtar, ficando mais parecido com o rival chinês. Na mesma reunião, o fundador da rede social disse que cerca de 15% do conteúdo no Facebook é sugerido e exibido por meio de IA e não depende de quem você segue — o porcentual é um pouco maior no Instagram. Para o ano que vem, o objetivo do executivo é chegar à marca de 30% nos dois serviços. Isso deve colocar no feed, principalmente, vídeos curtos postados por estranhos, principal pilar do modelo do TikTok.
Parte dessa movimentação já pode ser vista. No ano passado, o Instagram incluiu o Reels (sua ferramenta de vídeos curtos) no feed e passou a fazer recomendações desses conteúdos entre as postagens de parentes e amigos. Neste ano, a insistência nas recomendações de vídeos chegou a causar críticas dos usuários do app.
Adam Mosseri, presidente do Instagram, voltou atrás nas mudanças, mas indicou que não desistiu de aplicá-las. Ao site Platformer, ele disse: “Precisamos dar um grande passo para trás e rearranjar. Quando aprendermos o suficiente, voltamos com alguma nova ideia”.
Seja qual for a nova investida, o componente social parece ter ficado para trás. “A necessidade de redes sociais — e seu significado mais tradicional — é menor do que era há 10 anos. Com os dispositivos que temos, encontramos outras maneiras de nos conectarmos com nossos amigos e isso não exige, necessariamente, uma plataforma dedicada”, diz ao Estadão Matt Navarra, consultor britânico de redes sociais. “Redes para se conectar com amigos e familiares estão perdendo seu valor e o uso da mídia social está em mudança”.
É uma mudança de um paradigma que atravessa décadas. A ideia de grupos de pessoas reunidas online em torno de interesses comuns foi descrita pela primeira vez em 1993 pelo acadêmico americano Howard Rheingold, que cunhou a expressão “comunidade virtual”. Em 2003, o Friendster emprestou alguns dos conceitos de Rheingold para inaugurar oficialmente a era das redes sociais.
Nos anos posteriores, veio uma chuva de serviços que apostavam nas conexões entre pessoas conhecidas como mola propulsora do conteúdo online. Os brasileiros, por exemplo, se apaixonaram pelo Orkut em 2004. No mesmo ano, Zuckerberg criou, dentro da Universidade Harvard, o Facebook. A premissa dos serviços era reunir gente dos mesmos círculos sociais e permitir o compartilhamento de interesses.
Foi Zuckerberg, porém, quem melhor entendeu o poder do conteúdo mediado por parentes e amigos. Em 2006, ele lançou o Feed, o que não permitia apenas as pessoas se conectarem, mas também compartilharem posts — três anos depois, o Facebook incluiu o botão Curtir, o que dava uma noção da popularidade daquilo que era publicado. O formato virou padrão e se tornou definição de rede social, o que influenciou serviços como Twitter, Instagram e Snapchat.
O sucesso foi tanto que, na década seguinte, o Facebook se esforçou para preservar o formato. Em 2016, a empresa passou a priorizar a publicação de conhecidos no Feed em detrimento de páginas, inclusive de veículos jornalísticos. Em 2018, houve novo esforço do tipo. Naquela altura, o sucesso justificava o esforço, ainda que existissem problemas graves — documentos do Facebook revelaram que esse tipo de distribuição aumentava discursos inflamados. Algo estava, porém, prestes a mudar.
A era do algoritmo
Lançado em 2018, o TikTok ignorou a ideia de conexão de conhecidos desde o começo. A empresa, que autodenomina seu app como uma plataforma de entretenimento (e não uma rede social), focou nos criadores de conteúdo e nas ferramentas espertas de edição. O impacto foi imediato.
O YouTube, que se consolidou com vídeos longos, foi obrigado a olhar para produções curtas e lançou o Shorts em 2020. O impacto, porém, foi quase nulo por uma razão simples: o segredo por trás do TikTok estava no seu algoritmo de distribuição e recomendação, que prioriza o entretenimento do usuário acima de tudo.
Para Edney Souza, professor da ESPM, estamos em transição para um momento em que as plataformas estarão muito mais empenhadas em ser uma “TV” eternamente ligada do que um ambiente de pessoas do nosso dia a dia. “Saímos da era das redes sociais e entramos na era das mídias sociais”, diz ele.
“Você não teria essa transformação de rede social em veículo de entretenimento se as pessoas não estivessem na frente do celular como se fosse a tela da televisão”, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio).
A transformação significa que saímos da era das conexões para a era dos algoritmos. “Houve uma mudança na maneira como as pessoas usam as mídias sociais nos últimos dois anos, além da mudança nas necessidades e expectativas das pessoas em relação às mídias sociais em geral. As principais plataformas de mídia, agora, precisam se adaptar a essa nova era”, explica Navarra.
Em números, fica clara a necessidade de mudanças de gigantes como o Facebook. Em fevereiro, a plataforma registrou queda de usuários pela primeira vez na história: a rede social perdeu cerca de 500 mil usuários diários globalmente nos últimos três meses do ano passado. No último mês de julho, a companhia registrou a primeira queda de receita desde a fundação: US$ 28,8 bilhões no trimestre encerrado em junho passado, ante US$ 29 bilhões do mesmo período de 2021.
Ainda, de acordo com um ranking americano publicado pela SensorTower, analista de redes sociais, o Facebook já caiu da posição de top-10 apps mais baixados no iOS, da Apple, 97 vezes — apenas em 2022. Em comparação, isso só aconteceu sete vezes no ano passado inteiro.
Nichos
Se os números são a única coisa que importam, as redes sociais parecem mesmo ter chegado ao final. Mas tem gente que enxerga as mudanças sob uma ótica mais otimista. “Acredito que o movimento do Instagram em direção ao TikTok não é sinal de fraqueza das redes, e sim de fortalecimento”, diz Souza.
Ele afirma que os modelos das plataformas não são estáticos e mudanças são parte de uma evolução. “O próprio Instagram começou a desviar o foco da conexão social, quando deu origem à cultura de influenciadores. De repente, as pessoas passaram a seguir desconhecidos”, diz ele.
E para quem sente saudades de ter a conexão social como mediador do conteúdo, ainda existem serviços que fazem isso — o próprio Instagram permite acessar uma aba só com os seus contatos. Isso sem contar serviços como o LinkedIn, focada em conexões sociais profissionais, e o BeReal, rede francesa que permite usuários postarem apenas uma foto por dia para seus amigos.
“Talvez, a conexão social se torne um recurso de nicho no momento. Mas, quem sabe, isso não volte à moda no futuro?”, diz Souza.
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