O Facebook anuncia nesta terça, 18, a criação de uma moeda digital própria. Chamada de libra (sem nenhuma ligação com a moeda britânica), ela pretende entrar no mercado a partir de 2020, permitindo transações e transferências monetárias dentro das plataformas da empresa, incluindo o WhatsApp e o Facebook Messenger. A iniciativa é parte de um projeto ambicioso da rede social, que pode romper fronteiras monetárias, promover inclusão financeira e, de quebra, transformar a companhia de Mark Zuckerberg em uma fintech (startup de serviços financeiros).
Para garantir a implementação do projeto, o Facebook criou a Libra Association, uma fundação global responsável por administrar o tesouro da moeda, criar suas especificações técnicas e promover a iniciativa. A associação terá funcionamento autônomo ao da rede social, com sede em Genebra, na Suíça, e terá a participação de outros 27 membros fundadores – todos terão os mesmos poderes que a empresa de Zuckerberg na iniciativa.
- Foto: DivulgaçãoLibra, moeda do Facebook
Entre eles, estão nomes tradicionais do mercado financeiro (Visa, Mastercard e PayPal), empresas de tecnologia (Uber, Lyft, Spotify e eBay) e fundos de capital de risco do Vale do Silício (Ribbit Capital e Thrive Capital). Cada um dos participantes teve de colaborar com uma quota mínima de US$ 10 milhões para compor as reservas da moeda. Estão excluídas da cota apenas instituições de impacto social, como o Banco Mundial das Mulheres e a ONG de crédito Kiva.
A meta da associação é atingir a marca de 100 membros até 2020, o que injetaria no mínimo US$ 1 bilhão em seu tesouro, disse ao Estado David Marcus, líder da área de blockchain do Facebook e um dos principais responsáveis pelo projeto. “Queremos uma moeda global e uma estrutura financeira que permita milhões de pessoas a ter acesso à economia do mundo e guardar seus bens com segurança”, afirmou o executivo, que já foi presidente do PayPal e supervisionou o Facebook Messenger.
Para operar as transações da moeda, o Facebook criou uma empresa subsidiária, a Calibra. Ela oferecerá a carteira digital pela qual será possível realizar pagamentos e enviar remessas para contatos no Messenger e no WhatsApp, além de ter aplicativos próprios para Android e iPhone. A moeda poderá ainda ser usada em diferentes plataformas de pagamento e carteira digital, como o PayPal e o Mercado Pago.
Hoje, vale lembrar, o Facebook tem 2,7 bilhões de usuários em seus diversos apps. Enquanto isso, segundo o Banco Mundial, hoje há 1,7 bilhão de pessoas desbancarizadas em todo o planeta. “Não acredito que a moeda possa ter um impacto no sistema financeiro global”, diz Alexandre Schwartzman, economista e ex-diretor do Banco Central. “Mas a competição no setor de pagamentos deve se intensificar.”
Usuário poderá fazer transferências pelo WhatsApp
Até que a libra e a Calibra cheguem ao mercado, muitos detalhes ainda devem ser definidos. Espera-se, porém, que o usuário crie uma conta no serviço usando um número de identificação como o CPF. A partir disso, poderá comprar libras, que poderão ser enviadas para outros contatos pelo WhatsApp e pelo Messenger como se fossem uma simples mensagem. Quem recebê-las poderá usá-las como libra ou fazer a conversão para sua moeda local.
A empresa busca trabalhar com remessas internacionais, ajudando, por exemplo, a reduzir os US$ 25 bilhões por ano que imigrantes perdem em taxas de remessas financeiras. Ao fazer a conversão de libra para qualquer outra moeda, o dinheiro do Facebook terá variação cambial, como a que ocorre entre o real e o dólar, por exemplo. Ainda não é possível saber qual será a equivalência para o real, ou para qualquer outra moeda, mas o Facebook alega trabalhar diretamente com reguladores, legisladores e outras autoridades em diversos países para evitar quaisquer problemas regulatórios. Procurado pelo Estado, o Banco Central do Brasil não quis comentar o assunto.
Empresa quer se afastar do bitcoin
Consciente da reputação do Facebook na área de privacidade, Marcus diz que a Calibra será independente do Facebook e da Libra Association. Isso significa que dados dos usuários nos produtos da rede social não serão compartilhados com o lado financeiro. As transações financeiras também não servirão de base para exibição de propagandas. “Temos que ganhar a confiança das pessoas”, diz o executivo, ciente de que vazamento e roubo de dados financeiros poderiam ser catastróficos para usuários e empresa.
Marcus, porém, afirma que os dados podem ser compartilhados com terceiros para a prevenção de ações criminosas ou fraudulentas ou para atender exigências legais dos países onde atua. É uma forma de afastar a libra da reputação de outras moedas digitais, como o bitcoin – criada “anonimamente”, a mais famosa das criptomoedas é constantemente acusada de ser utilizada para lavagem de dinheiro e financiamento de atividades criminosas.
“Uma das dificuldades com o bitcoin era apontar quem era o responsável pela moeda. Com a moeda do Facebook, isso é diferente. Zuckerberg é o responsável”, diz Schwartzman.
Para se distanciar do bitcoin e oferecer transações mais rápidas, o Facebook ainda construiu um próprio sistema de blockchain, sistema que permite a toda a rede validar e registrar as transações da moeda. A plataforma será aberta, de maneira que desenvolvedores independentes poderão achar problemas e oferecer soluções. Cada um dos 28 membros da Libra Association deverá ter servidores dedicados para rodar a tecnologia, cujos avanços técnicos será realizados também pela associação.
No futuro, Facebook pode oferecer serviços financeiros
Inicialmente, o Facebook diz que não mira realizar lucro com taxas – para a empresa, a meta é fazer transações mais baratas o possível. Assim, espera o Facebook, pequenos vendedores poderão vender mais, e, consequentemente, anunciar mais em sua plataforma. Mas é uma estratégia de curto prazo: questionado pelo Estado, o Facebook não descarta oferecer serviços financeiros por meio da Calibra. “Definitivamente, vamos oferecer serviços de crédito”, afirmou Kevin Weil, vice-presidente de produto da subsidiária, ao Estado.
Apesar disso, David Marcus não descarta que bancos venham a se associar à iniciativa. “Mesmo que ofereçamos serviços similares no futuro, será bom, pois haverá maior competição na área financeira”, diz o executivo, que ainda vê as instituições tradicionais com papel fundamental no sistema financeiro.
Tesouro da libra será internacional
Outro problema que o bitcoin costuma sofrer e o Facebook tentará evitar é a volatlidade da moeda. Por conta disso, a empresa vai atrelar a cotação da moeda a um tesouro real, composto por ativos de baixa volatilidade – depósitos bancários e títulos públicos em moedas de bancos centrais estáveis, como o Fed, nos EUA, o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão. O fundo será administrado pela Libra Association.
Os ativos serão espalhados por diversos países para amenizar os efeitos de eventos que possam desvalorizar a libra. Além disso, as reservas da moeda serão compostas pelo dinheiro movimentado pelos usuários. Cada vez que o usuário quiser libras, o valor de sua moeda local entra para o fundo e o mesmo valor em libras é emitido. A associação, porém, afirma que não praticará políticas monetárias – ela diz que vai incorporar políticas dos bancos centrais representados em sua cesta de ativos.
A Libra Association diz que terá uma abordagem semelhante a de conselhos monetários, como o de Hong Kong, que só imprimem moeda local quando há ativos em moeda estrangeira suficientes para respaldar totalmente uma nova leva de cédulas e moedas. Os ativos da reserva ficarão aplicados em fundos e os juros serão usados para pagar os investidores do projeto, entre eles os membros fundadores da associação. Esse seria um dos atrativos para atrair participantes.
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