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Ibama age em apenas 1% dos alertas de desmatamento, diz estudo

Segundo pesquisa, áreas onde o órgão atuou correspondem a apenas 6,1% do total desmatado na Amazônia.

Apenas 1,3% dos 115.688 alertas de desmatamento na Amazônia publicados pela plataforma MapBiomas, entre 2019 e 2020, foi alvo de algum tipo de ação que resultou em embargos ou autos de infração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso representa 6,1% do total da área desflorestada detectada.

“É uma mensagem muito ruim (que o governo passa), com ações de combate ao desmatamento em nível baixo”, diz Ana Paula Valdiones, coordenadora do programa de transparência ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), ONG voltada para questões ambientais, e uma das autoras do estudo. O levantamento foi realizado em parceria com pesquisadores do MapBiomas, projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, e o Observatório do Clima.


Apesar de não ser um órgão governamental, o MapBiomas tem entre suas fontes de dados sistemas oficiais, como o Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ou seja, as informações que a plataforma coleta e usa para gerar alertas são de conhecimento do próprio governo federal e deveriam gerar ações dos órgãos de controle, Ibama entre eles.

Para tanto, o trabalho de campo poderia até mesmo ser parcialmente dispensado. Ex-presidente do Ibama, Suely Araújo diz que o órgão tem como fazer o cruzamento de dados e fiscalizar à distância em determinados locais. Lançada oficialmente em 2017, a operação Controle Remoto cruza imagens de satélite com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para detectar os desmatamentos recentes e enviar por correio as multas. O embargo de áreas também é automático, e o proprietário fica impedido de conseguir crédito rural nos bancos.

Em meados daquele ano, a operação havia resultado em 601 autos de infração, que resultaram no embargo de 197,7 mil hectares e em R$ 853 milhões em multas aplicadas. Segundo a ex-presidente do órgão, o grande volume de alertas sempre dificultou que o número de fiscalizações fosse alto, mas durante a gestão Bolsonaro esse déficit se acentuou. “Quando você vê esses dados atuais isso mostra a necessidade de se reforçar as ações de comando e controle”, diz.

O total de autuações ambientais verificado em 2021 foi o menor registrado em duas décadas, enquanto o desmate voltou a bater recordes sucessivos. Em 2019, sob o comando do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o Ibama registrou 12.375 multas. Em 2020, esse número ficou em 11.064. No ano passado, até setembro, foram 9.182 multas, a metade do que se verificou em 2012. Nos anos 2000, o órgão ambiental emitia entre 20 mil e 25 mil autos de infração por ano, em média.

Desmatamento, focos de incêndio e o garimpo ilegal têm batido recordes sucessivos. Em 2021, por exemplo, o Brasil registrou o maior índice de desmatamento dos últimos 15 anos na chamada Amazônia Legal, que engloba o território de nove Estados.

Neste ano, os dados continuam desanimadores. O desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um novo recorde para janeiro já nas três primeiras semanas de 2022, segundo dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerca de 360 km² de floresta foram destruídos entre 1º e 21 de janeiro, a maior área desmatada em qualquer janeiro completo desde 2015, quando o Inpe lançou o programa de monitoramento periódico Deter.

A pesquisa aponta que nem mesmo os 11 municípios definidos pelo Conselho Nacional da Amazônia como prioritários para o recebimento de operações militares receberam atenção satisfatória. Apenas 3% dos 22.583 alertas detectados nesses locais receberam notificações de infração e/ou embargos do Ibama, o que representa 12% da área desmatada.

O conselho é presidido pelo Vice-Presidente da República, Hamilton Mourão, e foi criado em resposta às críticas ao descaso do governo no combate à destruição da Amazônia. Entre as ações promovidas e incentivadas pelo órgão está o emprego de militares na região para coibir o desmatamento por meio das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). A medida foi amplamente rejeitada por especialistas e ambientalistas ante a previsível baixa eficácia do emprego das tropas em detrimento dos técnicos do Ibama, treinados e acostumados com as características desse tipo de crime.

Os dados comprovam a percepção dos especialistas. Desde que as Forças Armadas passaram a fazer o combate direto à derrubada da floresta, em 2019, a área desmatada se manteve acima dos 10 mil km² – o que não acontecia desde 2008. Nesse período o orçamento do MMA vem caindo. As verbas da pasta para ações tradicionalmente associadas à preservação passaram de R$ 1,07 bilhão em 2014 para R$ 647 milhões em 2020, em valores corrigidos.

A constatação é de um relatório realizado pelo gabinete compartilhado – formado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e pelos deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). O levantamento aponta que enquanto o orçamento do ministério para ações de combate ao desmatamento caiu gradativamente, os gastos com as GLOs na Amazônia cresceram 178%.

A pesquisa cruzou dados do MapBiomas, com ações do Ibama e do Ministério Público Federal. A comparação com as informações da Procuradoria aponta que dos 115.688 alertas de desmatamento na Amazônia entre 2019 e 2020, 1.510 coincidem com ações do MPF, o que representa 1,15% do total.

Procurados pela reportagem, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Vice-Presidência da República e Ministério da Defesa não se manifestaram.

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