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ICMBio embarga construção de fábrica da Heineken em Minas Gerais

Órgão alega que obra pode afetar sítio arqueológico onde foi localizado o crânio de Luzia.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) embargou a construção da fábrica da Heineken em Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, após constatar que a obra, estimada em R$ 1,8 bilhão, pode afetar "fatalmente" o sítio arqueológico onde foi localizado o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas. O instituto identificou "falhas graves" no processo de licenciamento ambiental concedido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), aplicou duas multas à empresa e notificou o governo mineiro.

Nota técnica enviada pelo ICMBio à chefia da Área de Proteção Ambiental (APA) Carste, em Lagoa Santa, no dia 5 de agosto, revela que, "ao longo dos relatórios e programas apresentados, raramente foi mencionada a existência da APA Carste de Lagoa Santa e, em nenhum momento, o empreendedor avalia a compatibilidade do empreendimento com o decreto de criação e o seu Plano de Manejo, o que configura-se como grave falha no processo de licenciamento ambiental". De acordo com o órgão, a futura fábrica de cerveja encontra-se 99% dentro do território da APA Carste de Lagoa Santa.


O ICMBio também afirma, no documento, que a secretaria mineira não poderia conceder o licenciamento ambiental para uma obra de tamanho impacto ambiental, uma vez que esta seria uma responsabilidade do próprio instituto, de acordo com o artigo 6.º do Decreto 98.889 de 1990. "Fato é que o Estado não respeitou o referido decreto de criação ao estar promovendo o licenciamento ambiental sem obtenção da autorização prévia do ICMBio", diz a nota técnica, à qual o Estadão teve acesso.

O órgão afirma que não foram feitos ou apresentados levantamentos que permitam saber como a construção da fábrica afetará a dinâmica da drenagem da água. O licenciamento foi concedido em agosto, quatro meses após a solicitação.

Uma das observações é referente aos impactos ao lençol freático, pois uma das fontes de captação para produzir a cerveja é o subsolo do sítio arqueológico. O volume estimado de 310m³ por hora seria suficiente para abastecer uma cidade de 37 mil habitantes.

O ICMBio divulgou ofício no qual informa que uma audiência foi marcada para o dia 9 de outubro. "Caso o empreendimento se adeque ao que determina o Plano de Manejo, apresentando estudos e as informações necessárias, a obra poderá ser retomada."

A Heineken informou que, desde o pedido de licença ambiental, em abril, "forneceu todos os documentos, dados e estudos técnicos" necessários à obtenção da licença, a qual foi concedida pela autoridade ambiental e depois referendada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A cervejaria informou também que acatou prontamente a determinação de suspender a atividade no local, após receber visita da equipe do ICMBio no dia 10 deste mês. E que segue em contato com as autoridades para definição dos próximos passos desse processo.

Por volta das 19h, a reportagem procurou o plantão da Superintendência de Imprensa do governo mineiro e a Semad para obter um posicionamento sobre a nota técnica do ICMBio, que aponta erros e descumprimento de regras da pasta na concessão de licenciamento ambiental para a fábrica da Heineken. A Semad não retornou à reportagem. A superintendência informou que, por causa do horário, a secretaria deve se manifestar apenas nesta quarta-feira.

Mais cedo, o órgão divulgou uma nota na qual diz que não identificou possibilidade de impactos irreversíveis nas cavidades da região. Diz a nota: "O embargo da atividade é resultado do exercício do poder de polícia próprio do ICMBio, e se dá por meio de autuação ao administrado, não havendo quaisquer relações com a Semad, que não se submete a tal poder de polícia".

A secretaria informou também que "fará manifestação técnica com a demonstração da correção solicitada pelo ICMBio, no processo de regularização do empreendimento'', e que vai demonstrar "ter havido razão técnica e jurídica que orientou o deferimento da licença ambiental".

Importância do sítio arqueológico de Lagoa Santa

A área de Lagoa Santa fornece um painel de como foi a vida cotidiana naquela região entre mil e 11 mil anos atrás, período em que se situam os ossos, objetos e desenhos até agora descobertos na região. Ao longo dos últimos 170 anos, pesquisadores – e alguns aventureiros – encontraram ali desde pinturas rupestres, pontas de projéteis de quartzo e cerâmicas até ossos de mamíferos da extinta megafauna, como a preguiça terrícola gigante, e restos de 250 esqueletos humanos.

A região entrou no cenário mundial da arqueologia devido ao trabalho de Peter Lund, que se mudou para o Brasil em 1833. Por mais de uma década, o explorador nórdico vasculhou centenas de cavernas e grutas na região. A quase totalidade de sua coleção de descobertas – mais de 12 mil peças, incluindo um conjunto de crânios do então chamado Homem de Lagoa Santa – encontra-se hoje na pátria do naturalista, a Dinamarca.

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