A polêmica sobre a soltura de um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC) levou ministros das cortes superiores a defenderem que o tema seja analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é uniformizar o entendimento sobre a lei possibilitou a saída da prisão de André do Rap. O ministro Marco Aurélio Mello usou a regra, aprovada em 2019, como critério para soltar o traficante – medida revogada dias depois pelo presidente do STF, Luiz Fux. André do Rap já havia deixado a cadeia e agora está foragido. O assunto pode chegar ao plenário caso Fux decida levar para análise dos colegas o processo do traficante.
Aprovada pelo Congresso no pacote anticrime e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro, a nova regra sobre prisão preventiva mudou o Código de Processo Penal. O novo trecho estabelece que a prisão preventiva deve ser reavaliada pelo juiz a cada 90 dias, sob pena de se tornar ilegal.
- Foto: Divulgação/Polícia CivilAndré de Oliveira Macedo, o André do Rap, é apontado como liderança do PCC
Esse item do pacote anticrime não estava na versão original enviada pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e foi incluída pelos parlamentares. Moro disse anteontem ter se posicionado contrário à sanção pelo presidente. O Planalto não se manifestou.
Segundo a defesa de André do Rap apresentada ao STF, esse prazo já havia estourado, o que abriu caminho para que Mello liberasse o acusado por tráfico de drogas da prisão, onde estava desde setembro. Especialistas temem que o caso abra precedentes.
Ontem, a defesa do também traficante Gilcimar de Abreu, conhecido como Poocker, usou o caso de André do Rap como exemplo para pedir a soltura do detento. Poocker foi condenado no mesmo processo que André do Rap e sentenciado a oito anos e dois meses em regime inicial fechado.
Na avaliação de ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ouvidos reservadamente pela reportagem, o item do pacote anticrime deixa pontas soltas que precisam ser esclarecidas pelo plenário do Supremo e, assim, impedir que a controvérsia se repita. Além disso, já há outras decisões de ministros no STF e STJ que divergem da posição de Mello. Uma das linhas que devem ser defendidas caso o tema seja analisado pelo colegiado é de que a soltura não é automática caso a prisão não seja reavaliada em 90 dias.
Um magistrado pontuou, por exemplo, que cada caso deve depender de uma avaliação individual e de pedidos de manifestação por parte do Ministério Público e do juiz responsável pelo processo. Para este ministro, a lei é importante para combater a cultura de prazos demasiados em prisões preventivas. Por sua vez, não pode ser aplicada sem parâmetros.
Lacunas na lei também criam dúvidas entre magistrados que precisam aplicar a regra no dia a dia, apontou outro ministro à reportagem. Uma delas é quem deve fazer a reavaliação trimestral quando o processo não estiver mais na 1ª instância.
A lei define que o responsável por decretar a prisão preventiva é quem deve reavaliar, mas em certo ponto o processo pode nem estar mais com o juiz que mandou prender o investigado. Um terceiro ministro ainda observou que a regra é de difícil aplicação num País em que o número de processos é extremamente volumoso.
Divergências
Além de dúvidas que pairam sobre a lei, já há decisões nas Cortes Superiores que divergem da posição de Mello - o que tornaria essencial uma posição do plenário do STF. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, por exemplo, negou em maio soltar um investigado que recorreu ao tribunal com o mesmo argumento da defesa de André do Rap.
Para Fachin, a ausência de reavaliação não retira do juiz o poder de averiguar a presença dos requisitos da prisão. Portanto, o ministro apenas determinou que o magistrado responsável analisasse o caso. Foi o mesmo entendimento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ. “Eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade”, escreveu em decisão de junho.
Mesmo diante de posições divergentes, Mello rejeitou a avaliação de que o tema precisa ser analisado pelo plenário. Para ele, a “onde a norma é clara e precisa, não cabe interpretação”. “O que nós precisamos é nos acostumar a cumprir a lei”, disse ao Broadcast/Estadão.
“Cada cabeça, uma sentença”, respondeu Marco Aurélio ao ser questionado sobre as posições dos colegas. “Qualquer pessoa letrada em Direito vai concluir que não cabe interpretação. Fora isso é a babel, é o critério de plantão.”
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