Relator de três ações que discutem a execução antecipada de pena, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta, 23, contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Em seu voto, o ministro destacou que “é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão”.
A medida é considerada um dos pilares da Lava Jato no combate à impunidade. No final do ano passado, Marco Aurélio deu uma liminar derrubando a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em todo o País, o que abria caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado no âmbito da Lava Jato. A decisão foi suspensa no mesmo dia pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli.
“Atentem para a organicidade do Direito, levando em conta o teor do artigo 5º, inciso LVII, da Lei Maior – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior. O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas”, observou Marco Aurélio, ao defender a prisão de condenados apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o “trânsito em julgado”, em juridiquês).
“Não se pode assentar a culpa para além dos limites expressos na Lei Maior, quando o próprio processo criminal é afastado do controle deste tribunal. Em resumo, suprime-se, simultaneamente, a garantia de recorrer, solto, às instâncias superiores e o direito de vê-la tutelada, a qualquer tempo, pelo Supremo”, acrescentou o ministro.
Delinquências
Na avaliação de Marco Aurélio Mello, o quadro atual do cenário brasileiro é “revelador de delinquências de toda ordem, de escândalos no campo administrativo, considerada corrupção inimaginável”, o que deve levar a uma “marcha” de processos na Justiça de forma “segura, lastreada nos ditames constitucionais e legais”.
“Longe fica de respaldo a reescrever-se a Constituição Federal e a legislação que dela decorreu, muito menos pelo Supremo, em desprezo a princípio básico da República – o da separação e harmonia dos poderes”, disse Marco Aurélio Mello.
O relator frisou em seu voto que a “regra é apurar” e só depois, do esgotamento de todos os recursos, “prender”. “A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do artigo 312 do Código de Processo Penal e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva”, destacou o ministro, ao citar dispositivo que prevê a prisão preventiva em casos excepcionais, para garantir a ordem pública.
Depois de Marco Aurélio Mello, o próximo ministro a votar é Alexandre de Moraes, que já defendeu a execução antecipada de pena em julgamentos recentes.
Jurisprudência
Antes da leitura do voto de Marco Aurélio, o vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, propôs que o plenário discuta preliminarmente se a atual jurisprudência da Corte – que admite a execução antecipada de pena – pode ser revista em um intervalo curto de tempo. Esse é um dos pontos levantados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para impedir que o Supremo derrube a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
“O procurador anterior suscitou uma questão preliminar sobre a impossibilidade jurídica de uma modificação de jurisprudência em espaço de tempo diminuto. Agora, o procurador, na sua última fala, antes de apontar o mérito, suscita essa questão preliminar”, apontou Fux.
Esse ponto pode ser discutido no retorno das atividades do Supremo, no período da tarde. A expectativa é a de que o plenário derrube o atual entendimento, que permite a prisão após condenação em segunda instância.
Um ministro ouvido reservadamente pela reportagem acredita que Fux tentou uma “malandragem carioca” para evitar uma derrota da Lava Jato no Supremo.
A execução antecipada de pena era permitida até 2009, quando o STF mudou de jurisprudência para admitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o trânsito em julgado). Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.
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