- Foto: Lucas Dias/GP1Desembargador Edvaldo Moura
Desembargador Edvaldo Pereira de Moura
Professor da UESPI
Diretor da Escola Superior da Magistratura do Piauí
O Brasil experimenta, nesta conturbada quadra histórica, um dos mais angustiantes e desafiadores momentos de sua longa e difícil existência. Como é de sabença geral, vivemos, presentemente, em quarentena, para evitarmos o avanço, extremamente rápido, de uma doença pouco conhecida e sem tratamento eficaz, pelo menos cientificamente comprovado. A epidemia da Covid-19, trazida pelo coronavírus, é uma realidade dura, dolorosa, assustadora. Os nossos hospitais estão lotados, com suas UTIs, sem nenhuma vaga e nossa economia sofrendo o mais sério e gigantesco impacto. Esse vírus, apesar de pequeno, não só ameaça o Brasil gigante, mas todos os países do mundo. Por isso, não nos é possível, neste momento, relativizarmos essa pandemia, equiparando-a a uma “gripezinha”, como já o fizeram. Esse descuido por parte das autoridades governamentais de quase todos os continentes, mais preocupadas com as projeções estatísticas de suas economias, já custou milhares de vidas inocentes. No Brasil, até o dia de hoje, 202 pessoas haviam falecido.
A historiadora Christiane Maria Cruz e Souza, do Núcleo de Tecnologia em Saúde do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, confrontando os efeitos da gripe espanhola, eclodida exatamente há um século, nos Estados Unidos, com a Covid-19, assim se explica: “A liturgia das grandes epidemias é sempre muito parecida. Primeiro, as autoridades negam que ela exista, uma vez que é algo desconhecido e com potencial de abalar a economia e os sistemas de saúde existentes. Muitos dos discursos das autoridades, no início da pandemia de 1918, se assemelham ao que vemos hoje.”
Resultado, a gripe espanhola, a mãe das pandemias, causada pelo vírus influenza do tipo A H1N1, contaminou mais de 500 milhões de pessoas e provocou entre 17 a 50 milhões de mortes. No Brasil, sua cifra fatal deve ter chegado a 30 mil mortes. O próprio Presidente da República, Rodrigues Alves, reeleito para o cargo, foi atingido, mortalmente, pela gripe espanhola, no início de 1919.
A pandemia de 1918/19/20 não poupou o rei Afonso XIII, da Espanha, o escritor Franz Kafka, o genial Walt Disney, Franklin Delano Roosevelt e Woodrow Wilson, dois norte-americanos, que presidiram aos Estados Unidos, e os dois irmãos videntes de Fátima: Jacinta Marto e Francisco Marto.
O isolamento, a quarentena, o distanciamento social são as únicas medidas conhecidas em outros países, capazes de achatar a curva do número de infectados e trazer um mínimo de alento ao já colapsado SUS. Essas drásticas medidas, certamente, trarão grandes problemas de ordem econômica: empresas falirão, trabalhadores serão demitidos, autônomos perderão o pão de cada dia; tributos, impostos e taxas, deixarão de ser recolhidos aos cofres públicos. Mas, a questão que se coloca é: o que devemos salvar: a vida ou a economia? Esse é o momento de termos um lado na história e, pensamos que, o lado de um Tribunal Cidadão, sempre deverá ser o das vidas humanas.
O momento é bastante difícil e desafiador. Pelas informações, há pouco divulgadas, até agora, em todo o mundo, 860 mil pessoas já foram infectadas por tão terrível pandemia, que apresenta um saldo de mais de 42 mil mortes, inclusive, no Brasil.
Apesar da dramaticidade da situação, com que o mundo vem se deparando, nem tudo é desgraça e caos. O ameaçador coronavírus, trouxe, também, um lado bom, antes negligenciado: a união, a sensibilidade humana, o amor ao próximo, a solidariedade e a concretização daquela máxima: um por todos e todos por um.
De fato, diante de tanto medo e de formas improvisadas de se viver, vimos surgir, igualmente, a sensibilidade humana, o amor ao próximo e a solidariedade, como frisamos. Simples gestos, de pessoas dos mais variados segmentos, expressam eloquentes lições de como podemos diminuir os impactos negativos e dolorosos, que estão mexendo com todos nós, neste instante de tão avassaladora crise: rede de apoio entre os vizinhos, para ir ao mercado e à farmácia, substituindo pessoas do grupo de risco da Covid-19; redução do valor do aluguel de imóveis, por seus sensíveis proprietários; incentivo gratuito, em redes sociais, às atividades comerciais locais, para preservar os serviços prestados por profissionais liberais, como dentistas, professores particulares, psicólogos, engenheiros e outros; confecção de máscaras de proteção pelos presidiários de algumas penitenciárias, para a distribuição gratuita, aos trabalhadores do Sistema de Saúde, etc.
Todos nós já vimos, certamente, o engajamento de muitos cidadãos, inclusive, daqueles que possuem pouco, apenas, a capacidade suficiente que os leva a entender que o momento é de ajudar, é de servir, é de agir com fraternidade, com humanismo e com solidariedade.
No Piauí, como já foi divulgado, alguns empresários estão adquirindo respiradores para o colapsado Sistema de Saúde estadual. Cada respirador custa, aproximadamente, 85 mil reais. Para tanto, foram lançadas cotas de dois mil e quinhentos reais, que entre eles estão sendo vendidas. Um proprietário da rede hoteleira de Teresina, já ofereceu, com todo o espaço físico disponível, um dos seus estabelecimentos, ao governo estadual, para ser usado como hospital ou hospedaria dos profissionais de saúde, afastados de suas residências.
No âmbito público, há outras ações acontecendo. Em notícia anunciada no dia 26 do mês de março, o Ministério Público do Trabalho informou haver instituído um cadastro nacional para diagnóstico das necessidades da rede pública e privada de saúde no país e que destinou cerca de 50 milhões de reais para as ações coordenadas de prevenção e enfrentamento à Covid-19, em todos os estados da Federação. A prefeitura de Teresina, pelo que sabemos, acaba de adiar a cobrança do IPTU, que se expirava no dia 31 de março. Até o Tribunal de Justiça do Piauí, graças à sensibilidade do seu atual gestor, já disponibilizou 600 mil reais, valor significativo para um Estado pobre como o nosso. Aliás, o Tribunal de Justiça de Rondônia, unidade federada do norte do país, também colocou à disposição do seu Sistema de Saúde 4 milhões de reais.
Mas pelas informações veiculadas, deveríamos dispor de, pelo menos, 5 vezes mais leitos de UTIs e de respiradores, para podermos responder, mais satisfatoriamente, à demanda com internação de piauienses infectados por essa pandemia.
Como é de sabença geral, o Sistema de Saúde do Piauí está cercado de inúmeras dificuldades, e é momento de surgir a Justiça solidária. Em caráter excepcional, diante da já anunciada e confirmada calamidade pública, a magistratura solidária deve estender os seus braços, por questão humanitária e de sensibilidade humana e política.
A ajuda financeira é indispensável. Mas além dela, conclamamos todos os magistrados para que encarem essa luta no suporte a todos os profissionais da área de saúde, que estão na comissão de frente: a magistratura, em si, possui autoridade moral e indiscutível capacidade de mobilização, para que todos se envolvam nesse benfazejo clima, norteado pela mais elogiável sensibilidade política, tomada esta expressão no seu mais elevado e helênico sentido.
E diante do fato de a magistratura encampar esse notável movimento cívico, em favor do nosso desestruturado Sistema de Saúde e dos nossos sofridos piauienses a que ele atende, com absoluta certeza, há de se conseguir ainda mais apoio moral e material dos outros representativos segmentos da sociedade a que pertencemos.
Nesse aspecto, entendemos que a nossa dinâmica e acreditada Associação, com o apoio integral de sua Escola Superior da Magistratura, a que temos a honra de presidir, com todos os seus integrantes, pela credibilidade de que são portadores, terão condições de alavancar essa corrente do bem, para que se supere, sem tantas outras agruras, tão difícil e insustentável situação.
A questão da solidariedade é muito mais do que a compra de aparelhos: é salvar vidas em nosso pobre, mas valoroso Piauí, notadamente dos grupos vulneráveis. E vai além. A contribuição do Tribunal de Justiça deve se estender aos efeitos da economia, que já vêm surgindo com o afastamento do convívio social da população. Nosso Estado não pode se empobrecer, ele não merece isso. Precisamos proteger nossas empresas e os nossos trabalhadores, que estão correndo sério risco.
Com essa notável e bem pensada intenção, a AMAERJ e AMATRA 1, convocaram todos os seus magistrados a iniciarem uma campanha de doação de recursos no Estado do Rio de Janeiro, para a rede de saúde, durante a campanha do coronavírus.
Desse movimento, participam magistrados de primeiro e segundo graus daquele Estado, que listaram 85 tipos de materiais imprescindíveis aos hospitais públicos, abrindo conta em algumas agências, como Itaú e Bradesco, orientando como as pessoas devem oferecer as suas ajudas financeiras.
Por tudo isso, além do cumprimento do art. 9º, da Resolução n. 313/2020, do Conselho Nacional de Justiça, achamos por bem que o nosso egrégio Tribunal, destine mais verbas dos seus recursos próprios, que não façam parte do orçamento de que dispõe, para que sejam utilizadas no enfrentamento à Covid-19, que tanto nos atormenta e angustia. Devemos cortar na própria carne, pois muitos já o estão fazendo em outros Estados. É chegada a hora de nos reinventarmos, enquanto Poder e, para além de uma mera separação de funções, conjuguemos os nossos esforços, em parceria com o Executivo e com o Legislativo estaduais, para que passe a reinar a verdadeira harmonia, não só entre a tripartite atividade estatal, mas entre todos aqueles que habitam e vivem no nosso Piauí. Se for preciso, inclusive, que proponhamos alteração legislativa, através de projeto a ser encaminhado à nossa Assembleia.
Sabemos que o fôlego financeiro do Poder Judiciário exige cuidados, por óbvio, e que a arrecadação irá cair. Mas isso não nos impede de termos um lado na história, conforme dito alhures: entre o lado da saúde financeira desse Poder e da saúde física e mental dos nossos jurisdicionados, não temos dúvida de que o mais confortável é de ocuparmos o do combate, sem trégua, a tão avassaladora pandemia.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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