*Arthur Teixeira Júnior
O lugar onde moro não é o que poderíamos chamar de Mar da Tranquilidade. Eu sabia disto quando para lá mudei. Uma avenida não muito movimentada, mas com um tráfego pesado de caminhões transportando areia e seixos. Mas isto não seria o problema. Minha diferença está com os vizinhos.
A direita, temos o já citado vizinho, aprendiz de terapeuta. Ele, conjuntamente com sua esposa e filha (já mais para titia) criam dois cães no interior da residência, em um exíguo corredor gradeado com menos de 2 metros quadrados. Sustenta que os animais são bem tratados, pois são alimentados diariamente, tem direito a cinco minutos de banho de sol por dia e uma vez por mês consultam um veterinário. Neste diapasão, o diretor da Casa de Custódia torna-se merecedor do Nobel da Paz. Orgulha-se ainda o carcereiro canino de que “durma a hora que for, acorda sempre às 5 da manhã”. Sou testemunha disto. Ele não só acorda às cinco da manhã, inclusive aos sábados, domingos e feriados, como faz questão de acordar a vizinhança toda. Abre o portão da garagem como se estivesse demolindo-o a machadadas. De lá retira (mesmo que não vá utilizar) seus dois veículos, dentre os quais um Santana 85, bordô desbotado, sem um dos silenciadores e com a homocinética banguela. Ele e a filha não tem emprego fixo, mas assim que a matriarca sai para o trabalho eles saem no mesmo rastro. E nessa hora começa a sinfonia canina, num interminável e angustiante latido e rosnar de lamentação.
A esquerda temos outro casal de desempregados que, quando não estão bebendo estão espancando um dos três filhos. Um dos dois deve ser surdo, pois somente se comunicam aos berros. Durante o dia, a cada meia hora o marido empunha sua barulhenta motoneta e vai até a Vila da Paz comprar cerveja barata (3 por R$ 10,00). A noite e madrugada adentro, senta o casal na varanda e curtem suas ressacas ao som estridente de um aparelho fanhoso de som.
A frente temos o boteco do Domingão, que uniformizado de carvoeiro prepara seus espetinhos de origem duvidosa que são ferozmente degustados pelos bêbados de plantão. Seus mais fiéis fregueses começam a chegar por volta das 8 da manhã, e lá permanecem, lambiscando durante todo o dia uma “meiota” de cachaça turva, até a hora de fechar, o que acontece assim que começa a novela das 9. Durante todo o dia e começo de noite, a diversão que rola é escutar música brega em uma “Juckebox” que apelidaram de radiola tremendão, instalada nos fundos do estabelecimento. Por 2 Reais escuta-se (eles e todos do quarteirão) 4 músicas no mais alto volume possível, responsável por destelhar as casas contíguas. Quando o freguês além de bêbado é corno, resolve então escutar uma única música repetidas vezes, até que alguém mais enfezado desliga o aparelho da tomada. Daí o baile brega vira uma bela briga, com direito a garrafadas e cadeiradas.
Nos intervalos desta sinfonia, o filho de uma moradora do pedaço, conhecida como Maria Horizontal, desfila com sua bicicleta onde algum imbecil instalou uma buzina de caminhão movida a fole. O guri diverte-se impedindo que qualquer morador assista o Jornal Nacional ou sua chorosa novela global.
E tocam a buzina, os cachorros latem estressados, passa o caminhão carregado quase atropelando o mudinho, a briga continua ao som de Reginaldo Rossi, o casal aumenta o som da varanda para sobrepor o do Domingão, lá vão buscar mais três cervas, a titia ainda não voltou, o Santana arrancou uma banda do portão, o caminhão do lixo passou direto e deixou o lixo para trás, festa para a centena de gatos que povoam nossos telhados, ...
Para não passar em branco: flagraram o meninote mensageiro do condomínio dando uns “pegas” dentro do elevador na loira quarentona filhinha de papai lá do 7º andar. A justificativa da agarrada: “prefiro ser babá do que enfermeira”.
E eu que sou maluco.
*Arthur Teixeira Júnior é colaborador
Imagem: GP1Arthur Teixeira
Novamente abordei meu vizinho e reclamei pela enésima vez do incansável latido de sua cadela, agora adentrando até as 22 h. Ele escutou-me pacientemente e chegou a trágica conclusão: o problema estava em mim. Eu é que seria o problema e eu era quem (ou o quê) precisava de tratamento. Eu era certamente o doido.O lugar onde moro não é o que poderíamos chamar de Mar da Tranquilidade. Eu sabia disto quando para lá mudei. Uma avenida não muito movimentada, mas com um tráfego pesado de caminhões transportando areia e seixos. Mas isto não seria o problema. Minha diferença está com os vizinhos.
A direita, temos o já citado vizinho, aprendiz de terapeuta. Ele, conjuntamente com sua esposa e filha (já mais para titia) criam dois cães no interior da residência, em um exíguo corredor gradeado com menos de 2 metros quadrados. Sustenta que os animais são bem tratados, pois são alimentados diariamente, tem direito a cinco minutos de banho de sol por dia e uma vez por mês consultam um veterinário. Neste diapasão, o diretor da Casa de Custódia torna-se merecedor do Nobel da Paz. Orgulha-se ainda o carcereiro canino de que “durma a hora que for, acorda sempre às 5 da manhã”. Sou testemunha disto. Ele não só acorda às cinco da manhã, inclusive aos sábados, domingos e feriados, como faz questão de acordar a vizinhança toda. Abre o portão da garagem como se estivesse demolindo-o a machadadas. De lá retira (mesmo que não vá utilizar) seus dois veículos, dentre os quais um Santana 85, bordô desbotado, sem um dos silenciadores e com a homocinética banguela. Ele e a filha não tem emprego fixo, mas assim que a matriarca sai para o trabalho eles saem no mesmo rastro. E nessa hora começa a sinfonia canina, num interminável e angustiante latido e rosnar de lamentação.
A esquerda temos outro casal de desempregados que, quando não estão bebendo estão espancando um dos três filhos. Um dos dois deve ser surdo, pois somente se comunicam aos berros. Durante o dia, a cada meia hora o marido empunha sua barulhenta motoneta e vai até a Vila da Paz comprar cerveja barata (3 por R$ 10,00). A noite e madrugada adentro, senta o casal na varanda e curtem suas ressacas ao som estridente de um aparelho fanhoso de som.
A frente temos o boteco do Domingão, que uniformizado de carvoeiro prepara seus espetinhos de origem duvidosa que são ferozmente degustados pelos bêbados de plantão. Seus mais fiéis fregueses começam a chegar por volta das 8 da manhã, e lá permanecem, lambiscando durante todo o dia uma “meiota” de cachaça turva, até a hora de fechar, o que acontece assim que começa a novela das 9. Durante todo o dia e começo de noite, a diversão que rola é escutar música brega em uma “Juckebox” que apelidaram de radiola tremendão, instalada nos fundos do estabelecimento. Por 2 Reais escuta-se (eles e todos do quarteirão) 4 músicas no mais alto volume possível, responsável por destelhar as casas contíguas. Quando o freguês além de bêbado é corno, resolve então escutar uma única música repetidas vezes, até que alguém mais enfezado desliga o aparelho da tomada. Daí o baile brega vira uma bela briga, com direito a garrafadas e cadeiradas.
Nos intervalos desta sinfonia, o filho de uma moradora do pedaço, conhecida como Maria Horizontal, desfila com sua bicicleta onde algum imbecil instalou uma buzina de caminhão movida a fole. O guri diverte-se impedindo que qualquer morador assista o Jornal Nacional ou sua chorosa novela global.
E tocam a buzina, os cachorros latem estressados, passa o caminhão carregado quase atropelando o mudinho, a briga continua ao som de Reginaldo Rossi, o casal aumenta o som da varanda para sobrepor o do Domingão, lá vão buscar mais três cervas, a titia ainda não voltou, o Santana arrancou uma banda do portão, o caminhão do lixo passou direto e deixou o lixo para trás, festa para a centena de gatos que povoam nossos telhados, ...
Para não passar em branco: flagraram o meninote mensageiro do condomínio dando uns “pegas” dentro do elevador na loira quarentona filhinha de papai lá do 7º andar. A justificativa da agarrada: “prefiro ser babá do que enfermeira”.
E eu que sou maluco.
*Arthur Teixeira Júnior é colaborador
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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