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"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti".

A frase acima, de autoria do poeta renascentista John Donne, usada pelo brilhante Ernest Hemingway em seu livro " Por quem os sinos dobram", posteriormente imortalizado no cinema por Gary Cooper e Ingrid Bergman, é capaz de definir o sentimento das pessoas que ainda não perderam a capacidade de se entristecer e de se indignar diante de fatos avassaladores capazes de interferir de forma profunda no cotidiano das pessoas, deixando a sensação repentina de que nada mais será como antes amanhã. São estes sentimentos que historicamente permitiram que a humanidade seguisse em frente, transformando-se e tornando-se melhor. Caso contrário, ainda estaríamos nas trevas da idade média, como ainda se encontram alguns locais do planeta, onde a dor e a opressão são uma constante. Também não veríamos com tanta aversão as guerras, os desastres, os homicídios e todos os infortúnios que se apresentam aos seres humanos.


Quando um desses fatos trágicos acontecem sempre cria-se um clima de comoção intenso e instantâneo. Com a banalização da violência, em sua acepção mais ampla, impulsionada por uma globalização dos meios de informação, estabeleceu-se uma dinâmica diferente: um sinistro fica em destaque até que outro aconteça e os infortunados da primeira tragédia são logo esquecidos e os novos desgraçados viram os alvos das atenções. Mas existem situações que mexem tão profundamente com as pessoas que é preciso expressar esse sentimento de tristeza e revolta de alguma forma principalmente se entre quem se revolta e quem passa pelo infortúnio há uma relação de sangue, de identificação e de pertencimento.Desse modo, quando uma tragédia que resulta em várias mortes acontece com os seus , não há como ficar indiferente.

Em um momento desses, surgem as mais diversas, precipitadas e oportunistas opiniões, razão pela qual não se pode correr o risco de agir de forma irracional e ser leviano. Tragédia não é palco para dividendo político ou promoção pessoal, principalmente quando se trata de vidas humanas. Mas isso não significa apatia e indiferença ou que se discuta o ocorrido.

O rompimento da Barragem Algodões I foi um desses acontecimentos. Tomou de comoção todo o Piauí e até mesmo o Brasil. Passado o momento inicial, é necessário socorrer os desabrigados, enterrar os mortos e consolar os que ficaram. Mas uma pergunta não quer calar: essa tragédia poderia ter sido evitada ? E não me venham com essa história de que o momento não é oportuno porque numa sociedade organizada, cada instituição tem seu papel determinado. Quem socorre não investiga e quem investiga não socorre, sendo que uma atividade não atrapalha a outra. Esse discurso parece mais conversa de quem tem culpa no cartório.

O desenvolvimento das tecnologias possibilitou um certo domínio do ser humano sobre a natureza, possibilitando que este pudesse viver com mais segurança. Sendo assim, se a meteorologia consegue prevê períodos chuvosos e os serviços de engenharia se destinam a construção e conservação de estruturas físicas, porque tantas vidas foram roubadas? Não convencem as afirmações de Lucile Moura, presidente da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí, responsável pela barragem, de que "nenhuma obra de engenharia do mundo" aguentaria a quantidade de chuva registrada. Há engenheiros e "engenheiros", assim como há gestoras e "gestoras". Mais absurdo ainda é culpar os próprios moradores ou todo mundo, como afirmou em alguns sites.

Mas o que mais impressiona nesta história toda é a patética atuação do Governo do Estado, que desconfortável ante a situação, parece se esquivar de uma explicação mais plausível sobre a não retirada das famílias em tempo hábil. Impressiona mas não surpreende, pois o modus operandis é sempre o mesmo. Aliado, por uma questão de conveniência, a partidos e políticos historicamente descompromissados com o nosso Estado, equilibra-se na distribuição de benesses aos seus (principalmente) e aos "novos amigos de infância" e numa ridícula e cacarejante estratégia de marketing, incapaz de convencer, que realmente é feliz quem vive aqui ou de que efetivamente é o governo da modernidade. A exemplo do que acontece em nível nacional, cooptou o movimento social organizado, sempre escalado para raivosamente demonstrar o "apoio popular" (lembram-se do movimento das mulheres com contracheque?) e mostrou-se generoso com os meios de comunicação social, confortavelmente acomodados na folha de pagamento da Secretaria de Comunicação, que comporta-se como agência estatal de publicidade (enganosa, diga-se de passagem).

Seus expoentes arrogantes comportam-se como seus ídolos de regimes totalitários de esquerda (para quem ainda acredita nessa divisão ou afere rendimentos com esse discurso), não aceitam críticas e não acreditam em liberdade de expressão. Sempre dispostos a se defender atacando, desmoralizando ou linchando moralmente, aniquilam toda e qualquer forma de oposição, acreditando que os fins justificam os meios e que a condição de excluídos torna legítimo esse modo de agir. Deliberadamente investiram no enfraquecimento de instituições fundamentais que não estariam ao alcance de seus sufocantes tentáculos. Tudo isso despudoramente.

Felizmente, nem todo mundo se deixa levar pelas esmolas, DAS ou tem a intenção de tomar o papel dos ratos na cadeia alimentar. Vez por outra vem à tona um fato que demonstra que nem tudo é tão cor-de-rosa assim. A CPI do sistema carcerário expôs publicamente a grande mentira, que os jornais repetem exaustivamente, de que houve avanços neste setor, muito mal administrado. A Casa de Custódia está entre os piores do Brasil, apesar de todos os esforços no sentido de impedir que vistorias fossem feitas ou das "maquiagens". O que dizer das estradas esburacadas, providencialmente "reformadas" antes da reeleição? E os factóides e "obras futuristicas" da Secretária de Turismo? Quem não lembra da tragédia do Complexo da Cidadania, onde sete adolescentes morreram queimados, sem que sequer os extintores de incêndio funcionassem? E a posição do Estado nos indicadores sociais? E a saúde? Os pacientes renais?A educação? Muita conversa e pouco resultado. Um grande engodo.

Pobre e sem sorte na condução dos seus destinos, nosso amado Piauí, explorado pela oligarquia que travou seu desenvolvimento, vê-se agora mergulhado nessa conveniente fabrica de ilusões, cercado de incompetentes por todos os lados.

Em um pais sério,lembrando Charles de Gaulle, a postura do poder público seria outro. Teria pelo menos vergonha de agir dessa forma, se esquivando de discutir sua responsabilidade ou jogando para a platéia. No Japão, com certeza, o responsável pelo setor já teria se demitido ou sido demitido ante ao desgaste político. Lá não impera o dito popular de que um quadril lava o outro e líderes não costumam ser tão ineptos.

Resta torcer para que a investigação aponte se tudo foi mesmo uma fatalidade ou se alguém, e quem, autorizou a volta destas famílias ao local. Particularmente eu não acredito no sistema de justiça e muito menos em investigações administrativas, principalmente quando nos deparamos com o próprio titular do executivo estadual concentrando todas as suas energias para convencer a população ou para se convencer de que tudo foi um desastre natural. Não deveria ser o primeiro a exigir uma investigação séria e agir de forma isenta?

Infelizmente, entre o fogo e a água, sete anos passaram e nada mudou pra melhor.

Mas pode ficar tranqüilo, Governador. Os jornais de hoje já se ocupam da queda do avião da Air france e em breve ninguém mais lembrará desta fatalidade que o senhor e os seus , não sendo Deus como afirmou, foi incapaz de antever, assim como já foi esquecida da tragédia com os adolescentes. V. Exa. pode marchar tranqüilo para sua escalada rumo ao Senado. Os espíritos dos garotos e dos afogados com certeza não puxaram seus pés. Tampouco V. Exa. e Dona Lucile precisam ouvir os sinos que dobram.

*Carlos Magno Filho

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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