*Antonio Carlos Pannunzio
Houve um período relativamente longo, no início do século XX, em que a urbanização das principais cidades brasileiras era determinada pelas linhas de bondes, inicialmente movidos a tração animal e, em seguida, a energia elétrica.
A substituição dos veículos sobre trilhos pelos ônibus urbanos ocasionou, logo de saída, um prejuízo sério para as populações mais pobres. Para que um bairro contasse com linha de bonde precisava dispor de eletricidade. Os ônibus prescindiam desse requisito e, com as empresas de transporte associadas, formalmente ou não, à especulação imobiliária, viabilizaram bairros inteiros iluminados à luz de vela ou lampião.
Mas o grande prejuízo foi a total omissão dos poderes públicos municipais em exercer algum tipo de controle e planejamento sobre um item, o transporte urbano, cada vez mais essencial à vida de milhões de indivíduos, pois pouquíssimas são as áreas metropolitanas nas quais o transporte sobre trilhos oferece uma alternativa aos ônibus na área do transporte coletivo.
Ainda hoje, na maioria das cidades, as empresas de ônibus dão as cartas e “jogam de mão”, sem que as Prefeituras sequer entendam o que se acha em causa. Aí está, possivelmente, a origem do perfil monopolístico do setor, com a maioria das empresas que operam o serviço pertencendo a uma mesma família. E, também, da preocupante penetração do crime organizado no setor através do transporte clandestino, que ainda vai fazer muito sangue rolar em nossas grandes cidades.
A reação do poder público só se iniciou na década de 1980 com a introdução com uma afirmação mais clara dos serviços de ônibus como serviço público essencial e criação de instrumentos como o caixa único, associado à remuneração das empresas por quilômetro rodado e não mais por passageiro transportado e a criação de empresas públicas para planejar, monitorar e fiscalizar o desempenho dos sistemas.
Poder-se-ia ter avançado muito mais, em direção a um transporte de qualidade e à acessibilidade da tarifa à totalidade dos cidadãos caso o governo federal houvesse considerado a possibilidade da desoneração tarifária de itens essenciais aos serviços de ônibus urbanos, como óleo diesel, pneus e peças para reposição, proposta pelos prefeitos do País e solenemente ignorada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Agora, forceja-se em São Paulo, por iniciativa de um Tribunal de Contas, cujos métodos de trabalho há muito reclamam um debate mais amplo e arejado, para se reintroduzir, com base em filigranas jurídicas, a cobrança por passageiro transportado. A medida sacrifica o ideal de justiça, que deve orientar à sociedade, a minúcias administrativas. É como se houvéssemos regredido às origens do direito romano, em que a não recitação por um dos postulantes da fórmula litúrgica em que o pedido deveria ser expresso, punha a perder até o mais líquido e certo dos direitos.
O TCE paulista está brincando com fogo. O regresso a um sistema de tarifação recortado sob medida para atender à ganância dos empresários põe em risco a paz e a ordem em nossos grandes centros urbanos. Ônibus que ofereçam transporte digno, confiável e que operem nos horários e locais onde são indispensáveis representam, para a maioria dos brasileiros, a única garantia de chegar ao local de trabalho ou estudo e retornarem em segurança para suas casas sem sobressaltos.
O favorecimento unilateral do quase monopólio dos serviços de ônibus urbanos gera sobressalto para milhões de cidadãos. É uma possibilidade que deve ser prevenida a todo custo e, mediante soluções jurídicas inteligentes e sensíveis, eliminada pela raiz.
*Deputado federal,membro da CCJ, foi líder de bancada e presidente do Diretório Estadual do PSDB/SP, responsável pela reformulação do transporte coletivo de Sorocaba (SP) quando prefeito (1989/1992).
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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