O governo federal, o Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal (STF) assinaram nesta quinta-feira, 6, um acordo de cooperação técnica a pretexto de trazer segurança jurídica para acordos de leniência – espécie de delação premiada de empresas. A assinatura se deu sem o aval de um dos órgãos que têm o papel de atuar nesse tipo de colaboração, o Ministério Público Federal (MPF).
Os acordos de leniência, previstos na Lei Anticorrupção de 2013, formalizam a admissão de crimes por parte de empresas e o compromisso delas de prestarem informações para auxiliar investigações, tendo como contrapartida o alívio em eventuais sanções. Além do TCU e do MPF, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) também podem firmar este tipo de colaboração premiada de pessoa jurídica.
O problema é que, muitas vezes, há disputa entre os órgãos para saber quem deve negociar um acordo com uma determinada empresa.
Embora se diga ‘interessado’ na cooperação, o procurador-geral Augusto Aras disse que ainda aguarda o parecer do setor que acompanha o assunto no MPF, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão. Integrantes do grupo são contrários à proposta encabeçada pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, sob alegação de que o texto não prevê a participação de procuradores na negociação.
No ato da assinatura, Toffoli disse que a cooperação entre os órgãos é um meio de ‘evitar sobreposições e conflitos, antes que o desentendimento entre elas desencadeia a busca por soluções jurisdicionais’. Pelo governo, assinaram os ministros da Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Agora, com o acordo, teremos efetiva segurança jurídica”, disse o advogado-geral, José Levi Mello do Amaral Júnior.
Toffoli afirmou que o entendimento firmado ‘não cria nem retira competências de nenhuma das instituições envolvidas, pois estas decorrem da Constituição e das leis’. Toffoli disse que Aras ainda deve assinar o acordo, o que está sendo interpretado dentro do MPF como uma forma de pressão.
Mas a afirmação do presidente do Supremo de que o acordo é uma ‘grande conciliação institucional’ é contestada não só no MPF, pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, que ainda está elaborando uma nota técnica sobre o pacto, como também por alguns dos principais advogados do País em matéria de acordos de leniência.
Sebastião Tojal, que fechou o acordo da Andrade Gutierrez com o MP primeiro e depois com a Controladoria-Geral da União (CGU), disse que a cooperação, nos moldes em que foi aprovada pelos demais órgãos, não reconhece a competência que por lei foi atribuída ao MP para celebrar acordos dessa natureza.
“A iniciativa é bem-vinda, mas o resultado é frustrante. Desconhece o papel que o MP vem tendo com a celebração de acordos que foram importantíssimos, paradigmas, desde 2015”, disse o advogado, que também fechou acordos pela UTC Engenharia e por uma empresa do grupo CCR.
Tojal explica que o texto restringe à CGU e à AGU a negociação de acordos e prevê que o MPF vai receber informações para promover persecução criminal de pessoas físicas envolvidas com os ilícitos. “Então, não está se reconhecendo ao MPF a sua atribuição legal de tutela também da moralidade administrativa, do erário, e assim por diante, porque só se reconhece a ele o papel de perseguidor criminal do Estado, sendo que o MPF tem competência para propor ações de improbidade”, disse.
Igor Tamasauskas, que representou o grupo J&F em acordo de leniência firmado com o MPF, disse que o documento assinado ‘tem visão hierárquica de um sistema que não funciona com base em hierarquia’.
“Você tem uma tentativa de dizer o que cada órgão tem de fazer, só que você não tem um órgão superior a todos esses que possam estabelecer as condutas de cada um deles. Então, um documento desse tipo deveria dialogar com outro tipo de lógica, a de sincronizar atribuições, e não no sentido de dirigir, porque não tem um órgão superior ao outro”, disse o advogado.
A coordenadora da comissão de leniência da 5ª Câmara do MPF, subprocuradora-geral Samantha Dobrowolki, disse nesta quarta-feira, 5, ao Estadão que ‘o texto da minuta limita a atuação cível e criminal do MPF, equivocadamente’. “É um retrocesso em termos conceituais e também pragmáticos, porque, em 6 anos de Lei Anticorrupção e do instituto dos acordos de leniência na esfera anticorrupção, a experiência já tem produzido bons frutos, inclusive na atuação coordenada ou até conjunta do MPF com a CGU e a AGU”, afirmou Samantha Dobrowski. Uma nota à imprensa do MPF na quinta-feira disse que o procurador-geral da República tem interesse em aderir à parceria com os outros órgãos, mas nos bastidores a avaliação é que, nos moldes propostos, Aras não teria como assinar.
Cooperação
De acordo com o texto que prevê a cooperação entre os órgãos, a CGU e a AGU se comprometem a, durante negociações para firmar acordos de leniência, compartilhar informações com o TCU para que o tribunal possa agir de acordo com sua competência, à medida em que as informações forem sendo recebidas.
Da mesma forma, a CGU se compromete a informar ao MPF e à PF o envolvimento de pessoas físicas em crimes que estejam sendo investigados em procedimentos abertos com base na Lei Anticorrupção e com base na Lei de Improbidade Administrativa, igualmente, se isso não comprometer os trabalhos do órgão.
Por sua vez, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União devem acionar a CGU e a AGU se surgir a possibilidade de assinatura de acordos de leniência, no curso de investigação sobre crimes praticados por empresas, desde que a medida não coloque em risco trabalhos em andamento.
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