O juiz Litelton Vieira de Oliveira, da 2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina, recebeu a petição inicial da ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo Estado do Piauí e decretou o bloqueio e a indisponibilidade de R$ 104.447.310,94 (cento e quatro milhões, quatrocentos e quarenta e sete mil, trezentos e dez reais e noventa e quatro centavos), além da quebra do sigilo bancário e fiscal da SPE Piauí Conectado S/A, dos empresários Emerson Thiago da Silva (diretor-presidente da SPE Piauí Conectado), Dilson César Daleffe (diretor-administrativo da SPE Piauí Conectado), Leonardo Alexandre Chagas (diretor de operações da SPE Piauí Conectado), Edson Luiz Ribeiro da Silva (sócio-fundador da Piauí Conectado) e das empresas Globaltask Gestão e Tecnologia S/A; HPAR Participações S/A; H.TELL Telecom Soluções em TI S/A; Stron Infraestruturas; BaoBing Infraestrutura de redes S/A; Hprint Reprografia e Automação de Escritório LTDA; ELRS Participações Ltda; e a Megaon Telecom LTDA.
A decisão também determina o afastamento administrativo e a proibição de acesso, por qualquer meio, ao Datacenter e a todos os computadores, documentos e/ou bancos de dados, que foram objeto ou utilizados pela Concessão "Piauí Conectado", independentemente de eventual discussão quanto aos efeitos administrativos dos decretos de intervenção e caducidade, ou quanto aos montantes de indenizações contratuais a quaisquer das partes.
Todos os réus também estão proibidos pela Justiça, até o final da ação de improbidade, de se aproximarem dos equipamentos, documentos, sistemas e banco de dados utilizados pela propriedade da extinta concessão.
Estado do Piauí pagou R$ 252 milhões a Piauí Conectado
Conforme a petição inicial, no dia 05 de julho de 2018, o Estado do Piauí e a Sociedade de Propósito Específico SPE Piauí Conectado celebraram “contrato de parceria público privada para construção, operação e manutenção de infraestrutura de transporte de dados, voz e imagem, incluindo serviços associados para o Governo do Estado do Piauí” com prazo de duração previsto de 30 anos tendo movimentado elevadíssimos valores, sendo que até outubro de 2023, o total de pagamentos realizados pelo Estado foi de R$ 252.884.423,63 (duzentos e cinquenta e dois milhões, oitocentos e oitenta e quatro mil, quatrocentos e vinte e três reais e sessenta e três centavos).
O objetivo da parceria público-privada era a de constituir uma Sociedade de Propósito Específico - SPE; construir (como patrimônio exclusivo dessa SPE, financiado com apoio em pagamentos realizados com recursos estaduais) uma rede de infraestrutura tecnológica de internet para uso dos órgãos públicos em todo o Estado; prestar (exclusivamente por meio dessa SPE) serviços de fornecimento de link de internet para órgãos públicos estaduais e pontos de acesso público gratuito nos 224 municípios do Piauí; e ao fim, reverter ao Estado do Piauí os bens reversíveis adquiridos pela SPE em decorrência do contrato.
Para Isso, a SPE recebeu, segundo a denúncia, elevados valores para construção da infraestrutura tecnológica (bens reversíveis) e para prestar os serviços para conexão de órgãos públicos e pontos de acesso público à internet.
Ação relata inúmeras irregularidades
Contudo, o Estado relatou que a partir de 2023 graves problemas foram detectados na execução do referido contrato e que após nota técnica emitida pelo Comitê de Monitoramento e Gestão do Contrato, a Administração tomou conhecimento de “indícios que a empresa está superdimensionando custos operacionais e superfaturamento de valores”, na destinação dos recursos para realização de investimentos na construção da rede de fibra ótica (CAPEX) e para o custeio da operação da referida rede (OPEX).
Consta que a concessionárias estava destinando poucos recursos à construção da infraestrutura, apenas 35%, com uma proporção excessiva para as despesas de custeio da operação, 65%, numa razão inversa à que deveriam ser aplicados os recursos.
Por essas razões, o Estado declarou que uma série de medidas administrativas passou a ser adotada por meio do poder de regulação e fiscalização do contrato:
- foram acionadas as cláusulas contratuais pertinentes para que a Concessionária SPE Piauí Conectado informasse de forma objetiva como estava sendo investido a verba pública recebida (fornecendo o inventário atualizado dos bens de infraestrutura adquiridos, reversíveis ao Concedente ao fim do Contrato), além de balanços auditados;
- instauração de processo administrativo sancionador no qual foi aplicada medida cautelar administrativa com a finalidade de induzir o cumprimento do dever de prestar contas previsto em lei e no contrato depois que a concessionária se recusou a informar como vinha utilizando a verba pública;
- intervenção na Concessão Administrativa na SPE Piauí Conectado S/A;
- Processo Administrativo conduzido pelo interventor nomeado no qual são apresentadas as investigações realizadas e os indícios probatórios colhidos durante a intervenção;
- Processo Administrativo da Intervenção que constatou a existência de diversas violações a deveres legais e contratuais, que explicam a ausência de correta demonstração dos investimentos realizados, e ainda de diversas outras graves condutas da Concessionária e de seus sócios e parceiros, que configuram atos de improbidade administrativa, com elevados prejuízos ao erário e;
- caducidade do Contrato de Concessão, por meio do decreto nº 22.785, de 26 de fevereiro de 2024, após o regular processo administrativo instaurado para demonstrar os motivos da intervenção dando fim ao vínculo contratual.
No referido decreto de caducidade foram elencados os seguintes atos de improbidade administrativa: descumprimento do objeto contratual e dos anexos do contrato; desvio das receitas acessórias a serem compartilhadas com o Poder Concedente; contratação de terceiros sem comunicação ao Poder Concedente; falta de transparência e integridade na execução do contrato; não cumprimento das garantias e constituição de seguros; ausência de inventário de bens reversíveis e uso ilícito dos bens reversíveis afetos à concessão; ausência de transparência nos financiamentos realizados; dívidas tributárias; confusão patrimonial; atos passíveis de responsabilização, nos termos do relatório do processo administrativo n° 0002.014074/2023-16 e ata da 36ª Reunião do Conselho Gestor de Parceria Público-Privada do Estado do Piauí.
“Como resultado das investigações realizadas pelo interventor, ao fim, foi desmascarada a existência de associação de 4 (quatro) ou mais pessoas de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem ilícita, mediante a prática de atos tipificados como improbidade administrativa, os quais, muito provavelmente, também podem ser enquadrados como infrações penais, conforme será analisado pelo douto Ministério Público Estadual oportunamente”, diz trecho da denúncia Procuradoria Geral do Estado.
“Empresa de fachada”
Ainda conforme a denúncia, as provas descobertas na investigação realizada pelo interventor trouxeram à luz esquema organizado de infrações à legislação e ao contrato, utilização ilícita de verbas públicas e do patrimônio público.
Foi constatado que os três diretores da Piauí Conectado, Emerson Thiago da Silva, Dilson César Daleffe e Leonardo Alexandre Chagas passaram a permitir, concorrer e facilitar que as vultosas verbas e patrimônio públicos fossem utilizados de forma ilícita, transformando a SPE Piauí Conectado S/A em uma verdadeira empresa de fachada, por meio da qual eram recebidos os valores públicos que eram, posteriormente desviados para o “grupo empresarial” chefiado por Edson Luiz Ribeiro da Silva a pretexto de terceirizar as obrigações legais e contratuais da sociedade de propósito específico criada para realizar o objeto da concessão.
O “grupo empresarial”, liderado pelas empresas HPAR e Globaltask, era composto por Globaltask Gestão e Tecnologia S/A, HPAR Participações S/A, H.TELL Telecom Soluções em TI S/A, Stron Infraestrutura, BaoBing Infraestrutura de redes S/A, Hprint Reprografia e Automação de Escritório LTDA, ELRS Participações LTDA e Megaon Telecom LTDA que “passaram a utilizar indevidamente as verbas públicas e os bens públicos da Concessão como se fossem seus bens exclusivamente particulares, auferindo assim rendas milionárias por meio da intermediação de contratos para a construção da infraestrutura de fibra ótica e, posteriormente, vendendo a particulares direitos de utilização dos bens públicos para realizar acesso privado à internet”.
“Nesse modus operandi, a SPE Piauí Concectado S/A servia como instrumento jurídico para antecipação de receitas (contraprestações públicas, financiamentos privados e receitas acessórias com venda de acesso à internet para terceiros), alocando-se na referida empresa, que mantinha o contrato de concessão com o Estado do Piauí, dívidas milionárias sem o mínimo de transparência exigida na Administração Pública e de entidades privadas responsáveis por cometimentos públicos”, denunciou o Estado do Piauí.
Foram elencados ainda os cinco elementos centrais das condutas dos denunciados que ferem o contrato administrativo e os princípios da Administração e ainda causam graves prejuízos ao erário: deixar de construir a infraestrutura de tecnologia em obediência forma prevista no contrato administrativo, que interessava à administração e que incluiria os bens reversíveis; constituir elevadas dívidas para a pessoa jurídica da concessionária SPE Piauí Conectado; desviar os pagamentos recebidos pela concessionária do Estado para as diversas empresas do grupo Globaltask; permitir que as empresas do “grupo econômico” explorem economicamente os bens reversíveis afetados ao serviço público e mão de obra que compõem as redes efetivamente construídas e sua operação; e deixar de prestar contas quando expressamente exigido por lei, com a finalidade de ocultar as graves infrações descritas acima.
Outro indício do esquema fraudulento apontado pelo Estado é o fato de que 4 empresas do grupo, que funcionam em Mato Grosso, Globaltask Tecnologia e Gestão S/A, HPAR Participações S/A, HPrint Reprografia e Automação de Escritório LTDA e ELRS Participações LTDA, são sediadas exatamente no mesmo endereço. As 2 empresas que hoje são sediadas em Teresina, anteriormente, eram também sediadas no mesmo endereço no Estado de Mato Grosso.
Irregularidades contábeis graves
Foram constatadas ainda irregularidades contábeis graves com objetivo de ocultar a efetiva destinação dos recursos recebidos. Os auditores identificaram, dentre outros, os seguintes vícios contábeis:
- adiantamento de pagamento a fornecedores, com partes vinculadas à concessão, de forma recorrente. Em 2022, foram identificados na contabilidade da Piauí Conectado um total de R$72.624.969,94, dentre eles para as empresas H.Tell, Bao Bing e Globaltask;
- divergências entre os saldos ativo, passivo e o patrimônio líquido das demonstrações publicadas e os demonstrativos apresentados;
- além das divergências de saldos encontradas de um exercício para outro, também foram identificadas diferenças no plano de contas, dificultando o entendimento e clareza do Balanço Patrimonial;
- o passivo financeiro e bancário não foi devidamente detalhado pela SPE, sendo necessário investigar os contratos financeiros firmados pela Concessionária para avaliar se não houve condições mais vantajosas que poderiam ter sido repassadas ao poder concedente;
- o ativo tangível (CAPEX) informado é de R$ 344 milhões, porém identificou-se divergências na relação de bens reversíveis apresentada pela SPE em relação ao previsto no contrato. Constatou-se também dificuldade de rastrear a composição e evolução do ativo financeiro, que contabiliza o valor a receber pelo contrato, visto que a contraprestação paga pelo Estado não segrega parte referente a CAPEX e OPEX;
- dos R$ 344 milhões [supostamente] investidos pela SPE, 62% (sessenta e dois por cento) do valor já foi pago pelo Estado;
- o capital social inicial da SPE era de R$5,8 milhões, valor mantido até 2020. Em 2021, houve um aumento expressivo para R$15,1 milhões. Identificou-se que não há detalhamento para essa capitalização superior a 160% em um único ano;
- o patrimônio líquido cresceu 20% entre 2021 e 2022, saltando de R$32 milhões para R$86,6 milhões (este aumento é superior a 20%), expansão muito acima da variação histórica;
- margem líquida prevista de 37% mas realizada de 69% em 2021, apoiada em um OPEX elevado de 74% da receita versus 37% orçado.
Desvio de dinheiro
Foi citado também pela Procuradoria Geral do Estado que os valores de propriedade da SPE Piauí Conectado contidos do CITBANK foram dolosamente subtraídos pelos diretores Emerson e Dilson, ambos suspensos, no dia 12 de dezembro de 2023, e transferidos para conta bancária da Globaltask Gestão e Tecnologia S/A.
“A conduta acima além de constituir ato ímprobo grave, apresenta fortes indícios de constituir crime patrimonial, o que se pede que seja analisado pelo titular da ação penal quando de sua manifestação”, diz trecho da denúncia.
Utilização indevida da rede da Piauí Conectado
O Estado relatou ainda na denúncia que elementos colhidos apontam para utilização indevida da rede da Piauí Conectado pela Megaon que possui 99 pontos de atendimentos com 50 contratos ativos sendo que, nesse contexto, além de utilizar a infraestrutura da Piauí Conectado para realizar os atendimentos de clientes, a Megaon depende das atividades de manutenção da infraestrutura externa e backbone realizadas pela Piauí Conectado S/A.
“Constatou-se que a renda acessória, na qual 50% (cinquenta por cento) pertence ao Estado do Piauí, sofreu desvio para uma empresa nominada Megaon, que, conforme demonstrado, pertence ao aglomerado de empresas da HPAR, apenas utilizando nomes de terceiros para disfarçar a propriedade”, pontuou a denúncia.
Foi apontado que a concessionária através de uma empresa nominada STRON, filial da H.TELL, desenvolveu negócios e domínios de mercado, em proveito próprio, se utilizando da estrutura do Estado do Piauí, sem que fosse realizado qualquer comunicado ao Poder Concedente.
Sabotagem
Após a decretação da Intervenção, o Estado declarou que na tentativa de esconder seus malfeitos, os denunciados passaram a realizar atos de sabotagem da investigação, causando grave risco de destruição de provas e evidências em computadores e documentos.
“A sabotagem se deu por meio de diversas condutas. No dia 05 de dezembro de 2023 foi decretada a intervenção e dia 06 de dezembro de 2023, durante o turno da manhã, a equipe de intervenção conseguiu acesso ao Container que abriga o Datacenter da SPE Piauí Conectado. Porém, neste mesmo dia, no turno da tarde, o acesso de todos os analistas da empresa do foi desativado por pessoa desconhecida, inclusive do analista que havia acompanhado a visita técnica no turno da manhã. É importante destacar que antes da intervenção possuíam acesso ao Data Center os analistas do NOC vinculados à SPE Piauí Conectado e os analistas da empresa BaoBing, vinculada ao Grupo HPAR, controladora da empresa Globaltask, entretanto, após o cancelamento em massa das credenciais, apenas os funcionários da BaoBing (Grupo Hpar) permaneceram com acesso”, informou na denúncia.
Tendo como base todo o argumento já explanado, o Estado do Piauí acionou o Poder Judiciário requerendo que sejam aplicadas as regras de direito processual e material da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 e de todo o microssistema jurídico relativo à ação de improbidade, para que sejam efetivadas as devidas sanções aos denunciados pelas condutas ímprobas e para que sejam adotadas todas as medidas autorizadas pelo direito pátrio para garantir o integral ressarcimento ao erário estadual.
Outro lado
O GP1 entrou em contato com a assessoria da Globaltask, ex-concessionária da Piauí Conectado, mas não tivemos resposta até a publicação da matéria. O espaço está aberto para esclarecimentos.
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