O juiz Robledo Moraes Peres de Almeida, da Vara Única de Caracol, julgou um caso inusitado na comarca. Em decisão proferida nessa quinta-feira (17), o magistrado negou reintegração de posse a um homem que perdeu bens em uma aposta sobre o resultado das últimas eleições naquele município, no ano de 2020.
De acordo com a sentença, dois eleitores do município de Caracol assinaram contrato celebrando uma aposta sobre o resultado da eleição de 2020 para prefeito da cidade, aposta essa que envolvia bens imóveis, animais, veículos e dinheiro em espécie.
O homem que perdeu o acordo havia apostado imóveis e animais que totalizam R$ 215 mil, enquanto o vencedor apostou dois veículos e dinheiro em espécie, no valor total de R$ 225 mil.
Ocorre que, após o resultado da eleição o vencedor se apossou de um dos imóveis que ganhou e o homem que perdeu a aposta ajuizou ação de reintegração de posse para reaver os bens perdidos, argumentando que fez tudo sem o consentimento de sua companheira.
Juiz desabafa em decisão
Ao analisar a petição, o juiz Robledo Moraes registrou sua tristeza em ter que julgar esse tipo de ação. Ele lamentou o fato de pessoas estarem esbanjando dinheiro em uma região tão pobre e carente.
“Registro a lamentação deste Magistrado em ter que julgar esse processo. Em uma região tão pobre e carente, como o extremo do sul e sertão do Piauí, pessoas esbanjam elevados valores em aposta sobre o resultado da eleição, enquanto a maioria da população sofre com a seca, a fome e a inexistência contínua do serviço público de fornecimento de água”, declarou.
O juiz afastou o argumento de que a companheira do autor da ação não teria conhecimento da aposta, pois, segundo ele, “tais apostas eram comentadas no município e ostentadas em redes sociais”. O magistrado frisou que a necessidade de autorização da companheira só se aplicaria se eles fossem casados, contudo, o casal mantém apenas união estável.
Diante disso, o magistrado julgou improcedente o pedido e citou o Art. 814 do Código Civil, que afirma que um cidadão que perde aposta não é obrigado a pagar, mas, em caso de pagamento, não pode recobrar o que perdeu. O juiz entendeu que a posse não seria injusta, pois não foi violenta, clandestina ou precária, mas oriunda de acordo anterior.
“O pedido deve ser julgado improcedente, pois, embora a dívida de aposta não obrigue o pagamento (art. 814 do CC), é inegável que moralmente houve a celebração de um contrato entre as partes (inclusive com assinaturas reconhecidas em cartório), que agora não está sendo honrado por um dos apostadores, rompendo uma tradição dos municípios do interior, nos quais era costume se dizer ‘que a palavra vale mais do que o papel’”, destacou.
Além disso, o juiz também destacou um princípio do Direito intitulado nemo auditur propriam turpitudinem allegans, que significa que nenhuma pessoa pode fazer algo incorreto ou ilegal e depois querer se beneficiar da conduta imprópria. “Deste modo, o art. 814 do CC deve ser interpretado em conjunto com a boa fé, com o respeito à autonomia da vontade e com o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (Nemo auditur propriam turpitudinem allegans)”, concluiu o magistrado.
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