Cerca de 15 milhões de chilenos vão às urnas neste domingo, 4, no referendo que vai definir se o Chile adota a proposta de uma nova Constituição. As últimas pesquisas de opinião indicam vitória da opção “rechaço” ao texto apresentado em julho deste ano pela Assembleia Constituinte, o que implicaria uma derrota política para o presidente Gabriel Boric, no cargo desde março.
A nova Carta, caso aprovada, substituirá o texto constitucional de 1980, elaborado na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), encerrada por uma outra votação: o plebiscito de 1988, quando os chilenos disseram não à ditadura do general, uma das mais brutais da América Latina, com mais de 3 mil mortos e 35 mil torturados, segundo relatórios oficiais.
Naquela época, Pinochet convocou o plebiscito com a intenção de legitimar sua permanência no poder até 1997 com uma vitória, mas perdeu por 55,99% dos votos a favor do não e 44% pelo sim. A participação em massa dos chilenos (97% dos eleitores foram às urnas) e levou o ditador a reconhecer o resultado e iniciar o processo de transição democrática. Na votação de hoje, o comparecimento também deve ser um fator decisivo para o resultado.
Discurso político
A campanha do “aprovo” pela nova Constituição tem usado a imagem do referendo de 1988, que marcou uma geração de chilenos, para mobilizar os votos pela aprovação da Carta. No último dia de campanha do plebiscito, na quinta-feira, os paralelos entre 1988 e o atual processo eram evidentes nas ruas de Santiago, capital chilena, uma das únicas regiões onde o “aprovo” aparece favorito nas pesquisas.
Milhares de partidários da nova proposta marcharam na cidade com cartazes que pediam “o fim da Constituição de Pinochet” e lembravam Salvador Allende, presidente chileno assassinado no golpe de estado promovido pelo ditador e pelas força armadas em 1973. Nas redes sociais, relembraram o processo que rejeitou a ditadura: “Hoje, mais de 30 anos mais velho, digo mais uma vez NÃO ao pesado legado de Pinochet. #Apruebo uma nova constituição para o Chile, que o deixa para trás e dá lugar ao novo”, escreveu uma chilena.
Analistas observam semelhanças e diferenças entre os dois momentos históricos. Assim como em 1988, o Chile vive hoje uma crise econômica marcada pelo aumento da inflação. E também como há quase 35 anos, a participação popular e, sobretudo, dos jovens, pode ser decisiva na votação.
Nas vésperas da votação de 88, o grupo etário que mais era favorável ao não eram os chilenos que possuíam entre 18 e 30 anos. Desta vez, 41,3% dos chilenos com esta idade têm intenção de votar “aprovo”, contra 33,8% que defendem o “rechaço”.
Em contrapartida, entre os mais velhos – dentre os quais estão eleitores de 1988 – o ‘rechaço’ prevalece com 47,8%. Em 1988, também foi na faixa etária mais velha (pessoas acima de 55 anos) que o “sim” prevaleceu. “Em geral, costuma haver entre os mais velhos um temor pelo desconhecido promovido pela mudança”, avaliou a cientista política da Pontificia Universidad Católica de Chile (PUC Chile), Julieta Suárez-Cao.
Na avaliação de Roberto Izikson, diretor de assuntos públicos do Cadem, maior instituto de pesquisa do Chile, as duas gerações de jovens (de 1988 e a atual) possuem em comum a desconfiança do sistema político e do capitalismo como modelo econômico. O contexto de crise econômica, com inflação alta, também se repete.
“Em 1988, as condições eram adversas para a ditadura militar e ajudaram o ‘não’ a conquistar uma diferença significativa”, disse. “Hoje, essas mesmas condições são adversas para o governo atual (de Gabriel Boric) e, portanto, mobilizam melhor o ‘rechaço’ à nova carta.
O efeito político de uma vitória do “rechaço” também poderia causar outra semelhança entre os processos: afetar o governo em vigência. “Se o ‘rechaço’ obtiver uma porcentagem maior do que o ‘não’ obteve em 1988 ou mais votos do que o presidente Boric obteve no segundo turno (em 2021), deixada o governo em uma posição muito complexa e o presidente necessitará de uma habilidade política alta para reconfigurar os próximos três anos de governo”, disse Izikson.
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