Com a onda de contágios por causa da variante Ômicron do novo coronavírus, em janeiro, ainda mais para trás, os brasileiros puderam voltar a frequentar normalmente bares e restaurantes, hotéis, cinemas e salões de beleza, impulsionando o crescimento econômico do segundo trimestre. Puxado pelo setor de serviços, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todo o valor gerado na economia) avançou 1,2% na comparação com o primeiro trimestre, informou nesta quinta-feira, 1º, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desempenho veio acima do 0,9% estimado por analistas em pesquisa do Estadão.
O desempenho positivo foi generalizado: o setor de serviços apresentou alta de 1,3%; a indústria, de 1,9%; e agropecuária, de 0,5%;, compensando a queda verificada no início do ano, por causa da quebra da safra de soja.
A força da “normalização” das atividades do setor de serviços, que já havia puxado a economia nos três primeiros meses do ano, garantiu um desempenho melhor do que o esperado na primeira metade de 2022. A desaceleração do ritmo da economia, por causa dos juros mais elevados, ainda é esperada por economistas, mas a expectativa de freada foi adiada para o fim do ano. Antes mesmo da divulgação dos dados do PIB do segundo trimestre, economistas já esperavam um crescimento econômico em torno de 2,0% neste ano fechado, bem acima das projeções de variação perto de zero, consenso em janeiro.
“A demanda reprimida da pandemia e a geração maior de empregos foram os principais fatores para o crescimento [no segundo trimestre]. Ele está mais associado a uma melhora estrutural da economia do que a uma melhora cíclica por impulsos do governo”, afirma a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria.
A recuperação da “demanda reprimida” já era esperada por economistas. Após quase dois anos sem poder frequentar normalmente bares e restaurantes e demais serviços que dependem de contato pessoal, os consumidores retomaram esses gastos com força. Com isso, pela ótica da demanda do PIB, o consumo das famílias – cerca de metade dele é direcionado para os serviços – avançou 2,6% ante o primeiro trimestre, enquanto a formação bruta de capital fixo (FBCF, a conta dos investimentos no PIB) avançou 4,8%.
Para Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, a alta do consumo pode ser classificada como um “mini-boom”. A economista lembrou que, desde meados do ano passado, analistas vinham ressaltando que o fim da pandemia poderia provocar tal impulso, pois as famílias, especialmente as de maior renda, seriam liberadas para gastar parte relevante de seus rendimentos em serviços, como sempre costumavam fazer.
Inicialmente, se esperava a recuperação da demanda reprimida para as festas de fim de ano de 2021, mas ela não veio. Em seguida, uma parte do movimento ocorreu no primeiro trimestre deste ano. Agora, ele parece ser vindo com força no segundo trimestre. “Nesse [segundo] trimestre parece ter sido isso. As pessoas foram para festas, casamentos. Acumulou tudo”, diz Matos.
Para além dessa recuperação “cíclica”, relacionada à normalização, Vitória, do Banco Inter, cita o desempenho dos serviços administrativos e de tecnologia da informação como sinais de “melhora estrutural” da economia. “Atribuímos isso aos novos marcos regulatórios aprovados, como a Lei da Liberdade Econômica”, diz a economista.
Empregos
Além disso, como as atividades que voltaram ao normal estão entre as que mais empregam no País, a geração de vagas de trabalho também ajuda a sustentar a demanda doméstica. No segundo trimestre, a população ocupada aumentou em 3,1% na comparação com os três primeiros meses do ano, o que indica a abertura de 2,994 milhões de postos de trabalho, entre formais e informais, conforme dados já divulgados pelo IBGE.
Para a economia, o efeito é positivo, ainda que as vagas paguem salários, em média, menores e que a inflação corroa a renda. Pode não ser um ciclo virtuoso de aumento da demanda sustentada pelo mercado de trabalho, mas é mais um fator a impulsionar a demanda doméstica.
“O salário médio real deverá ter queda no ano de 3%. Por outro lado, a ocupação [o número total de empregados] deverá crescer cerca de 9%. A massa de rendimento, que é a composição entre a ocupação e o salário médio, terá um crescimento importante”, diz Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.
O ritmo de geração de empregos tem surpreendido economistas. Segundo Ribeiro, a quantidade de vagas criadas tem sido superior à estimada por modelos matemáticos que estabelecem correlações entre o nível de atividade econômica e o mercado de trabalho, com base nos padrões históricos. Por isso, diz a economista, já se debate, entre especialistas em mercado de trabalho, se a reforma das regras trabalhistas de 2017 não estaria incentivando a geração de empregos – a redução do risco de litígios trabalhistas no Judiciário e a flexibilização de regras estariam incentivando as contratações em meio à retomada, num ritmo superior ao padrão de outras recuperações da economia.
Um terceiro fator a impulsionar a demanda doméstica são as medidas do governo federal para apoiar a renda das famílias mais pobres. Entre elas, se destacam a elevação do Auxílio Brasil, programa que sucedeu o Bolsa Família, para R$ 400 ao mês – o aumento mais recente, para R$ 600, não teve efeito no segundo trimestre –, a antecipação do pagamento do 13º-salário de aposentados e pensionistas e a liberação de saques do FGTS. A normalização pode pesar mais, mas cálculos da Tendências estimam que somente a liberação de saques do FGTS adicionará 0,2 ponto porcentual no crescimento do PIB de 2022, conforme Ribeiro.
Inflação e juros
Os três fatores – a normalização das atividades, a geração de empregos e as medidas do governo – venceram dois obstáculos ao crescimento da demanda doméstica, a inflação elevada e a elevação dos juros para esfriar o ritmo da economia e, dessa forma, combater a pressão de preços. Segundo Matos, do Ibre/FGV, não é que a forte alta na taxa básica de juros empreendida pelo Banco Central (BC) – a Selic passou de 3,5% ao ano, no segundo trimestre de 2021, para 12,75% ao ano, em igual período deste ano – não tenha surtido efeito. O aperto monetário já apareceu no consumo de bens duráveis. Só que os três fatores falaram mais alto do que os juros elevados na dinâmica da demanda doméstica, pelo menos até o segundo trimestre.
Para a segunda metade do ano, economistas seguem esperando que esses obstáculos ganhem protagonismo, levando a uma desaceleração. Neste terceiro trimestre, as novas medidas do governo – além da elevação do Auxílio Brasil para R$ 600 por mês, são destaque os auxílios emergenciais para determinadas categorias profissionais, como taxistas e caminhoneiros – deverão dar um fôlego novo para a demanda, mas o efeito tende a ser temporário.
No fim das contas, a freada na economia deverá apenas ser adiada para o quarto trimestre. A equipe de analistas do Banco MUFG Brasil espera retração de 0,3% no PIB dos três últimos meses do ano, frente a este terceiro trimestre. “Isso decorre principalmente dos efeitos da política monetária sobre a atividade”, diz o economista-chefe da instituição, Carlos Pedroso.
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