Ainda enfrentando o calor escaldante que provocou incêndios florestais, fez termômetros marcarem temperaturas recordes e reduziu o volume de alguns de seus principais rios, a Europa começa a se preparar para um inverno difícil sem o abastecimento de gás russo. Países como Alemanha, França, Reino Unido e Suíça já anunciaram medidas para reduzir o consumo de energia nos próximos meses, uma tentativa de acumular reservas para o período mais frio do ano.
A Alemanha aprovou nesta quarta-feira, 24, uma norma que restringe o aquecimento em prédios públicos e proíbe a instalação de painéis publicitários luminosos por um prazo de seis meses. A Suíça estabeleceu uma meta voluntária de reduzir em 15% o consumo de gás até a chegada do inverno. O Reino Unido reconheceu que a pressão sob o sistema energético britânico alcançou níveis “extremos”, passando a projetar os piores cenários em caso de escassez, como restrições no fornecimento de gás à indústria e centrais elétricas, resultando em cortes de energia para empresas e residências. Na França, o presidente Emmanuel Macron alertou que a população precisará fazer “sacrifícios” pelo fim do que chamou de “era de abundância” em sua primeira reunião de gabinete após as férias de verão.
As iniciativas nacionais são parte de um esforço dos países europeus por um objetivo comum: superar a principal crise proveniente do apoio a Kiev na guerra na Ucrânia, que entrou no 6° mês nesta quarta-feira. O envio de armas a Kiev e as sanções aplicadas à Rússia e a autoridades e personalidades do país ligadas ao presidente Vladimir Putin acenderam um alerta sobre um possível boicote de Moscou por meio do fornecimento de gás - principal matriz energética utilizada para o aquecimento de residências em certos países.
A preparação dos europeus começou a tomar forma em meados de junho, quando os países da União Europeia chegaram a um acordo para reduzir o consumo de gás natural em 15% a fim de diminuir a dependência energética da Rússia. A legislação, que inicialmente previa medidas voluntárias pelos países, continha também um gatilho para ações obrigatórios, caso os objetivos não fossem alcançados.
A Rússia não chegou a anunciar um corte total no fornecimento de gás à Europa, mas certas sinalizações aumentaram o nível de preocupação no continente sobre o uso político do gás e já impactam no preço da energia: o megawatt-hora de energia passou dos 300 euros nesta quarta-feira, após anúncios da estatal russa da Gazprom de que vai suspender o fornecimento de gás pelo NordStream 1, principal gasoduto da Europa, entre 31 de agosto a 2 de setembro, alegando razões técnicas e de manutenção.
O receio é de que sem um recuo nas posições adotadas pela guerra na Ucrânia, os cortes aumentem, se tornem mais constantes ou mesmo definitivos, à medida que o inverno se avizinha. Potencialmente, as consequências poderiam variar de apagões, frio extremo para parte da população e consequências econômicas graves para além do preço da energia.
“Os governos ocidentais devem (no próximo inverno) ou fazer um convite à miséria econômica em uma escala que testaria o tecido da política democrática em qualquer país, ou enfrentar o fato de que o fornecimento de energia restringe os meios pelos quais a Ucrânia pode ser defendida”, disse Helen Thompson, professora de Economia Política da Universidade de Cambridge em artigo publicado no Financial Times.
Pela via política, lideranças europeias tentam resistir. Em Paris, no primeiro Conselho de Ministros após as férias de verão, Macron afirmou que as dificuldades dos próximos meses seriam “o preço a se pagar” por defender a liberdade na Ucrânia. “Nosso sistema baseado na liberdade em que nos acostumamos a viver, às vezes, quando temos que defendê-lo, pode significar fazer sacrifícios”, afirmou.
Na terça-feira, 23, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, afirmou que a UE deve reafirmar sua unidade para frustrar os plano de Putin - que segundo ele, aposta em uma ruptura do apoio do bloco à Ucrânia. De acordo com Borrell, Putin observa a “relutância” dos europeus “em arcar com as consequências de apoiar a Ucrânia”, o que obriga a UE a “suportar e diluir os custos” do conflito, que começou há seis meses, com a invasão russa da Ucrânia.
Borrell também enfatizou a necessidade de “assumir e distribuir os custos” da energia e defendeu uma reforma da definição dos preços, que atualmente estão indexados aos preços do gás. O “presente mais bonito” que a Europa pode dar à Rússia agora é “pagar pela eletricidade ao preço do gás”, concluiu.
Uma reunião entre os ministros das Relações Exteriores e da Defesa da UE está marcada para os dias 30 e 31 de agosto em Praga, para discutir o apoio à Ucrânia e a continuidade da campanha de pressão contra a Rússia.
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