Menos de 24 horas depois de Rússia e Ucrânia assinaram um acordo da ONU sobre a exportação segura de grãos pelo Mar Negro, Kiev acusou Moscou de bombardear a cidade de Odessa, que abriga o mais importante porto do país. O acordo, assinado na última sexta-feira, 22, na Turquia, foi o primeiro firmado publicamente entre as duas nações em guerra e visa aliviar uma crise global de alimentos que pode provocar a fome em milhões de pessoas.
Os bombardeios colocam em xeque o acordo para facilitar o transporte de mais de 20 milhões de toneladas de grãos ucranianos, intermediado pela ONU e pela Turquia, antes mesmo que este possa ser posto em prática. O acordo foi visto como crítico para reforçar a oferta global depois que uma queda acentuada nas exportações de grãos da Ucrânia levantou temores de escassez de alimentos nos países mais pobres.
O comando militar do sul da Ucrânia disse neste sábado que as forças russas dispararam quatro mísseis de cruzeiro Kalibr em Odessa. “Dois foguetes foram derrubados por forças de defesa aérea, dois atingiram instalações de infraestrutura portuária”, escreveu em comunicado publicado em sua página no Facebook. Os avisos de ataque aéreo na cidade soaram por volta das 11h, horário local (5h de Brasília).
A condenação da Ucrânia foi rápida. Oleg Nikolenko, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, disse no Facebook que, com os ataques, o presidente Vladimir Putin da Rússia “cuspiu na cara” do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia depois que os dois “despenderam um esforço enorme para chegar a esse acordo”.
Não houve comentários imediatos do Kremlin. O ataque ocorreu um dia antes de o ministro das Relações Exteriores russo iniciar uma viagem à África, onde deve tentar transferir a culpa pela escassez de alimentos para o Ocidente.
Acordo segue vigente
A onda de choque dos mísseis atingindo o porto pôde ser sentida a quilômetros de distância, embora não esteja claro exatamente onde eles atingiram. O enorme porto se estende por quilômetros ao longo da costa do Mar Negro, com imponentes silos de grãos agrupados em vários lugares diferentes.
Não ficou claro o que os ataques visavam e se alguma infraestrutura de grãos foi atingida. A Rússia pode não ter violado tecnicamente o acordo, já que não prometeu evitar ataques as partes dos portos ucranianos que não são usadas diretamente para as exportações de grãos, segundo um alto funcionário da ONU. Mas os danos parecem ser extensos, e Mikola Solski, o ministro da Agricultura do país, disse que os bombardeios afetariam os esforços da Ucrânia para exportar grãos.
“Se você atacar um porto, você ataca tudo”, disse ele em entrevista por telefone ao The New York Times. “Você usa muito da mesma infraestrutura para petróleo, para grãos. Tem um impacto em tudo – não importa o que você acerte.”
Solski acrescentou que parte da infraestrutura destruída era “importante para o processamento de todas as importações”, mas disse que a Ucrânia procederia como se o acordo de grãos ainda estivesse em vigor. “Entendemos que ainda temos uma guerra com a Rússia”, disse ele. “Nosso acordo foi com as Nações Unidas e a Turquia, não com a Rússia.”
A Ucrânia já informou que não assina acordos com a Rússia, por isso, os dois países assinaram dois documentos idênticos, porém separados, com a ONU e a Turquia garantindo o transporte seguros de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. O acordo prevê a criação de corredores seguros para as passagens dos navios, mas não estabelece um cessar-fogo, o que na prática significa que o transporte ainda acontecerá em meio a uma zona de guerra.
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