Novas declarações do ex-presidente Donald Trump insistindo que seu vice-presidente, Mike Pence, poderia ter "revertido" o resultado da eleição presidencial de 2020 incendiaram um debate no Congresso sobre uma possível mudança na lei federal de 135 anos sob a qual Trump e seus aliados buscaram reverter a vitória de Joe Biden.
Um grupo bipartidário de senadores reuniu-se nas semanas recentes para discutir revisões na Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, que rege a certificação do Congresso para eleições presidenciais. Na quinta-feira, um grupo de proeminentes democratas apresentou sua proposta para o novo texto, dias depois de Trump expressar a alegação - que é intensamente contestada por juristas e autoridades de ambos os partidos - de que o vice-presidente tem poder, segundo essa legislação, de rejeitar sumariamente os votos eleitorais dos Estados.
Ao sondar revisões à lei de 1887, afirmou Trump num comunicado emitido no domingo, "o que (os congressistas) estão dizendo é que Mike Pence tinha sim o direito de mudar o resultado, e agora eles querem anular esse direito. Infelizmente, ele não exerceu esse poder, ele poderia ter revertido a Eleição!".
Em 6 de janeiro de 2021, depois de Pence dar início à sessão de certificação da contagem dos votos, uma turba violenta de apoiadores de Trump atacou o Capitólio, destruindo patrimônio, ferindo policiais e atrasando o procedimento por horas. Alguns vândalos gritaram, "Enforquem Mike Pence", depois de o então vice-presidente anunciar publicamente naquela manhã que não tinha poder de reverter votos eleitorais, desafiando a interpretação legal divulgada por Trump e alguns de seus aliados próximos.
Em outro comunicado, publicado na terça-feira por seu comitê de ação política, Trump insistiu novamente que as discussões a respeito de alterar a lei confirmam sua interpretação de que Pence "poderia ter enviado os votos de volta para vários legisladores para reapreciação depois de tantas fraudes e irregularidades terem sido encontradas".
Os comentários - que constituem o reconhecimento público mais direto de Trump a respeito de suas intenções sobre o procedimento de 6 de janeiro - agitaram o Capitólio, onde congressistas de ambos os partidos buscavam manter a discussão em andamento mesmo diante de dúvidas sobre os republicanos concordarem ou não em contrariar o ex-presidente e, finalmente, revisar a lei.
"Acho que todos sabem, exceto talvez o ex-presidente, que essa lei precisa ser esclarecida", afirmou o senador Angus King (independente, do Maine). "Acho que os comentários dele apenas ressaltam o fato de que a lei precisa ser esclarecida."
Graduados republicanos afirmaram que continuam abertos para as discussões. O líder da minoria no Senado, Mitch McConnell (republicano do Kentucky), disse a repórteres que a legislação é "claramente falha e precisa ser atualizada", enquanto o vice-líder da minoria, John Thune (republicano de Dakota do Sul) sugeriu que os comentários de Trump podem, na realidade, ajudar a forjar um acordo.
"Faz sentido esclarecer", disse Thune, afirmando que os comentários de Trump "talvez acrescentem argumentos a favor de tentar consertar essa situação e encerrar essa questão de uma vez por todas".
Resta saber se republicanos e democratas serão capazes de chegar a algum acordo a respeito da maneira que a lei deve ser alterada. Por exemplo, o grupo bipartidário está analisando uma ampla gama de propostas relacionadas a eleições, incluindo financiamento federal para agências eleitorais e proteções para gestores estaduais e locais que tenham sido vítimas de assédio e intimidação. Alguns republicanos alertam privadamente que um pacote legislativo mais abrangente poderia ser difícil de aprovar, já que qualquer legislação que tramite no Senado precisa de pelo menos 60 votos para evitar obstrução.
Os democratas estavam relutantes em entrar em qualquer debate sobre a lei de contagem de votos enquanto perseguiam um conjunto muito mais abrangente de leis de direitos eleitorais. Mas depois dessa tramitação efetivamente sucumbir no Senado, no mês passado, democratas graduados se mostraram mais abertos às discussões, e a Casa Branca - que previamente havia descartado propor mudanças na Lei de Contagem Eleitoral - está monitorando as negociações.
A senadora Susan Collins (republicana do Maine), uma líder do grupo bipartidário, afirmou que conversou com Steve Ricchetti, conselheiro-sênior de Biden, nos dias recentes a respeito das discussões. "É claro que eles estão interessados", afirmou ela.
Os democratas entendem que as declarações de Trump - que, segundo afirmam eles, representam o absoluto reconhecimento de que o ex-presidente buscava reverter a eleição de Biden - implicam em vantagens e desvantagens para os republicanos. Em meio a garantias do Partido Republicano de que um acordo é possível, alguns recordaram-se de episódios anteriores, em relação a temas como imigração e gastos federais, em que comentários de Trump puseram fim a possíveis acordos bipartidários.
"Haverá alguns republicanos que verão ressaltada a necessidade de consertar as fragilidades da Lei de Contagem Eleitoral, e haverá outros que não vão querer romper com o (ex-)presidente, mas ainda considero possíveis os 60 votos", afirmou o senador Chris Murphy (democrata de Connecticut).
A senadora Shelley Moore Capito (republicana da Virgínia Ocidental), que, assim como Murphy, está envolvida no grupo de trabalho bipartidário, também disse que não vê evidência de que as declarações de Trump afetem negativamente as discussões. "Os esclarecimentos serão uma coisa boa", afirmou ela. "Estamos apenas mirando adiante e buscando consenso, nos dando conta de que há áreas que necessitam de alguns ajustes."
O grupo bipartidário não estabeleceu um cronograma rígido de trabalho, mas alguns de seus membros propuseram publicar os rascunhos das propostas até o fim deste mês. As propostas democratas publicadas na terça-feira - um "rascunho da discussão" revelado pelos senadores Richard Durbin (Illinois), King e Amy Klobuchar (Minnesota) - tratam de algumas questões que o grupo bipartidário está analisando e ressalta áreas em que os partidos poderiam discordar.
O plano dos democratas pretende elevar significativamente o número mínimo de legisladores para desafiar votos eleitorais dos Estados em relação ao atual, em que apenas um deputado e um senador podem forçar um debate no Congresso e uma votação. A nova proposta exigiria que um terço dos membros de cada Casa seja necessário para levantar uma contestação - e de três quintos dos congressistas para sustentá-la. A proposta pretende também alterar o papel do vice-presidente nesse processo, provendo ao presidente pro tempore do Senado permissão para presidir sobre a contagem de 6 de janeiro.
As ideias de dificultar para o Congresso intervir e de esclarecer o papel do vice-presidente tem algum apoio republicano, mas outra proposta - de proibir legislaturas estaduais de apontar delegados eleitorais substitutos depois depois do encerramento da votação - tende a mais controvérsia.
J. Michael Luttig, ex-juiz federal de apelações que estudou a Lei de Contagem Eleitoral e aconselha gabinetes republicanos do Senado sobre possíveis revisões, afirmou ter se animado com vários aspectos do plano democrata - como elevar o número mínimo de congressistas para estabelecer o processo e restringir os fundamentos das objeções. Mas ele afirmou ter preocupações constitucionais a respeito de restringir as legislaturas estaduais e eliminar o papel do vice-presidente em presidir a contagem.
A 12.ª Emenda provê que o vice-presidente, em sua capacidade enquanto presidente do Senado, "deve, diante do Senado e da Câmara dos Representantes, iniciar todas as certificações, e então os votos deverão ser contados".
"É um bom começo", afirmou Luttig, "mas será necessário muito mais trabalho se o Congresso pretender legislar constitucionalmente e evitar outro 6 de Janeiro".
Entre os republicanos que ecoaram essas preocupações na terça-feira esteve o senador Kevin Cramer (Dakota do Norte), que afirmou estar aberto para esclarecer o papel do vice-presidente na contagem dos votos eleitorais, mas que qualquer tentativa de limitar os poderes das legislaturas estaduais "iria além do que me é confortável".
"Não acho que a Constituição nos dê essa autoridade", afirmou Cramer. "Para mim, trata-se de uma solução em busca de um problema."
Ver todos os comentários | 0 |