A invasão da Rússia à Ucrânia deve ter reflexos no mercado global de gás natural, encarecendo ainda mais o preço do produto também no mercado brasileiro nos próximos meses, segundo especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast. Nesse cenário, haveria pressão também sobre o custo da geração de energia em termoelétricas, embora não se fale, nesse momento, em risco de falta de gás.
Isso ocorre porque a Rússia responde sozinha por 40% do gás utilizado na Europa, que, em meio ao conflito diplomático e econômico com seu principal fornecedor, pode recorrer ao Gás Natural Liquefeito (GNL) importado de outras localidades para suprir sua demanda, pressionando ainda mais os preços globais. Além disso, um encarecimento do gás na Europa tem reflexos diretos em parte dos contratos de importação para o Brasil, uma vez que esses documentos costumam atrelar os valores às rubricas praticadas no mercado global.
“Não é apenas a questão militar, com as sanções, há também um risco econômico e regulatório, por isso há uma situação tensa no mercado”, disse o professor do Instituto de Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), Edmar Luiz Fagundes de Almeida.
Segundo ele, as retaliações econômicas e sanções impostas à Rússia, além da suspensão da licença do gasoduto Nord Stream 2, construído para levar gás diretamente da Rússia à Alemanha – mas que ainda não começou a operar –, têm potencial para gerar desarranjo na economia global, mesmo que as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não partam para um conflito armado. “É um momento muito delicado porque, dependendo do desenrolar da questão, pode trazer muitos malefícios para a economia mundial”, disse.
Opinião semelhante tem o engenheiro e fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires. Ele, contudo, lembra que o Brasil adquire no mercado internacional, principalmente da Bolívia, boa parte do gás que consome, mas ele acredita que no caso do produto entregue pelas concessionárias de distribuição, os aumentos devem acontecer apenas no momento das revisões tarifárias feitas pelas agências reguladoras estaduais. “Antes havia a percepção de que no segundo semestre teríamos uma estabilidade, mas (com essa situação) provavelmente teremos novos aumentos no preço do gás esse ano”, disse.
Ele também lembrou queno ano passado, quando a cadeia global de fornecimento de gás deu os primeiros sinais de desarranjo, o mercado já sentiu um estresse com aumentos de preços pela Petrobras, principal fornecedora nacional do produto no Brasil. Na época, a estatal anunciou elevação superior a 50% para contratos no mercado nacional, o que provocou uma onda de judicialização da questão e reclamações contra a empresa no Cade.
Infraestrutura
Embora o Brasil tenha uma grande reserva de gás natural, o País reinjeta pelo menos metade desse insumo de volta nos campos de petróleo, pois falta infraestrutura de gasodutos para escoamento desse gás. Caso ela existisse, o cenário poderia ser diferente e o País teria mais fôlego para enfrentar a crises como a atual.
Outro especialista que enxerga pressão nos preços do gás como consequência dos conflitos na Europa é o advogado Ali El Hage Filho, sócio do escritório Veirano. “O GNL acaba influenciando os preços do gás no mundo todo, e a gente já vinha de um cenário de pressão de preços mesmo antes da situação da Ucrânia. Acho que certamente vai continuar aumentando”, disse.
Ele lembrou que, nos últimos anos, a Petrobras tem buscado paridade internacional para seus preços, e que outros supridores compram gás no exterior para atender contratos no mercado brasileiro. Essa situação de novos reajustes neste ano pode intensificar os problemas políticos e econômicos que a escalada nos preços do gás e dos combustíveis tem provocado no País.
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