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Retomada global patina com restrições na China e avanço da Ômicron

Cadeias mundiais de suprimentos ainda sofrem com lockdowns do governo chinês devido a Ômicron.

Fornecedora de insumos e componentes usados na indústria mundo afora, a China anunciou no dia 11 uma quarentena em Anyang, cidade de 5 milhões de habitantes na província de Henan. Foi a terceira cidade chinesa a adotar medidas de restrição por causa da variante Ômicron do novo coronavírus, cuja primeira transmissão local na capital, Pequim, foi detectada no último sábado. Ao todo, o confinamento atinge dezenas de milhões de trabalhadores no país, em razão da política do governo chinês de impedir a disseminação da covid-19 a todo custo. Apenas na cidade de Xian, 13 milhões de habitantes tiveram de ficar em casa durante três semanas. Em Hong Kong, as autoridades suspenderam por um mês todos os voos internacionais para cerca de 150 países.

Alguns especialistas sugerem que a Ômicron, apesar de muito mais contagiosa, é menos virulenta, provoca menos hospitalizações e mortes, especialmente entre os vacinados, o que poderia mitigar eventuais impactos negativos da nova onda da pandemia sobre a economia. Economistas, porém, ressaltam que ainda há muita incerteza especialmente por causa da China, país onde a política de quarentenas rígidas leve a uma nova rodada de restrições nas cadeias globais de fornecimento da indústria.


“Mesmo que, globalmente, não estejamos vendo medidas de contenção, a China segue com a política de ‘covid zero’, adotando lockdowns abrangentes”, diz o economista sênior da LCA Consultores Braulio Borges, numa referência à estratégia chinesa para controlar a pandemia.

O temor se agrava justamente no momento em que a desorganização provocada pela pandemia nas cadeias produtivas globais dava um sinal de alívio. Nos últimos meses de 2021, pesquisas de percepção da indústria e relatos das empresas mostravam uma melhora em relação aos meses anteriores, mas a onda causada pela Ômicron indica que um dos principais choques econômicos da covid-19 ainda está longe de passar.

“Embora as restrições tenham cedido em dezembro, para o menor nível desde março (de 2021), ainda é cedo demais para dizer que a normalização está à vista, mesmo que o movimento seja na direção correta”, afirma Pollyanna de Lima, diretora econômica responsável por acompanhar a economia do Brasil na consultoria IHS Markit, que produz o Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês), um dos indicadores mais utilizados no mundo.

Na edição de dezembro passado do PMI global do setor industrial, calculado pela IHS Markit em parceria com o banco de investimentos JPMorgan e divulgado na primeira semana do ano, o número de empresas que relataram restrições com escassez de insumos foi 3,5 vezes maior do que na média histórica de 2005 a 2020. É menos do que os 4,7 vezes de outubro de 2021, mas, até 2020, esse múltiplo nunca havia passado de duas vezes.

No Brasil, além do PMI local, pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) vão no mesmo sentido. Na sondagem da CNI, 62,4% das empresas entrevistadas relataram “falta ou alto custo de matérias-primas” no terceiro trimestre de 2021, abaixo dos 67,2% do primeiro trimestre do ano passado, mas ainda muito acima da média de 20,8% observada trimestre a trimestre de 2015 a 2019. Em novembro, 66% dos fabricantes de eletroeletrônicos ainda relatavam dificuldades com insumos, conforme sondagem da Abinee, associação representante do setor.

A indústria automotiva, um dos símbolos dos gargalos de produção, vê a luz no fim do túnel, mas Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, entidade representante das montadoras, alertou no último dia 7 que a falta de insumos continuará em 2022, com risco de haver “dias parados numa fábrica, semanas em uma outra”, ainda que com “menos emoção do que em 2021”. No ano passado, várias fábricas pararam principalmente por falta de semicondutores.

Desarranjo

O travamento das cadeias da indústria – ou cadeias globais de valor (CGV), no linguajar acadêmico sobre o assunto – é um dos efeitos atípicos e inéditos da covid-19 sobre a economia. Montada sob uma integração econômica sem precedentes, essa organização permite que um produto concebido num país seja fabricado em plantas no outro lado do mundo, com destaque para o Leste da Ásia, em nome do menor custo.

Só que o sistema de transporte global de componentes e a excessiva concentração da fabricação de alguns deles – como o caso dos semicondutores em Taiwan – foram colocados em xeque pelas restrições ao contato social impostas pela covid-19.

No início da pandemia, paradas nas fábricas de todo o mundo derrubaram estoques e contribuíram para a recessão global. Já no segundo semestre de 2020, uma forte retomada da demanda – impulsionada tanto por políticas de transferência de renda para mitigar a crise quanto pelo direcionamento do consumo das famílias para os bens – pressionou a capacidade produtiva de fabricantes de componentes e o funcionamento da logística, ao mesmo tempo que fez as cotações das matérias-primas dispararem, entre elas o petróleo e o gás natural.

Os gargalos no transporte marítimo, elo essencial do fornecimento de insumos, parecem longe de acabar, o que se reflete no custo do frete. Segundo levantamento da CNI, o preço médio da importação de um contêiner de 20 pés na rota entre a Ásia e o Brasil arrefeceu de US$ 11,5 mil em outubro de 2021 para US$ 9,7 mil em dezembro passado. Mesmo assim, o valor ainda é quase cinco vezes maior do que o registrado em janeiro de 2020, antes da pandemia.

Entraves

Desde fins de 2020, o Centronave, entidade que reúne os principais armadores – como são chamadas as empresas de logística marítima – que atuam no Brasil, vem descrevendo o cenário de “tempestade perfeita”. A retomada da demanda na segunda metade de 2020 estressou um sistema todo encadeado, cujos atrasos viram bolas de neve, provocando falta de contêineres e navios.

“Vimos no fim do ano passado sinais de que o pior tinha passado. Não havia piora no acesso aos insumos, e os estoques estavam bem melhores do que nos piores momentos”, diz o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo, alertando para os riscos que ainda pairam. “A Ômicron, por mais que não tenha a mesma repercussão (das ondas de contágio) do ano passado, deverá levar a um número grande de afastamentos (de trabalhadores). Deve dar mais uma balançada na produção”, afirma.

Para além dos persistentes problemas globais, a indústria brasileira ainda enfrenta problemas locais. A alta do dólar, marcada por incertezas políticas e econômicas, agrava o quadro, pois encarece os insumos importados ou cotados na moeda americana. Por outro lado, a perspectiva de demanda fraca neste ano poderá dar um alívio adicional – por um motivo negativo, já que a fraqueza se deve à inflação elevada e à expectativa de economia estagnada.

“Enquanto as questões em muitos países estão centradas no lado da oferta, no Brasil, a demanda enfraquecida também está danificando o setor industrial”, diz Pollyana de Lima, da IHS Markit, lembrando ainda da fraqueza da geração de empregos no País.

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