Os principais líderes mundiais retornam ao principal palco de debates global com o início da Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira, 21, em Nova York. O encontro deste ano, o primeiro presencial desde a pandemia de covid-19, é marcado pelo antagonismo cada vez maior entre os Estados Unidos e China, que muitos começam a ver como uma espécie de "nova Guerra Fria". O controle do novo coronavírus e a crise climática também devem estar na pauta dos discursos de hoje.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que o mundo está numa situação muito perigosa e é preciso dar um alerta aos responsáveis políticos em meio à ascensão militar da China e a movimentação estratégica americana rumo ao pacífico, marcada recentemente pela assinatura de um acordo militar com a Austrália, que irritou aliados europeus de Washington.
O presidente americano, Joe Biden, segundo a falar na Assembleia-Geral, deverá ressaltar a necessidade de se proteger a ordem mundial dirigida pelos Estados Unidos contra a concorrência chinesa, informou o think tank International Crisis Group. Biden deve pedir que seus aliados não considerem a China como líder alternativo no sistema multilateral.
Uma fonte próxima ao governo americano afirmou nesta segunda que Biden também dirá que não acredita na ideia de uma nova Guerra Fria com um mundo dividido em blocos, justamente tratando de um contexto de alta rivalidade entre Washington e Pequim. "O presidente dos EUA "acredita em uma concorrência vigorosa, intensa e baseada em princípios", segundo essa fonte.
Crise entre EUA e europeus
A crise provocada pelo acordo militar entre EUA e Austrália evidenciou um descontentamento que vinha fermentando desde janeiro nos dois lados do Atlântico. Os europeus consideram ter sido surpreendidos em vários momentos pela falta de mudança de postura do governo americano. Biden, em muitos aspectos, se assemelha a Trump, ora por seu isolacionismo, ora por colocar os interesses geopolíticos de Washington acima do multilateralismo.
Na semana passada, o fechamento do acordo irritou os franceses, que o descreveram como uma facada nas costas. Em represália, o presidente Emmanuel Macron convocou seu embaixador em Washington e decidiu boicotar o discurso na ONU. Em seu lugaer, falará o chanceler Jean-Yves Le Drian. Nos próximos dias, Biden e Macron vão conversar sobre a crise.
Segundo o porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, Macron pedirá a Biden um esclarecimento e explicações sobre o que parece ser uma quebra de confiança. "Haverá uma conversa telefônica por iniciativa de Biden”, acrescentou o porta-voz.
Para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista à rede CNN, o tratamento dado à França foi “inaceitável”. "Um de nossos Estados-membros foi tratado de forma inaceitável. Queremos saber o que aconteceu e por quê", disse Von der Leyen.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acusou ontem os EUA de falta de lealdade. "Os princípios mais elementares para os aliados são transparência e confiança e elas andam juntas. Estamos vendo uma clara falta de transparência e lealdade", disse Michel à imprensa nas Nações Unidas.
Michel assegurou que este acordo entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália impulsionará os esforços europeus para construir seu próprio sistema de defesa. O líder europeu deixou transparecer sua decepção com Biden. "Com Trump, pelo menos estava claro - o tom, a substância, a linguagem - estava muito claro que a União Europeia não era, na sua opinião, um aliado útil", disse Michel.
O caso é tão grave que os chanceleres europeus que estão em Nova York para a Assembleia-Geral dedicarão sua reunião na cidade para discutir o alcance e as consequências da nova aliança militar e a situação da França.
O governo da Austrália diz que não mentiu sobre seus planos de cancelar um contrato de compra de submarinos franceses em favor de navios americanos. O ministro australiano da Defesa, Peter Dutton, disse no domingo que seu governo foi "franco, aberto e honesto" com a França sobre suas preocupações com o acordo, que estava acima do orçamento e com anos de atraso.
Um teste para Biden
Após uma campanha eleitoral na qual um de seus motes na área da política internacional foi ' Os Estados Unidos estão de volta', Biden terá seu primeiro desafio presencial desde que assumiu o cargo, em um momento em que a conturbada retirada do Afeganistão e o avanço da variante delta nos EUA prejudicam sua popularidade. A repercussão ruim das crises com o Taleban e do acordo com a Austrália, nas últimas semanas, no entanto, pressionam o democrata.
Biden deve advogar ainda por um pacto global para ampliar a vacinação contra a covid-19 nos países mais pobres, num momento em que a hesitância vacinal nos EUA, especialmente em áreas republicanas, prejudicam o controle da pandemia. Atualmente, 75% das vacinas contra a doença em uso no mundo estão nas mãos de 10 países. Os EUA não conseguem imunizar completamente mais que 55% da sua população.
O discurso de Biden também ocorre pouco menos depois de um mês da caótica retirada que pôs fim a 20 anos de intervenção americana no Afeganistão. O fracasso americano em prever o rápido avanço do Taleban na retomada de Cabol criou uma nova onda de refugiados, fortaleceu o grupo terrorista e preocupa países vizinhos.
Ausências significativas
Ainda em sistema híbrido em virtude da pandemia, muitos líderes preferiram não ir a Nova York ou mandar depoimentos por vídeo. É o caso do novo presidente do Irã, Ibrahim Raisi, que discursa hoje e dos principais antagonistas de Biden, o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping.
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