O Itamaraty tenta descobrir o paradeiro de um brasileiro que pediu assistência consular para sair do Afeganistão. A informação foi confirmada ao Estadão por Olyntho Vieira, embaixador do Brasil responsável pelo Paquistão, Afeganistão e Tajiquistão.
Segundo o embaixador, o homem brasileiro, que ele preferiu não identificar por segurança, indicou que vivia temporariamente no país da Ásia Central, tomado pelo Talibã no último domingo, após 20 anos fora do poder.
Para Olyntho Vieira, que falou por telefone da representação diplomática em Islamabad, no Paquistão, a campanha militar do grupo radical islâmico impressionou pela falta de resistência armada, o que indica que a presença ocidental, liderada pelos Estados Unidos, nunca convenceu por completo a população afegã.
Qual a situação dos cidadãos brasileiros no Afeganistão hoje?
Temos um caso que ainda não está claro. Um brasileiro que entrou em contato com o plantão consular, por mensagem de texto no telefone da embaixada. Mas não temos muita informação ainda, estamos tentando saber mais. O outro caso foi resolvido pela Argentina. Uma brasileira casada com um argentino que trabalhava numa ONG, mas os dois já partiram, estão no Uzbequistão. Houve uma movimentação diplomática, mas não sei dizer como eles saíram do Afeganistão. Os argentinos cuidaram de tudo.
Mas ainda não localizaram o cidadão desse primeiro caso?
Não. Houve uma troca de mensagens, pedimos mais informações, mas ele certamente está com dificuldade de comunicação. Conforme ele for dizendo mais coisas, vamos tentando saber mais e, se chegar a esse momento, pensamos em como vamos fazer para retirá-lo do país.
O senhor poderia identificá-lo?
Eu prefiro não dizer. É melhor manter isso reservado.
Ele morava ou estava em trânsito no Afeganistão?
Entendi que ele está vivendo temporariamente no país. E é tudo, não temos mais informação do que isso.
O Brasil ainda tem consulado honorário no Afeganistão?
Tivemos um cônsul honorário, mas nunca tive contato com ele, nunca fui procurado. Nunca pude ir a Cabul. Estou em Islamabad há pouco mais de um ano e, desde que cheguei, as restrições de viagem por causa da covid-19 são muito fortes. Não tive oportunidade de ir ao Afeganistão ainda. Uma embaixada propriamente dita nunca foi instalada. Hoje temos, além de mim, dois funcionários de Brasília, e um quadro de funcionários locais.
Imagino que essa seja uma hora de trabalho muito intenso.
O momento é muito mais tenso do que intenso. Estamos distantes, mas acaba refletindo aqui. A coisa transborda, é a preocupação que existe no país. Afinal, é aqui ao lado, e as relações sempre foram complexas. O governo do Paquistão está sendo muito cauteloso. O primeiro-ministro (Imran Khan) várias vezes declarou que vai respeitar a decisão do povo afegão. O Paquistão não tem intenção nenhuma oficialmente de interferir no país vizinho, tem insistido que não permitirá a instalação de bases estrangeiras no país que possam atacar o Afeganistão e ao mesmo tempo diz que não admitirá que se criem bases que possam atacar o Paquistão.
O que lhe chamou mais atenção no avanço militar do Talibã?
O que surpreendeu realmente muito foi a rapidez com que aconteceu tudo e o que levou a essa rapidez foi a ausência de resistência. Isso leva à pergunta: Por que não houve resistência? Seria muito ingênuo dizer que as pessoas estavam todas cooptadas pelo movimento. Acho que não. Mas, por outro lado, talvez nunca estivessem totalmente convencidas da presença ocidental no país. Pode ser que seja por aí.
Um porta-voz do Talibã disse que a população sempre esteve com eles.
Faz sentido. Isso só me remete a um comentário feito anos atrás pelo Sérgio Vieira de Mello (diplomata brasileiro e ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, morto em 2003 num atentado a bomba no Iraque) sobre a presença de tropas estrangeiras. Ele disse o seguinte: ‘Como você reagiria se, de repente, abrisse a janela pela manhã e visse tropas estrangeiras na avenida em Copacabana?’ Acho que é isso. A presença do invasor, ainda que você conviva ele por vários motivos, inclusive pela vontade de permanecer vivo, nunca é totalmente assimilada. Acho que dá para explorar essa linha.
O Talibã está fazendo um esforço diplomático para ser reconhecido. O senhor já esteve com algum representante deles? Como definiria o grau de sofisticação dessa diplomacia?
Nunca tive nenhum contato. Já existiu esse contato em nível muito alto, contatos entre delegações aqui no Paquistão. Mas nunca soube de contatos com embaixadas.
A maior preocupação deles é com um ataque militar?
Não acho que eles tenham essa preocupação de forma muito clara. O Paquistão tradicionalmente tem uma defesa muito forte. Eles têm Forças Armadas muito profissionais. Uma revista de estratégia local classificou o Paquistão como o 11º país mais bem preparado para reagir a um ataque. O 10º era o Brasil. É, digamos, o mesmo grau de preparo. Existe intercâmbio e interesse comercial, mas ainda há desconhecimento de um país e do outro.
Qual a situação da frota de aviões militares Super Tucano da Embraer que havia sido comprada pelos EUA para formar a Força Aérea Afegã?
Eu sei de notícias da imprensa que seriam um total de 26 aviões, mas parece que a maior parte teria ido para o Uzbequistão. O jornal local do Paquistão exibiu uma foto de um grupo Talibã diante de um Super Tucano. Então um sabemos que ficou no Afeganistão, mas se desconhece o paradeiro dos demais. O que se especula é que os Taleban não têm pilotos. Mesmo que tenham acesso, são equipamentos extremamente sofisticados, e você pode transformá-los em inúteis se a parte de aviônica deixar de funcionar. Eles teriam como pilotar? Teriam mísseis para equipar os aviões? Teriam acesso ao software para fazer o avião funcionar? Hoje são perguntas que ninguém é capaz de responder.
Há atividade do Taleban em território paquistanês?
Os paquistaneses estão muito atentos ao risco de transbordar o problema para cá. Tem havido declarações do comandante do Exército, do presidente da República e do primeiro-ministro de que o pior cenário seria uma guerra civil, que pode involuntariamente envolver o Paquistão ou parte dele. Uma guerra civil num país vizinho fatalmente acaba contaminando o outro. Existe uma relação étnica importante entre as populações. Essa região tem uma cultura tribal forte, existem diferentes etnias dentro do Paquistão e uma delas é a Pashto tem cerca de 20% da população são da Pashto. É a etnia predominante no Afeganistão.
O senhor fala de refugiados?
Existe uma preocupação com refugiados. O Paquistão abriga oficialmente 1,4 milhão de refugiados afegãos, assim reconhecidos pelo Acnur. Há especulação de que seja um número maior. O primeiro-ministro paquistanês já teve conversas com o novo presidente do Irã, porque eles construíram campos ao longo da fronteira para abrigar refugiados. Comenta-se que talvez o Paquistão faça algo semelhante. Campos de refugiados é uma coisa complicada, mas existe o temor de que possa haver um fluxo grande sim.
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