Joe Biden assumiu a Casa Branca em janeiro propondo uma revisão no sistema imigratório americano, tanto para restabelecer a autorização de entrada para imigrantes legais, como para regularizar a situação de muitos ilegais. Na prática, no entanto, as consequências da política adotada pelo governo Donald Trump, especialmente em 2020, e a redução de trabalhadores estrangeiros no país continuam a ser sentidas nos EUA e ameaçam a reorganização do mercado de trabalho americano pós-pandemia.
Empregadores nos EUA têm tido dificuldade para achar mão de obra. No início de dezembro, a estatística do governo federal apontava que 11 milhões de postos de trabalho estavam abertos – que incluem desde posições que exigem alto conhecimento até funções simples. Na construção, houve aumento de 77% nas vagas abertas comparado ao nível pré-pandemia. Pelo menos um quarto dos trabalhadores do setor é de imigrantes.
Há menos americanos buscando trabalho no país do que vagas abertas e as taxas de demissão voluntária têm atingido número recorde – a ponto de surgir um movimento para comemorar nas redes sociais o pedido de contas do trabalho.
A mudança no padrão de imigração contribui para que o cenário não mude. Em novembro, a preocupação foi descrita em um dos relatórios do banco JP Morgan, que menciona que há 3 milhões a menos de imigrantes nos EUA do que haveria se o país seguisse o ritmo de chegada de imigrantes anterior ao governo Donald Trump. A maioria, escrevem os economistas do banco, estaria em idade produtiva. No ano passado, 4 milhões de vistos de trabalho para não imigrantes foram aprovados – em comparação com 10 milhões em 2016.
“As empresas não podem permanecer competitivas em uma economia global ou atender à demanda do consumidor se não puderem contratar e reter os trabalhadores de que precisam. Isso é especialmente verdadeiro em razão da atual escassez de mão de obra e aos atrasos pandêmicos para solicitações e renovações de vistos”, argumenta o professor de direito imigratório da Universidade de Cornell, Stephen Yale-Loehr, em artigo.
O debate sobre participação dos imigrantes no mercado de trabalho tem duas perspectivas: a dos estrangeiros que entram nos EUA com visto específico para trabalhar e a dos imigrantes que chegam ilegalmente, permanecem no país e, mesmo sem autorização, participam da força de trabalho. Para todas as situações houve um freio imposto durante o governo Donald Trump. Em 2017, os EUA tinham 21 milhões de imigrantes com visto e outros cerca de 8 milhões que não tinham autorização para estar no país – um número considerado subestimado.
No caso da imigração feita regularmente, com vistos de trabalho específico, grandes empresas do Vale do Silício pressionaram a Casa Branca a resolver a situação. Isso porque, em março de 2020, Trump suspendeu as concessões de visto em razão da pandemia de coronavírus. O ex-presidente congelou a concessão de entrada de trabalhadores estrangeiros na época em que os pedidos de auxílio-desemprego subiram em Estados-chave para a disputa eleitoral, como Michigan.
Biden autorizou a retomada dos trabalhos consulares, mas a demanda represada atrasa a entrada dos trabalhadores no país. Para tentar solucionar uma parte do problema, na quinta-feira, o Departamento de Estado americano autorizou consulados a dispensar durante um ano as entrevistas pessoais para parte dos vistos de trabalho. A medida abarca muitos vistos temporários e também as permissões para trabalhadores agrícolas.
O governo americano tem 1,3 milhão de pedidos para autorização de emprego (de estrangeiros) que estão com análise pendente, segundo dados do Departamento de Imigração. Os números vão se acumulando quando somadas as diferentes categorias de possibilidade de trabalho nos EUA por estrangeiro, que incluem também os pedidos de cidadania americana, autorização para trabalho temporário e também as autorizações de asilo.
A imigração ilegal ficou em patamares baixos durante 2020, em razão da pandemia e de políticas estabelecidas por Trump para que os estrangeiros encontrados na fronteira fossem enviados para o México para aguardar asilo. O governo Biden assistiu a uma explosão na entrada de imigrantes no país em 2021, em razão da demanda represada de 2020, somadas às crises econômica e política em países da América Latina e a percepção de que o democrata seria menos hostil aos imigrantes. A entrada recorde de imigrantes através da fronteira não significa, no entanto, que todos os encontrados na fronteira ficaram no país.
O atual governo mudou alguns protocolos para a permanência de imigrantes sem documentação, mas os dados continuam desfavoráveis para quem está nesta situação. Apenas 37% dos pedidos de asilo – instrumento usado por imigrantes que cruzam a fronteira do México com EUA – foram aprovados por 2021. E um número menor de pedidos de asilo de fato chegou às cortes de imigração neste ano.
O governo Biden também restabeleceu o programa adotado por Trump para que os imigrantes que cruzam a fronteira aguardem no México a análise do pedido de asilo. Quando esperam o procedimento imigratório dentro dos EUA, esses imigrantes costumam trabalhar. “Ao expandir o programa para permanência do México de cidadãos de qualquer país do Hemisfério Ocidental, o governo Biden tornou o programa ainda mais amplo do que sob Trump”, afirma Jorge Loweree, diretor de políticas do American Immigration Council. “O governo quebrou sua promessa de fazer um sistema de asilo humano”, afirma.
O pacote social do governo Biden, o “Build Back Better”, prevê uma reforma no sistema imigratório que possibilitaria o aumento nos vistos de trabalho (quase 160 mil permissões extras), além de vistos para parentes, que também se juntariam ao mercado americano. O texto também permite o ajuste de status para regularizar parte dos que já estão no país, entre eles trabalhadores de serviços essenciais. Aprovado na Câmara em novembro, o plano empacou no Senado após o democrata moderado Joe Manchin, uma peça-chave para a aprovação, dizer que não concorda com o projeto.
Em outubro, 67% dos americanos avaliavam que Biden conduz mal a política de imigração no país. Os republicanos são maioria na reprovação (só 3% acreditam que Biden acerta neste tema), mas a maioria dos eleitores que se definem como independentes também se mostra insatisfeita (70%), segundo dados de pesquisa da Quinnipiac University.
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