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Crise climática deve causar briga por alimentos, guerras e migrações

Relatórios da gestão Biden expõem os modos pelos quais o aquecimento ameaça a estabilidade global.

Acirramento do conflito dentro e entre as nações. Intensificação do deslocamento e da migração de pessoas fugindo das instabilidades causadas pelo clima. Mais tensão militar e incertezas. Riscos financeiros.

Na quinta-feira, 21, o governo Biden divulgou vários relatórios sobre mudanças climáticas e segurança nacional, expondo em termos severos as maneiras pelas quais o aquecimento global está começando a desafiar significativamente a estabilidade mundial.


Os documentos, emitidos pelos Departamentos de Defesa e Segurança Interna, bem como pelo Conselho de Segurança Nacional e pelo diretor de inteligência nacional, marcam a primeira vez que as agências de segurança do país comunicaram coletivamente os riscos climáticos que enfrentam.

Os relatórios trazem advertências da comunidade de inteligência sobre como as mudanças climáticas podem minar a força de uma nação, em vários níveis. Por exemplo: países como Iraque e Argélia podem ser atingidos pela perda da receita com os combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que a região enfrenta o agravamento do calor e da seca. O Pentágono alertou que a escassez de alimentos pode levar a distúrbios, junto com guerras entre países por causa de água.

O Departamento de Segurança Interna, que inclui a Guarda Costeira dos Estados Unidos, alertou que, à medida que o gelo derreter no Oceano Ártico, a competição por peixes, minerais e outros recursos aumentará. Outro relatório avisou que dezenas de milhões de pessoas provavelmente terão de se deslocar até 2050 por causa das mudanças climáticas – entre elas cerca de 143 milhões de pessoas no sul da Ásia, na África Subsaariana e na América Latina.

Os alertas da segurança nacional vieram no mesmo dia em que, pela primeira vez, os principais reguladores financeiros caracterizaram as mudanças climáticas como “uma ameaça emergente” para a economia americana. Desastres mais frequentes e destrutivos, como furacões, inundações e incêndios florestais, estão resultando em danos à propriedade, perda de renda e interrupções nos negócios, o que deve mudar a forma como os imóveis e outros ativos são avaliados, de acordo com um relatório divulgado por um painel de autoridades federais e reguladores estaduais.

Até 8 de outubro haviam ocorrido dezoito “eventos de desastre climático” em 2021, os quais custaram mais de US $ 1 bilhão cada, de acordo com o Departamento Oceânico e Atmosférico Nacional.

Os relatórios também foram divulgados no momento em que o presidente Joe Biden se preparava para participar de uma importante conferência climática das Nações Unidas em Glasgow, conhecida como COP26. Com sua agenda climática paralisada no Congresso, Biden corre o risco de ter poucos avanços para promover em Glasgow, onde o governo esperava restabelecer a liderança dos Estados Unidos no combate ao aquecimento global.

Os relatórios “reforçam o compromisso do presidente com as decisões baseadas em evidências, guiadas pela melhor ciência e pelos dados disponíveis”, disse a Casa Branca na quinta-feira, e “servirão como fundamento para nosso trabalho crucial sobre clima e segurança”.

A noção de que as mudanças climáticas são uma ameaça à segurança nacional não é nova – o governo Obama já dizia isto e começou a pressionar o Pentágono a atentar para os riscos climáticos. Mas, tomados em conjunto, os relatórios sinalizam um novo estágio da política americana, que coloca as mudanças climáticas no centro do planejamento de segurança do país.

O mais amplo e abrangente dos documentos talvez seja a Estimativa Nacional de Inteligência, que visa coletar e resumir as opiniões das agências de inteligência do país sobre ameaças específicas. O relatório, o primeiro a olhar exclusivamente para a questão do clima, disse que os riscos para a segurança nacional americana só crescerão nos próximos anos.

O documento fez três avaliações importantes. As tensões globais aumentarão à medida que os países discutirem como acelerar as reduções nas emissões de gases de efeito estufa. A mudança climática irá exacerbar os pontos de atrito transfronteiriços e ampliar a competição estratégica no Ártico. E os efeitos das mudanças climáticas serão sentidos de forma mais aguda nos países em desenvolvimento, que estão menos preparados para se adaptarem.

China e Índia, com grandes populações e uso pesado de combustíveis fósseis, irão determinar fortemente a rapidez com que as temperaturas globais vão subir, afirma a Estimativa.

Não são boas as chances de as nações cumprirem as promessas feitas sob o Acordo de Paris, em 2015, de manter o aumento médio da temperatura global em menos de 2 graus celsius em comparação com os níveis pré-industriais, disseram os relatórios de inteligência. A Terra já aqueceu cerca de 1,1 graus celsius. Se exceder o limite de 2 graus, o planeta experimentará inundações, incêndios e tempestades cada vez mais mortais, bem como o colapso do ecossistema, dizem os cientistas.

“Dadas as atuais políticas governamentais e tendências no desenvolvimento de tecnologia, julgamos que, coletivamente, os países provavelmente não cumprirão as metas de Paris”, disse o relatório. “Os países de alta emissão teriam de fazer um progresso rápido para descarbonizar seus sistemas de energia, fazendo a transição dos combustíveis fósseis na próxima década, enquanto os países em desenvolvimento precisariam contar com fontes de energia de baixo carbono para seu desenvolvimento econômico”.

O relatório de inteligência identificou onze países como particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e particularmente incapazes de lidar com seus efeitos. A lista inclui quatro países próximos aos Estados Unidos, entre eles Guatemala e Haiti; três países com armas nucleares (Coréia do Norte, Paquistão e Índia); e dois países, Afeganistão e Iraque, que os Estados Unidos invadiram após os ataques de Onze de Setembro.

A luta para responder às mudanças climáticas pode beneficiar outros países, acrescentaram as agências de inteligência, especialmente aqueles que se tornam líderes em tecnologias de energia renovável ou nas matérias-primas necessárias para produzi-las. A China controla grande parte da capacidade de processamento mundial de cobalto, lítio e outros minerais necessários para baterias de veículos elétricos, bem como minerais raros usados em turbinas eólicas e motores de veículos elétricos.

Outros países, como a Noruega e o Reino Unido, têm a vantagem de virem atendendo à crescente demanda para remover o dióxido de carbono do ar, afirma o relatório, por causa das políticas governamentais – como a precificação do carbono – que apoiam o desenvolvimento dessa tecnologia.

As autoridades federais observaram que as mudanças climáticas estão derretendo o gelo ártico, abrindo a Passagem Noroeste entre os oceanos Atlântico e Pacífico e criando um cenário para a competição por recursos e rotas marítimas para transporte comercial entre Rússia, China, Canadá e Estados Unidos, entre outros países.

O Pentágono, que divulgou um relatório próprio, disse que os militares começarão a gastar uma parte significativa de seu orçamento para incorporar a seu planejamento ameaças relacionadas ao clima.

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