Caiu muito mal nos círculos diplomáticos chilenos a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a ex-presidente Michelle Bachelet e seu pai, Alberto Bachelet, torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). O governo do Chile deve responder oficialmente em nota ainda nesta quarta-feira, 4, as declarações de Bolsonaro, disse uma fonte da diplomacia chilena ao Estado.
O presidente criticou o trabalho de Bachelet como Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos e disse que o golpe de 1973 "deu um basta à esquerda" no país. As críticas foram umas resposta a declarações de Bachelet de que o Brasil não é uma democracia plena.
“Seguindo a linha do (Emmanuel) Macron (presidente da França) em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, (Michelle Bachelet) investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu Bolsonaro em rede social. "(Bachelet) Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época".
Chile é um dos principais aliados de Bolsonaro
A declaração se tornou especialmente problemática para a relação bilateral por ter ocorrido no mesmo dia da chegada do chanceler Teodoro Ribera ao Brasil para uma visita oficial. Segundo fontes diplomáticas chilenas, o ministro estava em conexão entre São Paulo e Brasília enquanto discutia com o Palacio de La Moneda uma resposta às declarações de Bolsonaro.
Mais tarde, a jornalistas em Brasília, na manhã desta quarta, 4, ele reiterou as críticas. "Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para cadeira de direitos humanos da ONU. Passar bem, dona Michelle". Bolsonaro ainda desejou "pêsames" para Bachelet. "A única coisa que tenho em comum com ela é a esposa que tem o mesmo nome. Fora isso, fora isso, meus pêsames a Michelle Bachelet", disse o presidente.
'Incômodo'
Para o analista chileno Máximo Quitral, doutor em ciência política e especialista em relações internacionais, as declarações podem causar algum tipo de tensão porque os partidos políticos e a opinião pública esperam uma posição do presidente Piñera. "Vão provocar um incômodo ao governo de Chile as declarações do presidente do Brasil e também vão gerar resposta e reação de algumas figuras políticas", disse o professor da Universidad Tecnológica Metropolitana ao Estado. "Sobretudo entendendo-se que a ex-presidente está em um alto cargo internacional".
Ele, no entanto, não acredita que a situação possa congelar as relações. "A diplomacia pode solucionar e evitar que essas declarações prejudiquem as relações políticas construídas entre os dois países". Quitral diz que o Chile sempre teve uma posição de abertura com todos os países e que há uma conexão econômica entre as duas nações. "Esse modelo econômico chileno aparentemente exitoso se transformou num eixo referencial para a aplicação de algumas políticas econômicas que o Brasil quer implementar para tentar impulsionar sua economia".
Primeira viagem
O Chile é um dos principais aliados de Bolsonaro na América do Sul e destino de sua primeira viagem como presidente. Na cúpula do G-7 em Biarritz, na França, o presidente Sebastián Piñera participou das discussões sobre as queimadas na Amazônia com líderes ocidentais.
No começo do ano, Bolsonaro e Piñera articularam a criação do Prosur - bloco de centro-direita sul-americano que substituiu a Unasul - e unificaram o discurso de apoio à oposição liderada por Juan Guaidó na Venezuela. Na ocasião, o presidente já havia dado declarações favoráveis ao ditador chileno.
Partidos políticos cobram resposta de Piñera
Na imprensa chilena, as declarações do presidente brasileiro tiveram grande destaque. O presidente do Senado, Jaime Quitana, de oposição, exigiu uma resposta de Piñera. Na coalizão do presidente chileno, Chile Vamos, as declarações também foram mal recebidas. “Não é a melhor maneira de responder às críticas de Bachelet”, disse o presidente de um dos partidos do grupo, o Renovação Nacional, Mario Desbordes, ao La Tercera.
O único grupo político que defendeu integralmente o presidente foi o Partido Republicano, de extrema direita. “A ex-presidente tem usado seu cargo na ONU para questionar Bolsonaro”, disse o líder da legenda Antonio Kast. “Suas críticas se baseiam em posições ideológicas.”
Pai de Bachelet era militar e se opôs ao golpe
Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general da Força Aérea e se opôs ao golpe dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Bachelet foi preso três dias depois da queda de Salvador Allende e morreu, ainda no cárcere, em 12 de março de 1974, aos 50 anos.
Em 2012, a Justiça do Chile mandou prender os coronéis Benjamin Cevallos e Ramón Cáceres Jorquera, acusados de torturar e causar a morte do pai de Bachelet. Na ocasião, ela era candidata a presidente do país.
Foi a primeira vez em 38 anos que a Justiça se pronunciou sobre o caso do general Alberto Bachelet. A ordem foi dada após o Serviço Médico Legal determinar que a morte foi causada por problemas cardíacos decorrentes da tortura que ele sofreu na Academia de Guerra Aérea (AGA). À época, o órgão estava sob responsabilidade de Jorquera e Cevallos. “Há uma relação direta entre a morte da vítima e o seu último interrogatório”, escreveu o juiz.
Quando foi preso, o general chegou a enviar uma carta para sua mulher, Ângela Jeria, na qual relatava que o mais humilhante era que a tortura era praticada por seus companheiros de armas.
Alberto Bachellet e Michelle estão entre as 32 mil pessoas torturadas e presas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). A apuração dos crimes cometidos pelo Estado chileno durante a ditadura Pinochet levou a dezenas de condenações e prisões.
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