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Internacional

Guerra revela fronteira econômica da parceria entre China e Rússia

Os interesses geopolíticos de Pequim e Moscou são distintos, apesar de aliança de ocasião.

Escolas e maternidades em Kiev, Mariupol e outras cidades da Ucrânia ainda eram locais seguros para crianças, mães e grávidas quando os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, reuniram-se a portas fechadas em Pequim, no dia 4 de fevereiro. Ao fim da reunião, uma declaração conjunta acendeu um alerta no Ocidente.

Pequim e Moscou anunciaram naquela sexta-feira uma parceria estratégica e diplomática “sem limites” entre ambos e subiram o tom contra os EUA e a Otan, que naquele momento realizavam um boicote diplomático aos Jogos de Inverno de Pequim e confrontavam a Rússia por movimentações militares na fronteira com a Ucrânia.


Dez dias depois, tropas russas entravam em território ucraniano a partir de Belarus, a mando de Putin. Rapidamente, o conflito em solo europeu atraiu as atenções do mundo ao leste. Mas os olhares ultrapassaram os limites do eixo Kiev-Moscou e se estenderam até Pequim, numa tentativa de entender até onde o “parceiro” do Kremlin estaria disposto a se comprometer diante do novo cenário.

Interesses chineses

O que se viu da China desde então foram posições oscilantes, estrategicamente pensadas a partir de uma agenda de paciência e cautela, a fim de não comprometer seus objetivos econômicos e geopolíticos. Para Xi Jinping, era crucial manter a relação com a Rússia sem entrar na mira das potências ocidentais como cúmplice da invasão.

Há diversos exemplos dessa dicotomia. A China votou contra as sanções internacionais à Rússia, mas autoridades chinesas vieram a público pedir que “as duas partes” procurassem um caminho para a paz. Mas, ao mesmo tempo, diplomatas chineses e a imprensa estatal propagaram uma teoria da conspiração russa sobre laboratórios de armas biológicas financiados pelo Pentágono na Ucrânia.

A falta de uma posição decisiva da China alimenta teses sobre a inércia de Pequim. A The Economist apontou recentemente que os chineses entendem a guerra na Ucrânia como parte de uma disputa geopolítica maior, em que se opõem China e EUA, e definirá a próxima ordem mundial. Neste contexto, uma derrota russa poderia ser entendida como um fracasso para o plano chinês.

Além disso, o conflito também tem uma dimensão pessoal de Xi Jinping. Após a aproximação com Putin, uma derrota russa refletiria na imagem do presidente chinês em um ano decisivo, em que tenta garantir um terceiro mandato como chefe do Partido Comunista – pleito em que alterou regras partidárias para concorrer. “Ele mal pode se dar ao luxo de ser visto apoiando um perdedor”, diz a Economist.

Assim que a “parceria sem limites” foi declarada por Pequim e Moscou, especialistas apontaram que uma colaboração irrestrita entre os países era pouco provável – com muitos interesses específicos a serem contemplados entre os Urais e o Pacífico, muitos deles divergentes.

Apesar de possíveis áreas de cooperação guardarem interesses mútuos, como nos setores energético, de tecnologia e bens de consumo, as estratégias geopolíticas guardam pouca convergência fora da oposição à Otan.

Uma aliança com entraves

Jussi Hanhimaki, professor do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais de Genebra, alerta para entraves para uma parceria militar entre russos e chineses.

“Eles poderiam se tornar parceiros estratégicos no sentido militar, mas esta é uma faca de dois gumes, em se tratando de dois países compartilhando uma fronteira longa e muitas vezes contestada. O fato de a China ser economicamente mais poderosa e a Rússia ainda ter uma vantagem militar é uma assimetria problemática nesta relação”, afirmou Hanhimaki.

A assimetria mais clara da relação é econômica. Com um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de US$ 14,72 bilhões, a China tem uma economia dez vezes maior que a Rússia – com PIB de 1,483 bilhão em 2020, segundo o Banco Mundial.

Ao mesmo tempo, a Rússia ainda mantém uma superioridade militar comparativa – apesar dos gastos militares chineses terem ultrapassado o orçamento russo para a área. Além da superioridade em equipamentos militares convencionais (como número de tanques e artilharia móvel), Moscou ainda dispõe do maior arsenal nuclear do mundo, segundo a Arms Control Association.

Vladimir, o parceiro júnior

Na avaliação de Vladimir Gel’man, professor da Universidade de Helsinque e pesquisador do Centro Finlandês de Estudos Russos e do Leste Europeu, o poder militar garantiria pouca ou nenhuma vantagem estratégica à Rússia dentro de uma relação de cooperação irrestrita.

“O tamanho da economia chinesa é cerca de dez vezes maior que o da Rússia. É por isso que é difícil discutir tanto a cooperação livre quanto a competição entre dois países. Creio que a Rússia seja fornecedora de petróleo e gás da China e, muito provavelmente, compre alguns bens e serviços chineses. Mas essa cooperação pode ser impulsionada pela China, com a Rússia desempenhando o papel de uma espécie de ‘parceiro júnior’”, disse.

Ocupar um papel minoritário, contudo, não parece ser o objetivo final de Vladimir Putin, que tem se esforçado em criar uma realidade de poder fragmentada e multipolar na Eurásia.

Se a declaração de 4 de fevereiro não guardava nenhuma indicação específica sobre uma cooperação militar sino-russa, os comunicados de Moscou e Pequim são nítidos com relação ao principal elo entre os dois países: a oposição aberta à Otan.

“As partes se opõem à maior expansão da Otan, pedem à aliança do Atlântico Norte que abandone as abordagens ideologizadas da Guerra Fria, respeite a soberania, a segurança e os interesses de outros países, a diversidade de seus padrões civilizacionais e histórico-culturais, e trate o desenvolvimento pacífico de outros Estados de forma objetiva e justa”, dizia o documento.

Antagonismo ao Ocidente

Analistas foram unânimes ao declarar o antagonismo ao ocidente como o principal ponto de convergência entre os países. Porém mesmo esse aspecto foi relativizado após a invasão da Ucrânia.

As pesadas sanções econômicas e financeiras aplicadas à Rússia – comparadas por Putin a uma declaração de guerra – praticamente bloquearam a economia russa. Ativos no exterior foram congelados, oligarcas e o alto escalão do governo foram proibidos de manter negócios em uma série de países e o banimento do sistema Swift praticamente inviabilizou o acesso do país a moedas estrangeiras fortes, como o dólar e o euro.

Além das medidas contra a Rússia, os EUA e outras das principais economias do mundo ameaçaram estender as sanções a empresas e países que continuassem a negociar diretamente com Moscou - o que fez soar um alerta em Pequim sobre a possibilidade de se tornar o próximo alvo.

O ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, listou quatro motivos de por que a China não seria capaz de salvar a economia russa, entre eles, a integração do país a economia global.

“Mesmo que a China não tenha aderido às sanções, o país é profundamente integrado com a economia mundial. Isso significa que bancos e outras empresas chinesas, da mesma maneira que as corporações ocidentais, poderão adotar autossanções — ou seja, ficarão relutantes em fazer negócios com a Rússia por medo de reações negativas de consumidores e agências reguladoras nos mercados mais importantes”, disse o economista.

Em paralelo, a publicação britânica The Economist noticiou que dirigentes de empresas chinesas estão com um alerta ligado em função das sanções econômicas.

“Os bancos chineses poderiam reforçar o financiamento do comércio denominado em yuan com a Rússia usando o cips, o sistema de pagamentos transfronteiriços da China. Mas as empresas chinesas estão atentas ao risco para suas reputações em outros mercados mais importantes, caso se acumulem na Rússia. E os credores chineses correm o risco de serem atingidos por sanções”, escreve.

Ao contrário do mundo rachado pela cortina de ferro, certas vezes a ideologia precisa dar espaço a questões mais pragmáticas no mundo globalizado.

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