O Movimento Brasil Popular, integrado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros grupos de esquerda, encaminhou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo o reconhecimento da reeleição do ditador Nicolás Maduro como presidente da Venezuela. O pedido, segundo os militantes, é fundamentado no respeito à soberania venezuelana e na busca por estabilidade na América Latina.

A solicitação ocorre em meio a acusações de fraude nas eleições presidenciais venezuelanas de 28 de julho de 2024. Embora o órgão eleitoral do país tenha declarado Maduro como vencedor, não houve divulgação das atas eleitorais, o que levantou suspeitas de irregularidades.

Fraude eleitoral contestada internacionalmente

Diversos países e organismos internacionais, incluindo o Centro Carter, consideraram as eleições fraudulentas. O Centro Carter, convidado para monitorar o pleito, informou que não pôde atestar a legitimidade do processo e apresentou evidências à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Enquanto isso, a vitória do opositor Edmundo González foi reconhecida por países como os Estados Unidos, além do Parlamento Europeu e outras nações latino-americanas. “Está claro para os Estados Unidos e, mais importante, para o povo venezuelano que Edmundo González Urrutia obteve o maior número de votos nas eleições presidenciais”, declarou Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano.

Carta defende relações de vizinhança e estabilidade regional

Na carta enviada ao governo brasileiro, os militantes destacam a importância da cooperação entre Brasil e Venezuela. “Gostaríamos de ressaltar a importância da manutenção de boas relações de vizinhança entre o nosso país e a República Bolivariana da Venezuela, baseadas no respeito mútuo, na cooperação e na compreensão das complexidades internas de cada nação”, afirma o documento.

Os signatários também argumentam que o apoio do Brasil a Maduro seria um passo para a promoção da “estabilidade e harmonia na América Latina”.

Crise humanitária e repressão na Venezuela

Sob o governo de Nicolás Maduro, a Venezuela enfrenta um colapso econômico sem precedentes, acompanhado de repressão política. Segundo dados, 1,8 mil prisioneiros políticos estão detidos no país. Apesar desse cenário, os militantes de esquerda brasileiros insistem na legitimidade do regime chavista.

Reconhecimento do Brasil em jogo

O Governo Lula ainda não se posicionou oficialmente sobre o pedido do Movimento Brasil Popular. O tema coloca o Brasil em uma encruzilhada diplomática: manter relações amistosas com o governo de Maduro ou seguir a tendência internacional de reconhecer Edmundo González como presidente eleito da Venezuela. Veja a carta na íntegra abaixo:

CARTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, COMPANHEIRO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA.

“Estimado companheiro Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, Com os mais respeitosos e cordiais cumprimentos, dirigimo-nos a Vossa Excelência para abordar uma questão de extrema relevância para as relações internacionais de nosso país e, em particular, para a estabilidade e harmonia na América Latina.

Gostaríamos de ressaltar a importância da manutenção de boas relações de vizinhança entre o nosso país e a República Bolivariana da Venezuela, baseadas no respeito mútuo, na cooperação e na compreensão das complexidades internas de cada nação. Os princípios da soberania e da autodeterminação dos povos, consagrados na Constituição Federal de 1988 e na Carta das Nações Unidas, guiam a nossa política externa independente, uma conquista importante da nossa nação, sob vossa liderança.

Neste contexto, vimos respeitosamente solicitar que o governo brasileiro reconheça a legitimidade da reeleição do Presidente Nicolás Maduro, ocorrida de acordo com os processos internos da Venezuela. O próprio candidato da oposição, Edmundo González, reconheceu os resultados e a institucionalidade venezuelana ao acatar a decisão da Sala Eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça, argumentando que acata a decisão “por se tratar de uma resolução do máximo tribunal da República”, conforme consta na carta assinada pelo senhor González que veio à público em 18 de setembro.

O reconhecimento dessa eleição não apenas reafirma nosso compromisso com o respeito à soberania venezuelana, mas também fortalece os laços de amizade e cooperação que historicamente unem nossas duas nações.

A política externa brasileira de seu governo, altiva e ativa, tem como um de seus mais importantes eixos a Integração Regional em nossa região, como uma das condições essenciais para uma inserção mais soberana no contexto mundial, conforme o documento Consenso de Brasília, aprovado pelos países sul-americanos por iniciativa de seu governo em maio de 2023.

Neste sentido, aplaudimos as muitas iniciativas de seu governo e declarações da Presidência no sentido de ter compreensão e empatia pelas necessidades dos nossos vizinhos, como o oferecimento ao Uruguai da possibilidade de construir um possível acordo Mercosul-China em substituição ao acordo Uruguai-China, cujas negociações avançavam em janeiro de 2023. Ou a postura empática e de diálogo com relação à renovação do Acordo da Itaipu Binacional com o governo do Paraguai.

Em nossa opinião, relações diplomáticas, de abertura ao diálogo, sincero, empático e direto com o governo da Venezuela, especialmente nesse momento crítico pós-eleitoral, assim como com outros países de nossa região, é essencial para construir de maneira mais estrutural, institucional e permanente a Integração Regional.

Além disso, é necessário considerar os riscos que a ascensão de movimentos extremistas na Venezuela representa para toda a região. A mais recente apreensão por parte das autoridades venezuelanas, de 400 fuzis de uso exclusivo dos Estados Unidos e 6 pessoas, evidencia o caráter anti-democrático e terrorista de alguns setores da oposição venezuelana e dos Estados Unidos. Entre estas pessoas estão venezuelanos recrutados pelo Centro Nacional de Inteligência espanhol e um militar da ativa da Marinha dos Estados Unidos, Wilbert Joseph Castañeda Gómez.

A extrema direita venezuelana e seus aliados fora do país, promovem uma agenda polarizadora e desestabilizadora, ameaçando não só a paz interna do país, mas também a estabilidade de toda a América Latina. Esta situação pode ter reflexos negativos em nosso próprio país, gerando tensões que poderiam ser evitadas por meio de uma ação do Brasil pautada no diálogo e no respeito às escolhas legítimas do povo venezuelano.

Ao reconhecer a reeleição de Nicolás Maduro, o Brasil não apenas reafirma seu compromisso com os princípios de soberania e autodeterminação, mas também envia uma mensagem clara de apoio à paz e à estabilidade regional, promovendo o fortalecimento da integração latino-americana em um momento de grandes desafios globais.

Agradecendo a atenção de Vossa Excelência, reafirmamos o nosso compromisso com a democracia, o progresso social, a soberania brasileira e a integração regional”.

Entidades que assinaram a carta:

1. Afronte – Movimento Nacional de Juventude;
2. Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Comissão de Relações Internacionais;
3. Associação Brasileira de Juristas pela Democracia;
4. Centro Brasileiro de Solidariedade Aos Povos e Luta Pela Paz;
5. Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil;
6. Confederação Nacional das Associações de Moradores;
7. Federação Árabe Palestina do Brasil;
8. Instituto Brasil Palestina;
9. Levante Popular da Juventude;
10. Marcha Mundial das Mulheres;
11. Movimento Brasil Popular;
12. Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos;
13. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra;
14. Movimento pela Soberania Popular na Mineração;
15. União Brasileira de Mulheres;
16. União Brasileira dos Estudantes Secundaristas;
17. União da Juventude Socialista;
18. União de Negros pela Igualdade; e
19. União Nacional LGBT.