Darlan Romani cansou de ficar no “quase”. Passou perto de subir ao pódio em dois Mundiais e nos Jogos Olímpicos de Tóquio, mesmo alcançando marcas que lhe garantiriam medalhas em edições anteriores. Mas lutou contra o destino e, enfim, venceu os melhores do mundo ao ganhar o ouro no arremesso de peso do Mundial Indoor de Atletismo em Belgrado, na Sérvia. A marca de 22,53m é excelente para início de temporada e foi suficiente para ele superar seus fortes adversários. Sentiu alívio, alegria e orgulho, sentimento que considera difíceis de descrever. “Consegui romper uma barreira. O muro foi derrubado”, define sobre a sua maior conquista na carreira.
O ouro no Mundial Indoor de Atletismo foi comemorado por muita gente. Darlan conseguiu algo raro no Brasil: conquistar torcedores pela sua personalidade, não em virtude dos resultados, que já eram bons, diga-se - é decacampeão brasileiro, campeão sul-americano, dos Jogos Pan-Americanos, do Mundial Militar e da Copa Continental da World Athletics. Ele cativou os brasileiros com a sua trajetória, o carisma e o jeitão afável. O coraçãozinho formado com polegar e o indicador que faz para a filha e o pedido de casamento para a mulher, a ex-saltadora com vara Sara, no aeroporto ao retornar de Belgrado, são prova disso.
Eles já são casados no civil, mas não fizeram cerimônia, e o atleta quer realizar o sonho da companheira com quem está há uma década e que lhe deu a filha Alice, de 6 anos. “As pessoas querem acompanhar a minha vida, querem saber o que estou fazendo. Acho que o que cativa o público brasileiro é o respeito que tenho pela família”, diz o “Sr. Incrível”, apelidado assim pela semelhança com o personagem do filme “Os Incríveis”. “O público está assistindo atletismo. Isso é muito gratificante para mim, como atleta”.
Em entrevista ao Estadão, o catarinense natural de Concórdia diz como é competir com Ryan Crouser, Joe Kovacs e Tomas Walsh, três dos melhores arremessadores da história, recorda-se do período em que treinou provisoriamente num terreno baldio durante a pandemia, detalha como sua vida mudou depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio e dimensiona a diferença que faz ter de volta ao seu lado o técnico cubano Justo Navarro.
Você ficou em quarto lugar na Olimpíada de Tóquio, no ano passado, e nos últimos dois Mundiais de atletismo. Encarou o “quase” algumas vezes. Mas agora ganhou o ouro tão desejado em uma das principais competições internacionais. Como se sente?
A sensação é que eu consegui romper uma barreira. O muro foi derrubado. Eu treinei bastante, batalhei bastante por essa medalha. Agora encaixou e foi embora. A ficha ainda não caiu. Estou muito contente com esse título. É um momento de curtir essa medalha.
Você alcançou o título e sua melhor marca indoor na carreira. Até quanto dá para alcançar?
É difícil dizer. Estou treinando para melhorar ainda mais.
Você disputa com três dos melhores arremessadores da história. Um deles, o Ryan Crouser, aliás, é considerado o melhor da história. Como é competir com esses caras?
Competir com eles é estar entre os melhores do mundo. Os caras são muito bons. São excelentes pessoas, grandes atletas. Eu estar ali no meio faz me sentir um dos maiores porque eu olho para o lado e vejo um cara (Ryan Crouser) que já passou dos 23 metros, bateu recorde mundial, é bicampeão olímpico. O Tom Walsh foi bicampeão indoor. O (Joe) Kovacs também foi campeão mundial, medalhista na Olimpíada. Você estar ali no meio deles e conseguir vencê-los é muito prazeroso. Meu coração fica contente e isso me motiva para melhorar ainda mais.
Eu converso com eles. Meu inglês é um pouco curto, mas sempre falo com eles. Pergunto sobre a família, os treinamentos. Dois dias antes da prova, eu treinei com o Crouser na academia. Ele até filmou e me colocou no canal do YouTube dele, fazendo análises. Ele queria minha opinião a respeito dos movimentos dele. Ele gostou. Temos uma boa amizade.
Você voltou a ter seu técnico, o cubano Justo Navarro, ao seu lado presencialmente depois de mais de um ano. O quanto isso faz a diferença no dia a dia?
Faz total diferença tê-lo de novo comigo. Fiquei 380 dias sem ele por perto. Na parte de força, por exemplo, na academia, o treinador está olhando o movimento com atenção e sempre dá um toque. São pequenos detalhes em que, quando você está sozinho, às vezes não presta atenção no que fez. Na parte técnica, não tem nem o que falar. Ele avisa o que tenho que melhorar, diz por que fiz determinado movimento. Psicologicamente, ele não me deixa acomodar de jeito nenhum. Diz: 'você é campeão mundial? Não interessa. Amanhã você vai treinar e pronto, acabou, que o bicho pega’. É aquele ditado: o olho do dono é que engorda o gado. É a mesma coisa no treinamento. É o olho do treinador que faz a gente ter resultado. Quando estávamos separados, ele me mandava o treino, eu filmava meus arremessos e mandava pra ele. Geralmente, eu enviava os piores arremessos do dia e tomava cada esporro. Ele falava que estava tudo errado. É bastante exigente, mas é o correto.
Depois de seu desempenho na Olimpíada, você ganhou milhares de seguidores e passou a ser acompanhado por muita gente. Você entende que o brasileiro, de modo geral, hoje acompanha outros esportes além do futebol com mais atenção?
Acho que esse cenário já mudou. Eu fui convidado, por exemplo, para ver o jogo do Red Bull Bragantino aqui em Bragança (contra o Santo André, pelas quartas de final do Paulistão) e recebi uma homenagem. Quando entrei no gramado, todo mundo gritou, me aplaudiu e deram os parabéns. As pessoas estão me acompanhando, estão assistindo atletismo e essa procura está aumentando. Isso é muito gratificante para mim, como atleta. As pessoas e os apoiadores estão olhando com olhos diferentes para o atletismo. Todos comentam nas redes sociais, me mandam energia. Está muito legal.
Existe uma cultura resultadista, em certo ponto, no Brasil. Muitos torcem pelo vencedor, gostam de quem ganha. Mas no seu caso, na Olimpíada, se identificaram com seu empenho e sua personalidade e te abraçaram mesmo sem medalha. A torcida foi por você, não pela vitória. Como recebe esse carinho?
Era tudo muito novo para mim depois da Olimpíada de Tóquio. As pessoas querem acompanhar a minha vida, querem saber o que estou fazendo. Acho que o que cativa o público brasileiro é o respeito que tenho pela família. Às vezes estava faltando um detalhe para as pessoas voltarem a ter essa sensação de prazer. Eu fico feliz porque o que aparece nas redes sociais e na televisão sou eu mesmo. Quem vive comigo e me acompanha diariamente sabe disso. Quem me conhece sabe que eu sou mesmo desse jeito. O que mudou é que estou mais solto nas redes sociais. Estou me acostumando, é um treinamento também, perdi um pouco a vergonha. Está mais tranquilo. Antes, gravava um milhão de vezes. Hoje, em uma ou duas vezes fica legal.
Quantos patrocinadores você tem hoje? Depois de Tóquio, você conseguiu mais apoio financeiro do que tinha?
Hoje eu sigo com a Força Aérea Brasileira (FAB), sou apoiado pela Belfort, Korin, Acuvue, consórcio Chevrolet e recebo o Bolsa Pódio. Alguns fazem contrato curto, entram e saem. Há negociações para renovar. O cenário, hoje, é melhor do que antes da Olimpíada. Existem parcerias geralmente meses antes da Olimpíada. Agora, as empresas entenderam que a gente precisa desse apoio mais cedo, durante todo o ciclo olímpico. E tenho uma empresa de transporte. Empreendi nessa área porque a vida de atleta é muito curta e é um ramo de que gosto. Conversei com a Sara e decidi abrir a empresa. Minha mulher é quem toca a empresa. No começo eu ajudava, dava um direcionamento. Hoje eu só treino. Tenho que ficar focado.
Aqueles treinos no terreno baldio, no início da pandemia, em 2020, foram algo circunstancial, certo? Porque tudo estava fechado naquela ocasião. Mas os vídeos se tornaram virais e acabaram comovendo muita gente.
Eu poderia ter pedido para a CBAt ter deixado a pista aberta para eu treinar? Sim, mas seria falta de respeito com todos os atletas, que na época estavam se virando para treinar em casa. E foi o que eu fiz também, tive que me adaptar, improvisar. Fiz uma academia na garagem de casa e treinei num terreno baldio do lado de casa. Foi só por um período quando tudo estava fechado. Eu poderia ter ido treinar numa praça, mas tinha que respeitar meu treinador. Como poderia levá-lo a um lugar público e correr o risco de ele ser contaminado? É um senhor de 73 anos. Era uma situação complicada. Eram vários terrenos do lado de casa. Agora, já não existem mais. Hoje já construíram casas aqui. Se eu precisasse treinar aqui hoje já não poderia.
Além de seu desempenho como atleta, sua personalidade também chama a atenção e cativou os brasileiros. Principalmente seu lado amoroso, com a mulher e a filha. Como é o Darlan Romani fora das competições?
Sou um cara caseiro. Gosto de ficar com a família. Gosto de mexer nos caminhões, nos carros. É uma maneira de aliviar minha cabeça. A pressão que tenho é muito grande. E dessa forma eu relaxo, alivio um pouco a tensão.
E o casamento com a Sara. Já tem data e lugar definidos? Ela ficou surpresa com o pedido…
Estamos conversando para arrumar a melhor data. Será nas minhas férias. Vamos organizar tudo direitinho. Não sei se vai ser em Bragança. Ela ainda não sabe onde quer casar, se numa praia, num sítio. Para a gente, que é homem, casar no cartório está tudo certo, mas para a mulher é algo importante casar na igreja. E a Sara sempre falou que o sonho dela era ter uma festa. Ela cuida de tudo, da minha filha, faz tudo pela gente. Não tinha por que eu não realizar esse sonho dele. É algo muito simples. Ela merece.
Ela sabia que um dia o pedido viria, mas acabou sendo uma surpresa pra ela. Eu disse que faria num momento especial. Ela até tinha brigado algumas vezes comigo por isso. Pode parecer estranho o pedido de casamento no aeroporto, mas a gente se conheceu viajando, dentro do avião, em 2012, quando fomos para a Venezuela para uma competição. Quando ela passou, eu falei: 'nossa'. Tínhamos um amigo em comum. Conversamos, tentei dar um beijo na volta e ela não quis. No aeroporto ela perguntou se eu não iria pegar o telefone dela, começando a conversar e aí foi o início de tudo.
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