A cobertura florestal da Mata Atlântica manteve-se praticamente estável nos últimos 30 anos, mostra levantamento inédito do MapBiomas, em um processo com perda de florestas maduras e regeneração com matas jovens. Entre 1985 e 2020, a perda de vegetação primária foi de 10 milhões de hectares. Nesse mesmo período, a área de vegetação secundária ganhou 9 milhões de hectares. Os 465.711 km² representam apenas um quarto da área original. Por outro lado, a cobertura florestal passou de 27,1% em 1985 para 25,8% em 2020 – uma relativa estabilidade.
Entre 2000 e 2010, a Mata Atlântica ganhou 5.754 km² de florestas replantadas. Desde 2000, o Estado de São Paulo manteve o crescimento da área. No entanto, de acordo com o Mapbiomas, a perda ainda pode ser observada em regiões como a das florestas de araucárias do Paraná e no norte de Minas Gerais, na divisa com a Bahia. Mas não só, o mesmo processo ocorre em áreas de campos naturais, como na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Entre 1985 e 2020, a perda de formações campestres foi de 28%.
O Mapbiomas é um projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. De acordo com o levantamento, além da mata preservada, hoje outros 25% são ocupados por pastagens; 16,5% por mosaicos de agricultura e pastagens; 15% pela agricultura; 10,5% por formação savânica e outras naturais.
A questão é o caminho que o Brasil vai escolher seguir nas próximas décadas em relação à preservação do bioma, que se estende por 17 Estados (em 15 deles de forma contínua), e é um dos maiores “hot spots” do mundo – altamente biodiverso e ameaçado. Observar o processo de ocupação e uso ao longo dos séculos é também uma forma de olhar para a história do Brasil. Da exploração do pau-brasil ao café, passando pelo ciclo da cana-de-açúcar, o desenvolvimento econômico passou pelo bioma. “Cerca de 70% da população e 80% do PIB brasileiro estão assentados nesse bioma e dependem dos serviços ambientais da Mata Atlântica para, por exemplo, ter acesso a recursos hídricos”, diz Luis Fernando Guedes Pinto, um dos coordenadores do levantamento e diretor de Conhecimento da SOS Mata Atlântica.
De acordo com o levantamento, que considerou áreas de até meio hectare de mata em variados estados de preservação, 50% do bioma está em áreas privadas. “Por trás dessa aparente estabilidade está o fato de que foram desmatadas enormes áreas de florestas primárias”, diz Luis Fernando.
Entre 1985 e 2020, a perda de vegetação primária, original, foi de 10 milhões de hectares. Nesses período, a área de vegetação secundária, replantada, ganhou 9 milhões de hectares. “As florestas secundárias têm menor biodiversidade e menor quantidade de carbono armazenado”, explica Marcos Reis Rosa, também coordenador do levantamento. “No entanto, não significa que não são importantes. Nesse processo de crescimento dessas áreas, a absorção de carbono é maior do que nas áreas estabelecidas. O caminho é parar de desmatar o que já existe e estimular o reflorestamento”, completa Reis.
Outro indicador negativo, diz Luis Fernando, é que mesmo as florestas secundárias têm vida média de 4 a 6 anos antes de também serem derrubadas.
ÁGUA
Em meio à pior crise hídrica dos últimos 90 anos, diversos estudos e especialistas vêm alertando para o estado de preservação das principais bacias hidrográficas. “A crise hídrica pela qual passa o centro-sul hoje é resultado também da ocupação desorganizada das áreas de nascentes dos rios do bioma”, diz Luis Fernando.
No período estudado, observa-se o avanço de áreas protegidas nas nascentes de rios, com a substituição de plantações por áreas de proteção permanente (APPs). No entanto, algumas das mais importantes bacias continuam ameaçadas.
A do Rio Paraná, por exemplo, teve a cobertura nativa reduzida de 24% em 1990 para 19% em 2020. A do Rio Grande, de 21% para 20%. No mesmo período, outras ficaram estáveis ou tiveram crescimento discreto. A bacia do Rio Tietê passou de 19% para 20%. A do Paranapanema permaneceu estável em 23%. A bacia do Paraíba do Sul oscilou de 27% para 29%.
Segundo Reis ainda há espaço para iniciativas de conservação de reflorestamento avançarem no bioma. “Em São Paulo, as áreas de pastagens passaram de 9 milhões de hectares para 4 milhões de hectares no período”, diz. Substituídas por cana-de-açúcar, o melhor aproveitamento dessa área com a implementação de estímulos ao reflorestamento precisa ser um dos caminhos, defende o pesquisador.
O alerta converge com o relatório do IPCC publicado neste ano. O painel climático da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que até 2040, uma década antes do que era previsto, a temperatura média da Terra deve chegar a 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais. Entre as consequências para o Brasil está a perda da capacidade de produção agrícola causada por estiagens no Centro-Oeste. O mesmo efeito climático se espera no Nordeste e na Amazônia. Para o Sudeste brasileiro, os efeitos esperados são chuvas fortes e enchentes mais constantes. O mesmo relatório afirma que medidas precisam ser tomadas imediatamente para, ao menos, diminuir o impacto das mudanças climáticas. “A janela de oportunidade existe e precisa ser para já”, afirma Luis Fernando.
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