O anteprojeto do novo Código Civil, elaborado por uma comissão de juristas convocada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e prestes a ser tramitado na Casa, suscita preocupações significativas quanto à potencial fragilização do poder parental em prol de agendas ideológicas. Embora não haja menção explícita a ideologias de esquerda, alguns dispositivos são interpretados por juristas como abrindo brechas para atuação ideológica de juízes, membros do Ministério Público e conselheiros tutelares, que possam ter interesse em subverter o conceito de família.
Um dos pontos de preocupação reside na introdução do conceito de "autonomia progressiva" de crianças e adolescentes, conforme estipulado em um novo artigo que dispõe: "É reconhecida a autonomia progressiva da criança e do adolescente, devendo ser considerada a sua vontade em todos os assuntos a eles relacionados, de acordo com sua idade e maturidade."
Para juristas, a expressão "autonomia progressiva" abre espaço para interpretações amplas e subjetivas. "Trata-se de indivíduos em desenvolvimento, frequentemente carentes de experiência de vida para tomarem decisões sobre seus próprios interesses. Reconhecer essa autonomia progressiva e recorrer a expressões vagas parece imprudente", destaca o advogado Venceslau Tavares Costa Filho, professor de Direito Civil da Universidade de Pernambuco.
Outra preocupação advém da ambiguidade da expressão "violência psíquica", presente no artigo 1.638 do relatório da comissão de juristas. O dispositivo estabelece que perderá o poder familiar o pai ou a mãe que:
"Submeter o filho a qualquer tipo de violência, de modo a comprometer sua integridade física, moral ou psíquica."
"Seria necessário definir o que caracteriza violência psíquica, violência moral, para aplicar esse tipo de sanção aos pais", argumenta Costa Filho. "O texto proposto parece deixar em aberto a interpretação, o que pode gerar incerteza e litígio."
Um ponto de discordância substancial é o inciso do artigo 1691 proposto pelo advogado Flavio Tartuce, um dos relatores da proposta, que não foi acatado pela outra relatora, Rosa Nery. O dispositivo afirma:
"Ao término da autoridade parental os filhos podem, no prazo de dois anos, exigir de seus pais a prestação de contas da administração que exerceram sobre os seus bens, respondendo os pais por dolo ou culpa, pelos prejuízos que sofreram."
Juristas veem nesse texto uma brecha para que, quando alcancem a maioridade, alguns filhos demandem dos pais uma prestação de contas pela forma como administraram seus bens. Essa inovação é especialmente preocupante em casos em que os pais tenham decidido antecipar a herança aos filhos.
Para a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas) e doutora em Direito Civil pela USP, o dispositivo parece inspirado no caso da atriz Larissa Manoela, e é preocupante por seu potencial de incentivar conflitos judiciais entre pais e filhos.
Costa Filho também enxerga o risco de que o dispositivo proposto por Tartuce prejudique as relações familiares. "É uma regra que estimula a litigiosidade entre pais e filhos. Eu não acho uma regra bem-vinda. Se outra pessoa administra um patrimônio que é meu, já existe a ação de prestação de contas para isso. Realmente não entendo por que prever esse direito especificamente para os filhos em relação aos pais. Isso termina estimulando a litigiosidade, o que não é interessante, especialmente num contexto como o de hoje, em que o Judiciário e o CNJ estimulam tanto a pacificação, a autocomposição e o diálogo entre as partes para reduzir a intervenção do Estado nas relações privadas", comenta.