Ah, quem, senão ele, estaria metido numa estrovenga inconstitucional, que pretende criminalizar jornalistas e empresas de comunicação que divulgarem grampos ilegais ou informações sob sigilo? Eis Tarso Genro, este espantoso ministro da Justiça!
Antes que entre no mérito da estupidez de seu projeto, algumas informações prévias — que, acredito, estão relacionadas à formação política, com o que este blog está e sempre esteve comprometido. Vamos lá. Leiam o que vai em vermelho:
Art. 1º. É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência ou censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.
Bom, não é? Trata-se do primeiro artigo da chamada Lei de Imprensa (5.250), de 9 de fevereiro de 1967. Quanta liberdade garantida em plena ditadura! Não se precipitem. A lei tem outros 76. Os demais se encarregam de dizer que o que está expresso no primeiro não vale. Assim são as ditaduras escancaradas.
O Brasil já teve cinco leis de imprensa. Todas elas escritas em regimes ditatoriais. O Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar que torna sem efeito, no todo ou em parte, 20 dos artigos da lei em vigência, aquela de 1967. E por quê? Porque são flagrantemente inconstitucionais. Todos eles buscam criar entraves à livre circulação de informação. E a Constituição do Brasil é inequívoca a respeito em dois capítulos, que reproduzo abaixo (em azul)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
3º - Compete à lei federal:
Pois bem. O projeto de lei proposto por Tarso tem a cara da Lei da Imprensa da ditadura. Sob o pretexto de proteger a liberdade e, no caso, disciplinar a escuta, o valente não tem dúvida: RECRIA A CENSURA, VIOLA O DIREITO À INFORMAÇÃO E CRIA UM DISPOSTIVO QUE CONTITUI EMBARAÇO À PLENA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO.
Precisamos de uma Primeira Emenda, à moda da americana, no Brasil! Que surjam o partido e os parlamentares com coragem de assumir essa tarefa. Ela proíbe o Congresso de legislar sobre os direitos fundamentais dos indivíduos — incluindo o direito à informação. Por isso não há, nem haverá, Lei de Imprensa nos Estados Unidos ou qualquer tolice como o projeto de Lula/Tarso Genro. E, não obstante essa plena liberdade, inexiste a farra das gravações e vazamentos ilegais. Uma das razões é que a Polícia americana não tem como instrumento praticamente único de investigação a violação do sigilo telefônico.
Farisaísmo
O projeto de Tarso/Lula é puro farisaísmo. Pegue-se o caso do grampo denunciado por VEJA. Não fosse a reportagem, não se teria a dimensão da desordem reinante hoje na Polícia Federal e na Abin. Denunciá-la é uma obrigação moral.
Jornalistas existem para divulgar fatos, não para escondê-los. Embora algumas ratazanas asquerosas se comportem como porta-vozes de arapongas e amealhem benefícios no submundo do crime, o jornalismo não é uma extensão do trabalho policial. A nós não compete guardar sigilo do que sabemos. A nossa tarefa é outra: noticiar. E a Constituição nos garante:
1 – a liberdade de informação — de qualquer informação;
2 – o sigilo da fonte.
E Tarso não poderá mudar isso nem com a aparência virtuosa de seu projeto.
A questão é, portanto, em primeiro lugar, constitucional. Mas não só. Há nesse debate a dimensão do interesse público. Pensem comigo:
1 - se eu, jornalista, tenho acesso a uma gravação, legal ou ilegal, sobre assunto que diga respeito à coletividade, por que devo guardá-la só para mim ou fazê-la circular só na minha categoria?;
2 - se eu, jornalista, tenho acesso a uma gravação, é sinal de que ela já está na praça. Melhor divulgá-la ou permitir que o autor do grampo a use para fazer chantagem? Se a pessoa grampeada for uma autoridade, tal coação se dará, necessariamente, contra o interesse público;
3 - se tenho acesso a uma investigação sob sigilo de justiça, não há dúvida de que um crime foi cometido, mas não por mim. A Constituição me ampara duplamente: a) tenho o direito de informar o que sei; b) não tenho de revelar a fonte. Ora, que o estado abra investigação e tente punir a autoridade que divulgou a informação: ela era responsável pelo sigilo, não eu.
De resto, caso fique provado que houve uma associação criminosa entre o jornalista e os interessados em divulgar o grampo, o Código Penal dispõe de dispositivos para punir os transgressores. O Brasil não precisa de uma Lei de Imprensa. O Brasil não precisa do projeto de lei de Tarso Genro.
É realmente impressionante que a primeira ação do governo para conter a grampolândia seja limitar os direitos dos jornalistas e dos leitores. Lula (e Tarso) não consegue pôr ordem na Polícia Federal e na Abin. Então achou que censurar a imprensa era uma boa idéia. Pareceu-lhe tarefa mais fácil.
Texto de Reinaldo Azevedo de VEJA
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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