Em 2016, duas operações, "Déspota" e "IL CAPO", comandadas pelo Grupo de Atuação Especial ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado do Piauí (MPE-PI), destacaram o trabalho dos promotores de justiça, na incessante tarefa do combate ao “senso de indignação”, como descreveu Rômulo Paulo Cordão, durante entrevista ao GP1.
“Guardamos dentro de nós o senso de indignação contra esses atos espúrios e escabrosos de corrupção que, verdadeiramente, vêm matando toda uma geração de pessoas. São esses os verdadeiros genocídios, que quando praticam essas ações, desviam dinheiro público das suas finalidades essenciais, daí é onde falta a merenda escolar nas escolas, o remédio nos hospitais, o transporte para os alunos, e tudo isso faz com que os sonhos dessas pessoas realmente sejam roubados, sejam destruídos, então são pessoas sem índole, sem caráter, verdadeiros genocídios que luxam às custas da sociedade”, assim descreveu Rômulo Paulo Cordão.
- Foto: Lucas Dias/GP1Rômulo Cordão
Rômulo Paulo Cordão
“Eu me chamo Rômulo Paulo Cordão, tenho 35 anos, sou formado em ciências jurídicas, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), desde o ano de 2003. Ingressei no Ministério Público aos 27 anos. Sou paraibano, de Itaporanga. Anteriormente, eu fui delegado da Polícia Civil da Paraíba. Passei quatro anos como delegado em várias delegacias especializadas. Fui também servidor do TJ [Tribunal de Justiça] da Paraíba, concursado, e exerci o magistério a nível médio. Sou também professor da UESPI [Universidade Estadual do Piauí] há um ano e meio. Minha primeira comarca foi a comarca de Parnaguá, no qual ingressei em 2008 e sempre substituindo outras comarcas vizinhas, das quais adquiri a de Curimatá, uma das que me trouxe muito trabalho, mas ao mesmo tempo, por conta desse trabalho, muito reconhecimento aqui no Piauí, tendo em vista que lá o magistrado era envolvido com crime organizado e a gente teve essa missão de começar as investigações e tal. Atuei também nas comarcas de Avelino Lopes, Redenção do Gurgueia, Corrente, Cristalândia e Santa Filomena”, relatou o coordenador do Gaeco, que acrescentou que ministra as disciplinas de processo penal, medicina legal e direito eleitoral na Instituição de Ensino Superior (IES) ao qual se referiu.
MPE-PI no Interior
Rômulo Cordão avaliou os anos que ele atuou no interior do Piauí, como também destacou o trabalho que fez acerca dos crimes cometidos por dois juízes naquelas cidades. Além disso, ressaltou a importância da atuação do Ministério Público do Estado, para que eles fossem condenados.
“Tive muitas dificuldades no Extremo Sul por conta da ausência do Estado, pois é uma região muito mais difícil de trabalhar, tendo em vista que você se sente só, isolado. O poder público quase não chega lá e quando chega, chega de forma deficiente e isso tudo faz com que naqueles rincões, determinadas pessoas que já têm a vocação para a prática do mal realmente se sinta no local adequado por conta dessa ausência da atuação estatal, então lá eu trabalhei muito no combate ao crime organizado, na questão da grilagem de terras, fazendeiros de outros Estados, que grilavam terras na região e expulsaram as pessoas que estavam lá há muito tempo. Juízes vendendo sentenças, como o juiz Carlos Henrique [Teixeira], que nós conseguimos prender. Na época, foi a Operação Mercadores, em que ele foi demitido da magistratura. E o ícone maior da corrupção e do crime organizado lá era o ex-juiz Osório Marques Bastos, inclusive, isso foi pauta de uma matéria do Fantástico em 2011, com o [repórter] Francisco José. Ele era envolvido com venda de sentença, com pistolagem, homicídios, corrupção, toda sorte de crimes, e a região lá já era complicada porque o próprio prefeito na época era envolvido com roubo de cargas. Nós conseguimos prendê-lo e cassá-lo, então assim, foi uma época difícil, mas que me trouxe muitas experiências e fez com que criasse uma couraça maior do que já tinha para suportar as adversidades da carreira, que não foram poucas", disse.
- Foto: Lucas Dias/GP1Ministério Público do Estado do Piauí
"Por conta desse trabalho, eu creio que o Procurador-Geral de Justiça [Cleandro Moura] me convidou para vim coordenar o Gaeco, a partir de janeiro deste ano, me mudando para Teresina, e aqui no Gaeco eu coloquei uma dinâmica de trabalho do meu estilo, que é aquele estilo mais dinâmico, proativo, de buscar resolver as questões de forma eficiente, então eu acredito que a investigação, quando demorada demais, ela acaba deslocando na impunidade, por isso a gente faz um trabalho com muita cautela, porque a gente trabalha com direitos fundamentais, direitos sensíveis, mas também nós temos a preocupação de tudo aqui ter início, meio e fim. A gente vê muito no Brasil que tem início, mas a gente nunca sabe o resultado das coisas, então aqui eu tentei impor essa metodologia do trabalho. O Gaeco antes funcionava meio expediente, mas atualmente funciona expediente integral. Nós nos reunimos até aos sábados. O procurador-geral investiu muito aqui em termos de tecnologia, em termos de pessoal, e o órgão tem evoluído bastante. Esse ano nós já fizemos quatro operações, duas de maior envergadura, e as que deram uma maior pontuação por parte da imprensa, que foram a "Déspota” e a “IL CAPO”.
GAECO
O GAECO tem a função de órgão de execução, que trabalha efetivando medidas, e também como órgão de base. “Como órgão de apoio, normalmente um promotor de justiça do interior traz uma demanda e a gente avalia se aquela demanda tem os requisitos para se considerar uma organização criminosa, de acordo com a lei 12.850, que é a lei da organização criminosa e, se for, então a gente começa a prestar um apoio a esse promotor, tanto apoio logístico, como apoio operacional, o que ele precisar, e também tem as demandas que chegam diretamente ao Gaeco, que são aquelas que envolvem, por exemplo, pessoas que possuem prerrogativas de foro, então nós do Gaeco realizamos a investigação”, iniciou Rômulo Cordão.
O Gaeco no Piauí é um órgão heterogêneo, comandado por um promotor de justiça, além de outros quatro promotores, mas outras instituições também auxiliam o Gaeco, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Militar (PM), o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Controladoria Geral da União (CGU), e o Tribunal de Contas da União (TCU).
- Foto: Lucas Dias/GP1Gaeco
Quanto a atuação trabalhista desses outros membros, Rômulo Cordão comentou: “A gente faz uma investigação diferenciada porque nós temos a expertise desses outros órgãos, que nos auxiliam na parte contábil, por exemplo, numa análise financeira, numa licitação realizada em um município, então nós coordenamos a investigação, requerendo as medidas judiciais necessárias para o desenrolar da investigação e, ao final, oferecemos a denúncia para iniciar o processo penal, 'aí' nessa parte da denúncia, nós agimos juntos com o promotor natural. O promotor que tem a atribuição para atuar num determinado município ou numa determinada vara criminal daqui de Teresina, só que a nossa atuação não se esvazia na investigação. Nós acompanhamos todo desenrolar processual, até a primeira sentença de método acerca do processo. Então nós temos essa preocupação do início, do meio, até o fim do desenrolar. Uma outra questão é que após a investigação, quando há necessidade, nós decidimos em deflagrar ou não alguma operação, no sentido de coletar mais dados que foram inicialmente negados, ou dados que não foram encontrados inicialmente na investigação e 'aí', quando há a necessidade de uma operação, nós agimos, coordenamos e outras instituições participam também, como por exemplo a Polícia Civil”, descreveu.
Quanto a atuação do Gaeco no Ministério Público do Estado do Piauí, Rômulo Cordão destacou que o órgão vem evoluindo de forma significativa e, para isso, ele citou um exemplo: “Nós fizemos uma em parceria com o Gaeco da Bahia, que foi a prisão de um juiz, o Cícero, envolvido em um esquema de sentenças para alterar registros imobiliários. Ele já é um juiz aposentado, mas praticou isso quando 'tava' na ativa e tem essa investigação do Ministério Público da Bahia e nossa também”.
Represália
Certos trabalhos produzem consequências, que contribuem diretamente com a insegurança do trabalhador, inclusive a de um promotor de justiça. Rômulo Córdão relatou experiências que lhe causaram, mesmo que de forma tímida, momentos de instabilidade quanto ao trabalho exercido. Ele relembrou essas situações, como também falou acerca das medidas necessárias para que a atuação não tivesse fim e nem se esquivasse ao foco que deveria ser atingido.
- Foto: Lucas Dias/GP1Coordenador do GAECO, Rômulo Cordão
“É comum na atuação do promotor você receber retaliação, desde ameaças explicitas à ameaças veladas, ou outro tipo de retaliação no sentido de minar o seu trabalho, como por exemplo, representações que você sofre na Corregedoria de forma infundada. Já sofri toda sorte de retaliação nesses nove anos, de tal maneira que nem me causa mais surpresa quando isso acontece, mas quando a gente trabalha, a gente trabalha de pé no chão, de forma muito centrada. Mesmo com essas representações, no momento oportuno, a gente esclarece o fato que está sendo atribuído e pronto. Nunca tive nenhum prejuízo em relação a isso porque todas foram feitas de forma leviana no sentido, realmente, de tentar 'puxar o tapete', desequilibrar a sua atuação ou lhe provocar, então a gente do Ministério Público tem que ter essa pacimônia, tem que ter resiliência, para saber trabalhar e trabalhar de forma bastante técnica, sem levar para o lado pessoal e sem subjetivismos. A gente tenta e se policia para trabalhar dessa forma, isso evita muita coisa. Em relação a retaliação, a ameaças no extremo sul, eu vivi lá sete anos com segurança armado por conta dessas questões, mas graças a Deus consegui passar essa fase da vida e agora estou aqui em Teresina”, afirmou.
Operação “IL CAPO”
A operação mais recente, comandada pelo Gaeco, foi a “IL CAPO”, em que o Ministério Público do Estado do Piauí constatou que entre os anos de 2004 e 2008, aconteceram pagamentos irregulares a estagiários e servidores do próprio órgão. Na ocasião, o ex-procurador-geral de Justiça, Emir Martins, foi preso.
Rômulo Cordão finalizou a entrevista comentando dois pontos importantes sobre esse fato. O primeiro, falou sobre a reação do Gaeco, quando foi confirmada a soltura de Emir Martins, um dia após a prisão. O segundo fator destacado é como o MPE reage ao se deparar com o fato de que no órgão, que tem a função de fazer a justiça acontecer, existem pessoas que são objetos da injustiça social.
- Foto: Facebook/Emir Martins Ex-procurador-geral, Emir Martins
“Olha, primeiramente, haviam todos os elementos da prisão temporária. A prisão temporária é uma prisão simples, de natureza processual, que é para você concluir uma investigação, para você ver com toda profundidade de extensão o que falta, então ela foi uma medida solicitada porque haviam documentos que precisavam ser apreendidos, porque havia necessidade de ouvir essas pessoas sem que elas combinassem os depoimentos, haviam provas no autos que eles destruíram, provas na época que o Conselho Nacional do Ministério Público esteve aqui, então haviam todos os elementos que conduziam a necessidade da prisão temporária. Nós representamos. Os quatro promotores do Gaeco, o judiciário, por meio do Dr. Almir Tajra acolheu. É uma peça de 64 páginas, modéstia parte, bem fundamentada e, posteriormente, em menos de 24 horas, o desembargador realizou a soltura dele, e o que é pior, dos demais investigados, estendendo o habeas corpus. Nós não concordamos. Respeitamos a decisão, mas não concordamos com os motivos. Aliás, os motivos que foram elencados pelo desembargador não têm a ver com a prisão temporária. Ele usou os motivos da preventiva para justificar a soltura da temporária, mas como eu disse, nós respeitamos e a prova [rústica] que nós já temos e que foi colhida na operação é suficiente, eu digo sem medo de errar, para um decreto condenatório", frisou.
O promotor explicou detalhes que reforçam a tese levantada pelo Ministério Público na investigação
"O que tem lá é sigilo bancário de transferência do Ministério Público, de valores vultosos, para quinze membros da família do ex-procurador, Emir Martins, desde a sua ex-mulher a sua atual mulher, aos filhos, noras, genros, cunhados, sobrinhos, então assim o Ministério Público era uma verdadeira farra da família Sauders para desviar dinheiro, então isso aí não precisa de testemunhas, pois às vezes falham. Isso aí ‘tá’ na quebra de sigilo bancário, então não há como discutir. A defesa, logicamente, ‘arrue’. É natural ‘arruer’ essas questões, devido a necessidade das prisões, mas nós temos a plena convicção de que foi necessário. As provas são robustas, são provas concretas e fortíssimas. Nós não temos dúvida da condenação e sobre a decisão do desembargador, como dito, embora discordo, isso em nada inundou o trabalho que desenvolvemos, não diminui nossa expectativa na justiça. Eu creio que ela será feita e em nada abala o trabalho do Gaeco", ponderou.
Persistência
"A gente continua reto da mesma forma, trabalhando. Isso aí não altera em nada o nosso trabalho, inclusive já passei por uma situação dessa natureza no extremo sul. Não é incomum, pelo contrário, a vida do promotor de justiça é essa. Ele tem que saber lidar com as frustrações. É comum na carreira. A gente tem que saber lidar com as frustações, de manter a calma, a pacimônia, a resiliência, e acima de tudo, sermos persistentes e perseverantes naquilo que a gente acredita. Nós continuamos trabalhando no caso. A gente 'tá' concluindo a denúncia. Será denunciado ele e mais treze familiares. Os bens imobiliários deles já foram tornados indisponíveis. Os veículos e as contas foram bloqueados. Nós não almejamos só a questão da prisão. Às vezes, mais importante do que a pena privativa de liberdade é a devolução ao que a sociedade sofreu. O prejuízo completamente ilícito dessas pessoas, que trazem um prejuízo social grandioso. Então a gente se preocupa muito com essa devolução aos cofres públicos, por isso tomamos essa medida. O processo neste mês já está sendo iniciado e a gente tem certeza que ao final eles serão responsabilizados”, declarou Rômulo Cordão.
Sobre possíveis conflitos causados no Ministério Público, após o caso de Emir Martins vir à tona, Rômulo Cordão finalizou, declarando: “Olha, a operação IL CAPO é um divisor de água no Gaeco porque a gente atua muito aqui no Gaeco em investigações com pessoas que fazem parte daquele rol restrito dos colarinhos brancos, pessoas que têm poder político, poder econômico. Às vezes com poder de foro [privilegiado], enfim, e a gente sempre atuou na prisão de prefeitos, vereadores, de outras autoridades, e chegou a gente a investigação que se dizia respeito a uma ex-autoridade do próprio Ministério Público, então isso é o que demonstra a maturidade do grupo. Não há essa questão de ser ou não pertencente do Ministério Público. Nós investigamos fatos. Os fatos são praticados por pessoas, então a falha não 'tá' na instituição, e nada mais natural e democrático, como eu sempre falo, da gente atuar contra quem quer que seja. A gente tem que apurar o fato. Se o fato foi praticado por um juiz, um prefeito, um promotor, independente, ele terá que ser responsabilizado, então a gente evoluiu, adquiriu essa maturidade. Não vou dizer que não causa um certo constrangimento, mas a gente faz isso com a maior tranquilidade, de forma profissional, muito objetiva e fazemos um trabalho, que continuará sendo feito", disse.
O promotor completou: "Tenho certeza que em questão de instituição, em nenhum momento saiu eivada ou arranhada porque a sociedade viu que foi a própria instituição que apurou e quem 'tá' denunciando os males causados dentro da instituição, mesmo sendo um ex-procurador geral por duas vezes. Uma pessoa que tinha esse poder e vê que a nossa instituição age de forma imparcial, independente de quem seja [...] A vista da lei, da Constituição, a gente vai atuar tranquilamente, sem nenhum tipo de temor, sem nenhum tipo de medo. A gente vai atuar tranquilamente, então foi um marco porque demonstra a sociedade que o Ministério Público não está preocupado se A ou B cometeu o crime. A gente 'tá' preocupado em simplesmente elucidar, em esclarecer os fatos e atuar contra quem quer que seja. Como eu disse, as pessoas são que falham. As instituições não, as instituições ficam. O fim das instituições são os fins nobres e o que a gente não pode deixar é que essas pessoas que falham, que têm uma conduta desonesta, arranhe e suje a imagem da instituição. Quando a instituição atua e pune isso, demonstra que a instituição é maior. Ela tem hombridade. Ela não aceita que essas pessoas venham arranhar a própria imagem da instituição ao qual fazem parte”, finalizou o coordenador do Gaeco.
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