Parnaíba, no Piauí, viveu um dos casos mais chocantes de envenenamento em série da história recente do estado. Em menos de seis meses, oito pessoas, sendo sete da mesma família, morreram após ingerirem alimentos contaminados com terbufós, um pesticida agrícola altamente tóxico e de venda controlada no Brasil. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil, que prendeu, no dia 31 de janeiro deste ano, Maria dos Aflitos Silva , suspeita de envolvimento direto nos crimes. Seu companheiro, Francisco de Assis Pereira da Costa , já havia sido detido no início do mês.

As investigações apontam que ambos participaram do envenenamento de filhos, netos e até de uma vizinha de Maria dos Aflitos.

Foto: Reprodução
Maria dos Aflitos Silva e Francisco de Assis Pereira da Costa

Primeiras mortes

O primeiro episódio trágico ocorreu em 22 de agosto de 2024, quando João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8, começaram a passar mal após ingerirem alimentos contaminados. Os meninos, filhos de Francisca Maria da Silva e netos de Maria dos Aflitos, foram internados em Teresina e morreram semanas depois: João Miguel em 12 de setembro e Ulisses Gabriel em 10 de novembro. Inicialmente, Francisco de Assis afirmou que as crianças haviam consumido cajus doados por Lucélia Maria da Conceição, vizinha da família. No dia seguinte, Maria registrou um boletim de ocorrência acusando Lucélia pelos envenenamentos.

Entretanto, após investigações, a polícia descobriu que Lucélia não era a responsável. Durante uma busca em sua residência, foi encontrado terbufós, a substância utilizada no envenenamento, o que levou à prisão preventiva de Lucélia. Mesmo assim, novas mortes na família mudaram os rumos da investigação.

O almoço fatal de Ano Novo

Em 1º de janeiro de 2025, nove membros da família passaram mal após almoçarem baião de dois. Cinco morreram nos dias seguintes: Manoel Leandro da Silva, 18 anos; Igno Davi da Silva, 1 ano e 8 meses; Maria Lauane da Silva, 3 anos; Francisca Maria da Silva, 32 anos; Maria Gabriela da Silva, 4 anos. Inicialmente, Maria dos Aflitos e Francisco de Assis tentaram transferir a culpa para peixes (manjubas) supostamente doados por terceiros, mas os exames toxicológicos apontaram que o veneno estava no baião de dois, preparado no dia 31 de dezembro.

A investigação revelou que Maria dos Aflitos e Francisco de Assis foram os únicos acordados durante a noite de Réveillon e que o veneno foi introduzido na comida na madrugada de 1º de janeiro. Francisco de Assis mudou sua versão várias vezes, e a perícia indicou que ele pode ter sido contaminado de forma dérmica, ao manusear o veneno.

A morte de Jocilene e a confissão

Em 22 de janeiro, mais uma morte chamou a atenção: Maria Jocilene da Silva, vizinha de Maria dos Aflitos, morreu após ingerir café na casa da suspeita. Jocilene havia sido hospitalizada após o episódio de envenenamento no Ano Novo e, ao receber alta, foi quem cuidou de João Miguel e Ulisses Gabriel no hospital. Maria dos Aflitos tentou encobrir o caso, alegando que Jocilene havia sofrido um infarto, mas a perícia encontrou traços de terbufós no copo da vítima.

Após ser presa, Maria dos Aflitos confessou o assassinato de Jocilene, alegando que envenenou a mulher para tentar "libertar" seu companheiro Francisco, que estava preso por envolvimento nos outros envenenamentos. Segundo Maria, ela estava "cega de amor" por Francisco e achava que, ao eliminar pessoas próximas a ele, conseguiria manter o relacionamento.

Motivação e modus operandi

Investigações mais profundas revelaram que Francisco de Assis nutria um profundo desprezo pelos filhos e netos de Maria. Ele controlava rigidamente os alimentos da casa, armazenando-os em um baú trancado, o que causava episódios de fome entre os familiares. Durante buscas, a polícia encontrou documentos que indicam sua obsessão por ideais nazistas, e livros encontrados nas propriedades de Francisco faziam referência ao uso de substâncias tóxicas, como o terbufós, para matar pessoas.

Os investigadores acreditam que os dois primeiros envenenamentos foram meticulosamente planejados por Francisco, enquanto o terceiro, o assassinato de Jocilene, foi impulsivo e mal planejado, indicando que Maria dos Aflitos agiu sozinha nesse caso. De acordo com o delegado Abimael Silva, os primeiros crimes evidenciam um plano bem elaborado, com Francisco controlando as ações, enquanto no terceiro crime, a falta de atenção e planejamento de Maria se tornou evidente.

Conclusão da investigação

Com as prisões de Maria dos Aflitos e Francisco de Assis, a Polícia Civil concluiu que os envenenamentos foram premeditados e executados de forma meticulosa. O casal será responsabilizado pelas mortes de oito pessoas, tornando este caso um dos mais chocantes já registrados no Piauí. O modus operandi de Francisco, aliado à cegueira emocional de Maria, resultou em uma série de tragédias familiares que, agora, estão sendo devidamente investigadas e levadas à justiça.