Criada há 27 anos pelo alemão Johannes Skorzak, mais conhecido como João Alemão, no ano de 1990, a fundação Amare Brasil ajuda atualmente cerca de 480 crianças da região do município de Esperantina com a disponibilização de serviços gratuitos e é mantida principalmente por doações de alemães.
O fundador da Associação para o Bem-Estar do Menor Carente de Esperantina (Amare), João Alemão, revelou que instituição foi criada após ele ver as mazelas sofridas pela população piauiense e decidir sair da Alemanha para montar um projeto no interior do Piauí. Hoje, a instituição atende diariamente diversas crianças, dando a eles uma atividade e um objetivo de vida.
- Foto: Facebook/Amare BrasilCrianças atendidas pela Amare Brasil
A Amare sobrevive principalmente de doações de alemães, o que preocupa o fundador, que hoje aos 61 anos, pede mais apoio da comunidade para que o projeto consiga sobreviver sem essas doações que representam metade dos recursos que mantém a instituição mensalmente. São com essas doações que a Amare realiza várias atividades como coral, violão, flauta, percussão, teclado, saxofone, capoeira, computação, futebol, teatro, dança, biscuit, crochê, pintura, bordado, arranjos florais, reciclagem, jardinagem, horticultura, capoeira e outras atividades.
Da Alemanha para o Piauí
Johannes Skorzark queria se tornar padre quando descobriu que o Nordeste sofria uma grande seca, que matou milhões de pessoas. Em 1980 ele terminou seus estudos de teologia e filosofia e recebeu um convite de um padre alemão para que pudesse vir ao Brasil, como seminarista, e ajudar o trabalho da Igreja Católica na região de Pedro II. Foi quando ele descobriu a grave situação que estava passando a população e decidiu ajudar.
“Eu recebi um convite de um padre alemão que era vigário em Pedro II, o padre Noberto. Ele me convidou e eu vim para cá, porque naquela época, o Piauí e o Nordeste sofreram a maior seca de todos os tempos. Se calcula que nesta época morreram 4 milhões de pessoas de fome nessa nossa região e com isso nasceu um grito de solidariedade em toda a comunidade internacional. Quando eu vim para Pedro II, eu vi essa seca, as pessoas sem nada, de fato muita gente morrendo de fome. Para mim era claro que eu como teólogo, candidato a padre, tinha encontrado a vocação, o chamado da minha vida. O que eu vi me chocou. Então fiz um ano de estágio pastoral na cidade de Pedro II de 1980 a 1981 como seminarista na Igreja Católica”, disse.
Em 1981, ele teve que retornar para a Alemanha para fazer o curso de ordenação como padre, mas o desejo de voltar ao Piauí acabou fazendo com que ele desistisse de seguir esse caminho. Foi então que ele decidiu montar uma estrutura para ajudar os piauienses.
“Quando eu voltei para fazer o curso de ordenação como padre, o bispo queria que eu ficasse na Alemanha, mas como eu tinha visto essa necessidade profunda, esse chamado devido aos piauienses que estavam sofrendo com a seca, essa história teve um desfecho diferente e eu resolvi vir por conta própria. Fundei um movimento em prol das vítimas da seca em 1982. Eu fiz uma articulação com instituições e entidades ligadas a pessoas da igreja e de cunho humanitário na Alemanha, para ajudar as vítimas da seca aqui no Piauí. Na época estava atuando o padre Ladislau João da Silva em Esperantina, que me chamou para lá, por isso fiquei naquela região”, disse.
- Foto: Lucas Dias/GP1Johannes Skorzak, o João Alemão
Expulso do Brasil
Quando ele retornou ao Brasil, um dos trabalhos que realizou foi ajudar na reforma da igreja de Esperantina, um dos pontos foi a pintura de um painel, que foi considerado um tipo de manifestação pública que não foi aceita pelo regime militar que estava ocorrendo no Brasil. Isso acabou gerando a sua expulsão do país.
“A igreja de Esperantina estava precária e precisava de uma reforma, esse foi nosso primeiro trabalho concreto. Foi pintado um painel que hoje está em muita discussão, pois foi tombado como patrimônio histórico recentemente. Ele é chamado o Calvário de Jesus Hoje. Eu estimulei esse painel, incentivei isso porque eu conheci o pintor capaz de fazer isso. Nele mostra Jesus sofrendo no meio de todos aqueles que estão sofrendo também, as mulheres pegando água, as crianças pedindo esmolas na rua e cenas de expulsão de terras, dos mártires da América Latina, os padres que estavam presos porque estavam articulando a democratização do Brasil, e por causa desse painel, em outubro de 1983 eu fui expulso do Brasil. Naquela época vivíamos em um regime de ditadura militar, e nesse painel também tinha uma cena que representa 1º de maio de 1982, onde um grupo da igreja foi enfrentado por fuzis por militares. Toda manifestação pública era proibida. O Brasil estava embaixo de censura, o que significa que como a igreja era um local protegido, essa painel profético foi colocado em destaque. Eu fui expulso porque disseram que eu estava causando confusão política e quase um ano depois consegui retornar ao Piauí”, explicou.
Início da Amare
Após seu retorno ao Brasil, um dos projetos foi a construção de casas de taipa para os moradores carentes em 1984. “Tivemos um mutirão de verdade, onde levantamos mais de 130 casas no primeiro mutirão genuíno do Piauí que foi em 1984 após uma enchente imensa que fez centenas de desabrigados. O local onde fizemos esse primeiro mutirão, hoje é o bairro Cristo Rei. O material foi doado por empresários, fazendeiros e pessoas de boa condição. Só em um sábado, mais de 300 pessoas voluntárias construíram casas de taipa. Em um sábado chegamos a construir umas 11 casas. Foi uma coisa espetacular”, disse.
Ele afirmou que esse trabalho em comunidade mostrou que ele precisava focar o seu trabalho nas crianças. “Ficou muito mais claro para mim que para mudar a sociedade para o bem, para fazer ela se descobrir, é preciso começar pelas crianças. Naquela época tinham muitas crianças em Esperantina na rua pedindo esmola, vendendo dindim, pedindo comida. Isso me tocou profundamente, ter visto crianças dessa idade sofrendo e também pelo fato de eu ter sido meio órfão com a minha mãe morrendo quando eu tinha cinco anos, tudo isso me tocou profundamente. Então incialmente com ajuda de amigos de Esperantina fundamos a Amare em 1990. Começamos pequenos com 50 a 60 crianças, hoje na Amare são mais de 480. O início foi muito modesto, debaixo de árvore, então começamos praticamente fazendo trabalho de combate a fome, a Organização Mundial Contra a Fome fornecia para a gente alguns produtos, como fardos de arroz, a fava, em contrapartida as criança brincavam, recebiam reforço escolar e trabalhavam em uma horta. Tivemos famílias inteiras que criaram os seus filhos dentro da Amare, onde eram o único momento onde comiam dignamente.”, explicou.
- Foto: Facebook/Amare BrasilAlunas de Flauta da Amare
Doações
Hoje a Amare possui o apadrinhamento da criança com a doação de dinheiro e o projeto Empresa Amiga para ajudar a instituição. Assim eles conseguem alguns recursos, mas é com doações de alemães que a instituição consegue realmente se manter.
“Aos poucos conseguimos apoio de amigos da Alemanha, especialmente amigos ligados ao seminário, mas também meus amigos da adolescência e da universidade, a principal amiga é uma juíza de infância, a Elizabeth Winkelmeier Becker, que é deputada. Durante esses 27 anos e meio, a Amare foi basicamente sustentada pela doação de amigos da Alemanha, que sabiam pela dificuldade do Piauí, pelas dificuldades que se encontra o estado. Somente em 2008 é que foi firmado o nosso primeiro convênio com o estado. Enquanto há alguns anos atrás 100% do financiamento era da Alemanha, hoje ainda é em torno de 2/3. Gastamos algo em torno de R$ 60 mil por mês. Desse valor vem R$ 24 mil do estado, por meio de uma emenda parlamentar do deputado Themístocles Filho, mais R$ 8 mil do governo federal repassado por meio da prefeitura de Esperantina. Hoje conseguimos quase R$ 10 mil através de doações e o restante vem da Alemanha”, explicou.
- Foto: Lucas Dias/GP1Johannes Skorzak, o João Alemão
João Alemão disse estar preocupado, pois entende que não poderá ficar sempre a frente da instituição e que espera que ela consiga sobreviver sem as doações dos alemães.
“Durante 27 anos e meio esse pessoal da Alemanha conduziu o financiamento da Amare e hoje estamos trabalhando para que a principal transformação social aconteça quando o povo quer. A comunidade pode continuar, porque eu tenho hoje 61 anos e não tenho mais garantia de vida, preciso repassar essa responsabilidade de inspirar, de tomar uma atitude para que a instituição possa resolver os seus próprios problemas. Eu acredito muito nisso, de que a comunidade é capaz sim. Hoje fizemos esse trabalho devido a uma grande equipe articulada, de profissionais que são dedicados, temos um trabalho enorme, quase 500 crianças diariamente e temos cerca de 40 funcionários e uns 10 voluntários, além de outras ajudas que recebemos”, disse.
Um sonho realizado
João Alemão afirmou que o trabalho realizado é a missão da vida. Deixou claro que não pretende entrar na política, até porque não possui cidadania brasileira e destacou que a sua missão é ajudar a melhorar a vida das crianças.
“O nosso tema da Amare é “Educar é reencantar para a vida”. Tirar as crianças da depressão, do ambiente do tráfico de drogas, da extrema pobreza, da fome, do desestímulo e oferecer para elas uma chance igual de outras pessoas que não possuem essa condição. Temos muitas histórias de sucesso. Como uma instituição consegue se sustentar por tanto tempo? A primeira coisa é a honestidade e transparência. Em 27 anos nenhuma prestação de contas nossa veio com uma ressalva. Eu vim para o Piauí porque o que eu vi me chocou e agora a missão da minha vida é essa, ajudar. A Amare tem um leque muito amplo de serviços gratuitos. É um trabalho de socialização de excelência”, finalizou.
Quem quiser conhecer e ajudar o projeto pode entrar na página da instituição no Facebook, pelo site oficial da Amare ou por meio do telefone (86) 99933-6183.
- Foto: Facebook/Amare BrasilAmare atende várias crianças
- Foto: Facebook/Amare BrasilCrianças atendidas pela Amare
Ver todos os comentários | 0 |