No primeiro trimestre de 2022, a Netflix perdeu usuários pela primeira vez em uma década. O balanço da empresa, divulgado nesta terça-feira, 19, indicou que cerca de 200 mil assinantes deixaram a plataforma nos primeiros três meses do ano. A expectativa era que o número de usuários aumentasse em, pelo menos, 2,73 milhões, de acordo com a consultoria StreetAccount. As ações da empresa caíram 24% nas negociações pós-mercado.
A conta poderia ter sido pior: segundo a empresa, o impacto da guerra da Ucrânia, que levou a plataforma a suspender seus serviços na Rússia, resultou em uma perda de 700 mil assinantes neste início de ano. A adição, porém, de 500 mil assinantes no restante do mundo amorteceu a primeira perda em mais de uma década. Alguns analistas acreditavam que a companhia poderia registrar perda de até 1 milhão de usuários por causa do conflito no Leste Europeu.
Em um semestre difícil, a perda se traduziu também nos números financeiros da empresa. A receita do primeiro trimestre cresceu 10%, para US$ 7,87 bilhões, ligeiramente abaixo das previsões de Wall Street de US$ 7,93 bilhões. O lucro líquido por ação foi de US$ 3,53.
Ainda, é a primeira vez que a empresa indica uma expectativa negativa em relação ao número de usuários para o próximo trimestre. Com a continuação da guerra e a concorrência com outros serviços de streaming, a previsão de investidores é que a empresa perca 2 milhões de assinantes ao final do segundo trimestre de 2022.
“O grande número de famílias compartilhando contas – combinado com a concorrência, está criando ventos contrários no crescimento da receita", disse a empresa em um comunicado. A reclamação formal sobre o compartilhamento de contas surge após a empresa iniciar testes em alguns países para a "taxa do ponto extra".
Esperava-se que o serviço de streaming dominante no mundo registrasse um crescimento lento, em meio à intensa concorrência de rivais estabelecidos como Amazon, empresas de mídia tradicionais como a Walt Disney e a recém-formada Warner Bros Discovery e Apple TV.
Os serviços de streaming gastaram US$ 50 bilhões em novos conteúdos no ano passado, em uma tentativa de atrair ou reter assinantes, segundo a pesquisadora Ampere Analysis. Isso representa um aumento de 50% em relação a 2019, quando muitos dos serviços de streaming mais recentes foram lançados, sinalizando a rápida escalada das chamadas “guerras de streaming”.
À medida que o crescimento diminui em mercados maduros como os Estados Unidos, a Netflix está cada vez mais focada em outras partes do mundo e investindo em conteúdo no idioma local.
“Enquanto centenas de milhões de residências pagam pela Netflix, bem mais da metade das residências de banda larga do mundo ainda não pagam – representando um enorme potencial de crescimento futuro”, disse a empresa em comunicado.
A Netflix conseguiu aumentar os preços das assinaturas nos Estados Unidos, Reino Unido e Irlanda, para financiar a produção de conteúdo e o crescimento em outras partes do mundo, como a Ásia, observou Michael Pachter, analista da Wedbush. No entanto, os preços de assinatura nesses mercados em crescimento são mais baixos.
O analista de benchmark Matthew Harrigan alertou que a economia global incerta "pode emergir como um albatroz" para o crescimento de membros e a capacidade da Netflix de continuar aumentando os preços à medida que a concorrência se intensifica.
“Na prática, EUA e Canadá, Europa e América Latina, três mercados-chave para empresa tiveram queda no número de usuários. Mesmo se desconsiderarmos a perda na Rússia, o crescimento teria sido muito abaixo da expectativa”, afirma Thiago Lobão, presidente da empresa de investimentos Catarina Capital.
Guilherme Zanin, analista de investimentos da Avenue, concorda que o mercado não esperava pela retração em assinantes, mas pontua que o crescimento na América Latina indica forte movimento da empresa no continente — mas isso não foi suficiente para agradar os investidores. "No longo prazo, é algo bem negativo para os próximos anos", aponta.
A queda de usuários da empresa também afetou rivais globais do serviço de streaming no pós-mercado desta terça-feira. O maior concorrente da Netflix, o Disney+, registrou uma queda de aproximadamente 4,8% nas ações. Outras companhias também viram os papéis variarem: a Roku teve baixa de 6,5% e a recém-integrada Warner Bros Discovery caiu cerca de 4,7%.
A última vez que a Netflix registrou queda no número de assinantes foi em outubro de 2011, quando o negócio de aluguel de DVDs da empresa começava a se tornar decadente - na época, a maioria dos usuários do serviço ainda se concentrava nos Estados Unidos. Na ocasião, a Netflix anunciou uma alta no valor da sua assinatura e desmembrou os serviços até então existentes na plataforma: o streaming e a entrega de DVDs pelo correio, acabando com a “venda casada” desses dois serviços. As mudanças desagradaram parte dos usuários e levaram a uma perda de mais de 800 mil assinantes da empresa nos EUA.
Streaming em baixa
Os serviços de streaming não são a única forma de entretenimento que disputa o tempo dos consumidores. A última pesquisa Digital Media Trends da Deloitte, divulgada no final de março, revelou que a Geração Z, aqueles consumidores de 14 a 25 anos, passam mais tempo jogando do que assistindo filmes ou séries de televisão em casa, ou até ouvindo música.
A maioria dos consumidores da Geração Z e Millennial entrevistados disseram que passam mais tempo assistindo a vídeos criados por usuários, como os do TikTok e do YouTube, do que assistindo a filmes ou programas em um serviço de streaming.
A Netflix, reconhecendo a mudança nos hábitos de entretenimento do consumidor, começou a investir em jogos, mas isso ainda não contribui materialmente para a receita da empresa.
Ver todos os comentários | 0 |