O jornal O Estado de S. Paulo publicou, nesta segunda-feira (13), editorial em que critica o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) e propõe um reexame de postura da Corte. O texto se ancorou em uma recente fala do ministro Edson Fachin, que, na semana passada, destacou a importância de separar a política do Direito, ressaltando que é preciso “dar ao Direito o que é do Direito, e à política o que é da política”.
A crítica do Estadão se concentra na necessidade de “despolitizar” o STF e devolver-lhe sua função constitucional de guardião da democracia, sem assumir o papel de árbitro político. Para o jornal, as recentes práticas do tribunal têm ultrapassado os limites de sua competência e afetado a credibilidade da Corte. O editorial elogia, contudo, o posicionamento de Fachin, considerando-o uma "lição" de que nem tudo está perdido dentro do Supremo, apesar da crescente mistura entre política e Justiça.
O editorial aponta que a ideia de que “numa democracia, o juiz não pode dizer quem vai ganhar” expressa um posicionamento fundamental para a recuperação da integridade do STF. A crítica é direcionada aos membros da Corte que, segundo o Estadão, veem sua função como parte de uma "missão civilizatória", o que levaria alguns ministros a se envolverem mais ativamente na política, prejudicando a função judicial e legislativa do Congresso.
O impacto dessa postura tem sido perceptível, com pesquisas mostrando uma crescente desconfiança pública no STF. O jornal aponta que a descredibilização da Corte é resultado da atuação de alguns ministros, que parecem ignorar a natureza colegiada do tribunal e as responsabilidades atribuídas à judicatura.
Em uma proposta de solução, o editorial sugere um “profundo reexame de consciência” dos ministros, enfatizando a importância de agir com discrição e sobriedade, como exemplificado pelas práticas tradicionais do STF. Por fim, o Estadão reafirma a defesa da instituição como pilar do regime republicano, mas ressalta que, para recuperar sua confiança, o Supremo deve retornar ao seu papel de falar a voz das leis e da Constituição, e não a dos ministros.
Veja o texto na íntegra:
A lição do ministro Fachin
No dia 8 passado, por ocasião do aniversário do ataque bolsonarista às sedes dos Poderes em Brasília, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, fez um enfático discurso defendendo a autocontenção da Corte.
Na defesa da democracia, ensinou Fachin, “cabe sempre observar o limite da Constituição”. E, numa frase lapidar, declarou: “Ao Direito o que é do Direito, e à política o que é da política”. Mais claro e preciso, impossível.
O vice-presidente do STF ainda ressaltou que “a Constituição estabeleceu que o ‘jogo’ é o da democracia”, mas, recorrendo a uma obviedade que, de fato, deve ser dita nestes tempos estranhos, Fachin relembrou que, “numa democracia, não cabe ao árbitro construir o resultado”, ou seja, “o juiz não pode deixar de responsabilizar quem violou as regras do jogo, mas não lhe cabe dizer quem vai ganhar”.
Eis então que nem tudo está perdido no Supremo Tribunal Federal. Ainda há quem se constranja com a mistura entre política e Justiça que hoje frequentemente ocorre no STF, a ponto de os presidentes da República, responsáveis por nomear ministros para a Corte, já não esconderem mais que norteiam suas escolhas baseadas na presunção de que o indicado trabalhará a favor das pautas do governo.
Na campanha eleitoral de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a eleição presidencial era importante basicamente porque daria ao vencedor o direito de escolher dois novos ministros do Supremo.
Não se pode dizer que Bolsonaro estava errado: o Supremo se converteu há um bom tempo em arena política, não só por provocação de partidos políticos inconformados com suas derrotas nas votações no Congresso, mas porque alguns de seus ministros se consideram titulares de uma missão civilizatória. Movidos por esse ativismo, atropelam competências do Congresso e inventam determinações legais que, não raro, confrontam a própria Constituição pela qual deveriam zelar.
Portanto, não é por acaso que o STF tem perdido a confiança de uma parcela significativa da sociedade, como atestam pesquisas. A degradação da credibilidade da Corte é fruto do trabalho diligente de alguns de seus ministros, que parecem fazer pouco-caso da natureza colegiada do tribunal e da austeridade inerente à judicatura.
Os críticos desse estado de coisas costumam ser tratados pelos próceres do STF como antidemocráticos, como se o desconforto com o comportamento de alguns ministros e com algumas decisões do Supremo fosse sinônimo de golpismo e constituísse um ataque ao Estado Democrático de Direito. Reconheça-se que, por não terem sido eleitos pelo voto direto, os ministros do Supremo são, por definição, livres para tomar decisões contramajoritárias. Se isso é verdade, também é verdade que, exatamente por não terem sido eleitos, devem evitar decisões que atropelem quem foi eleito para legislar.
No entanto, o STF tem sido visto por muitos cidadãos como o árbitro que interfere no resultado do “jogo da democracia”, nas sábias palavras de Fachin. Há pouco tempo, sublinhamos nesta página que, ao ignorar as críticas ao corporativismo, ao ativismo judicial e, no limite, ao partidarismo, o STF, a pretexto de “salvar a democracia” ou “recivilizar o País”, tem degradado o mesmo Estado Democrático de Direito que jura estar protegendo (ver editorial A credibilidade do STF em queda livre, 2/1/2025).
O Supremo Tribunal Federal, como instituição da mais alta relevância no regime republicano, tem neste jornal um de seus mais ferrenhos aliados. Trata-se de uma posição que vem desde anos antes da Proclamação da República, após a qual, em junho de 1890, a Corte passou a adotar o nome pelo qual é conhecida até hoje. Todavia, para que este Supremo impessoal, republicano e olímpico diante das pressões da política e da opinião pública possa voltar a viver seus melhores dias, é preciso que haja um profundo reexame de consciência entre alguns de seus ministros. Não é algo difícil. Com boa vontade, humildade e, sobretudo, espírito público, basta que olhem para o lado e mirem o exemplo de discrição e sobriedade de Edson Fachin. O País só tem a ganhar com um STF que fala a voz das leis e da Constituição, não a dos ministros.
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