Cientes de que o mundo está de olho no Brasil por causa do desmatamento e queimadas recordes, deputados preparam uma lista de projetos ambientais para propor ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), uma semana de “esforço concentrado” para a votação da “pauta sustentável”. A ideia é que as propostas sejam levadas ao plenário antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que ocorrerá entre 1.º e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
As proposições tratam de temas consensuais e poderiam ser discutidas e aprovadas rapidamente pelo plenário, segundo deputados ouvidos pelo Estadão. A lista é resultado de uma série de audiências na Comissão do Meio Ambiente da Câmara. Até agora, 13 itens foram incluídos na relação, que ainda não está finalizada. A ideia do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), porta-voz da Frente Parlamentar Agropecuária, é entregar o conjunto de propostas a Lira na semana após o feriado do 7 de Setembro.
Na lista, estão projetos como o PL 11.276/2018, que oferece soluções para impedir as queimadas descontroladas por meio da criação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. O projeto teve urgência aprovada no último dia 24 e é apontado como prioritário. Para Silva, a “rodada” de votações da pauta ambiental na Câmara pode contribuir nas negociações brasileiras na conferência climática. “Não dá para ir à COP-26 levando ideias, tem de apresentar casos concretos”, disse.
Outra proposta é o PL 528/2021, de autoria do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. O mecanismo permite a venda de créditos por países que limitam as emissões para nações com maiores dificuldades de cumprir as metas de redução. O projeto dialoga diretamente com o principal objetivo da conferência climática: o compromisso dos países em zerar as emissões de carbono até a metade deste século.
A conferência reunirá os países signatários do Acordo de Paris, firmado em 2015, e avaliará seus resultados. O encontro também vai discutir estratégias para limitar os efeitos das mudanças climáticas.
Por meio de sua assessoria, o presidente da Câmara disse que ainda não foi procurado para tratar da lista, mas que está aberto ao debate. No dia 24, em evento promovido pela XP Investimentos, Lira se mostrou disposto a pautar o PL 528/21, de autoria de seu vice. “Depois das pautas estruturantes, queremos votar o crédito de carbono da floresta em pé, que dará uma resposta ao mundo de que 62% do nosso território é floresta e que meia dúzia de desmatadores não pode jogar a imagem do Brasil no lixo”, disse Lira, que foi convidado a participar da COP-26, mas ainda não confirmou a presença no evento.
Políticos e especialistas ouvidos pelo Estadão destacaram a importância de levar a pauta sustentável a plenário, mas afirmaram que esse é apenas o “ponto de partida”, ainda “insuficiente” para atingir as metas climáticas com as quais o País se comprometeu no Acordo de Paris e para equilibrar com os “retrocessos” que o setor ambiental tem enfrentado.
Entre as pautas que retrocederam em relação à legislação ambiental brasileira, a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, citou o PL 191/2020, que libera a mineração e exploração das terras indígenas, e a tese do marco temporal, que está sendo discutida no Supremo. “Com esse quadro, mesmo que tenhamos coisas importantes nesse pacote verde, isso não via corrigir a imagem do País”, disse.
A maioria das propostas foi listada pelo coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). “Não penso que melhora (a imagem do País), mas é importante. Isso porque o mundo todo está de olho no Brasil na questão do desmatamento, e, para melhorar isso, precisaria de governança, fazer a lição de casa, fiscalização efetiva, cobrança de multas, reestruturar Ibama e ICMBio, enfim, o Brasil teria de combater, de fato, o desmatamento, não só aprovar algumas leis.”
Cronograma
Também fazem parte da lista preparada pelos deputados o Tratado Antártico (PDL 406/19) e a ratificação da Emenda Kigali (PDC 1100/18), que já está em vigor em cerca de cem países e define um cronograma de redução da produção e consumo de hidrofluorcarbono, substância usada em equipamentos de refrigeração que contribui para o efeito estufa. Ambos estão prontos para serem analisados em plenário. Segundo Suely, se esses assuntos forem a plenário, tendem a serem aprovados “sem problema”.
Durante a última audiência na comissão, a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura apresentou seis sugestões imediatas para enfrentar a redução do desmatamento, sobretudo diante do alerta do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que indicou que o aquecimento global está acelerado e já com níveis de irreversibilidade.
Na avaliação da cofacilitadora da coalizão, que reúne cerca de 300 entidades empresariais e do terceiro setor, o pacote que os deputados pretendem apresentar a Lira é “um poderoso instrumento” que vai facilitar a economia de baixo carbono. Rachel Biderman destacou que o País vai chegar à COP-26 com a imagem marcada pelo aumento das queimadas e do desmatamento e que, por isso, precisa ser mais “ambicioso” nas pautas.
“É fundamental que o Brasil leve mais ambição, que coloque na mesa de negociações em Glasgow um compromisso maior do que o que a gente já apresentou”, disse. “Parte das nossas soluções está relacionada ao uso da terra. Se eliminarmos o desmatamento, promovermos a agricultura sustentável e a restauração das áreas degradadas, vamos estar fazendo a nossa parte.”
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